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Tabela de HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 2º Semestre de 2018

Tabela de HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 2º Semestre de 2018

 

Segue, abaixo, a tabela contendo os habeas corpus e os recursos ordinários em habeas corpus julgados pela 2ª Turma do STF durante o 2º semestre de 2018.

Como se observa, a maioria dos julgamentos colegiados se deu através da interposição de agravo interno (regimental), sendo mais frequente a forma virtual que a presencial.

Foram, ao todo, 38 julgados, com a concessão da ordem em 10 deles (26,32%), denegação (não conhecimento, denegação, não provimento) em 25 (65,79%) e pedido de vista em 3 (7,89%).

Se considerarmos apenas os que já tiveram seu julgamento encerrado, foram 35 ao todo, com 10 resultados favoráveis (28,57%) e 25 desfavoráveis (71,43%).

Pretendo, se o tempo assim permitir, comentar os casos que considero mais relevantes.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 23 de janeiro de 2019

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 2º semestre de 2018
Número do processo Ministro Relator Resultado Data do Julgamento Tema
HC 142.987 Gilmar Mendes Concedida a ordem 11/09/2018 Importação de sementes de maconha. Ausência de justa causa para prosseguimento da ação.
HC 144.161 Gilmar Mendes  Concedida a ordem 11/09/2018 Importação de sementes de maconha. Ausência de justa causa para prosseguimento da ação.
HC 141.440

Agravo em lista

Dias Toffoli Provido o agravo e concedida a ordem 14/08/2018 Furto tentado de gêneros alimentícios. Aplicação do princípio da insignificância (no valor de R$ 116,50).
HC 148.333

Agravo em lista

Dias Toffoli Negado provimento ao agravo 14/08/2018 Tráfico de drogas. Dosimetria da pena. Invocação da quantidade e qualidade da droga em 2 fases da dosimetria. Bis in idem.
HC 154.455

Agravo em lista

Dias Toffoli Negado provimento ao agravo do MPF. Concedida a ordem 28/08/2018 Produção antecipada da prova testemunhal – art. 366, CPP. Inexistência de demonstração concreta da necessidade da medida.
HC 144.463

Agravo em lista

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 11/09/2018 Descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade por habitualidade delitiva.
HC 152.768

Agravo em lista

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 11/09/2018 Descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade por habitualidade delitiva.
RHC 140.184

Agravo em lista

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 11/09/2018 Menoridade. Prova. Exigência de documento.
HC 153.805

Agravo em lista

Dias Toffoli Negado provimento ao agravo 11/09/2018 Possibilidade de revisão criminal em razão de variação jurisprudencial.
HC 143.971

Agravo em lista

Dias Toffoli Agravo regimental não conhecido 11/09/2018 Regime de pena mais gravoso. Aplicação da benesse do art. 33, §4° da Lei de Drogas em grau máximo.
HC 143.557

Agravo em lista

Dias Toffoli Provido o agravo e concedida a ordem 11/09/2018 Importação de sementes de maconha. Ausência de justa causa para prosseguimento da ação.
HC 144.762

Agravo em lista

Dias Toffoli Provido o agravo e concedida a ordem 11/09/2018 Importação de sementes de maconha. Ausência de justa causa para prosseguimento da ação.
HC 138.964

Agravo em lista

Edson Fachin Negado provimento ao agravo 02/10/2018 Tráfico de drogas. Aplicação da benesse do §4° do art. 33 da Lei de Drogas e suposta participação em organização criminosa.
HC 147.513

Agravo em lista

Edson Fachin Negado provimento ao agravo 02/10/2018 Descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade por habitualidade delitiva.
RHC 152.907

Agravo virtual

Celso de Mello Negado provimento ao agravo 29/06 a 06/08 de 2018 Execução penal. Possibilidade de remição da pena, em jornada de 5 horas de trabalho.
HC 155.892

Agravo virtual

Cármen Lúcia Agravo regimental não conhecido (opostos embargos) 29/06 a 06/08 de 2018

 

Posse de substância entorpecente – art. 290, CPM. Aplicação do princípio da insignificância e desclassificação para o delito do art. 28 da Lei de Drogas.
HC 142.480

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 10/08 a 16/08 de 2018 Tráfico de drogas. Envolvimento de adolescentes. Comprovação de menoridade.
HC 149.254

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 17/08 a 23/08 de 2018

 

Prisão preventiva. Roubo majorado por concurso de pessoas. Corrupção de menores.
HC 137.623

Agravo virtual

Celso de Mello Negado provimento ao agravo 24/08 a 30/08 de 2018

 

Furto tentado. Reincidência e maus antecedentes. Princípio da insignificância. Impossibilidade (valor de R$ 100,00)
HC 149.769

Agravo virtual

Celso de Mello Negado provimento ao agravo 24/08 a 30/08 de 2018 Descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade por habitualidade delitiva.
HC 157.831

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 21/09 a 27/09 de 2018

 

Tráfico de drogas.  Discussão a respeito da fração de redução do art. 33, §4° da Lei 11.343/06.
RHC 149.139

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 21/09 a 27/09 de 2018

 

Tráfico de drogas.  Aplicação da redutora do art. 33, §4° da Lei 11.343/06. Regime de pena adequado.
HC 148.867

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 19/10 a 25/10 de 2018

 

Tráfico de drogas. Envolvimento de adolescentes. Comprovação de menoridade.
HC 152.100

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 19/10 a 25/10 de 2018

 

Não aplicação do redutor do art. 33, § 4º da Lei de drogas em decorrência da prática anterior de atos infracionais.
HC 157.210

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 19/10 a 25/10 de 2018 Unificação de penas para fins de livramento condicional. Aplicação da fração maior para todos os crimes.
HC 159.653

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 19/10 a 25/10 de 2018

 

Unificação de penas para fins de livramento condicional. Aplicação da fração maior para todos os crimes.
HC 143.528

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo 02/11 a 09/11 de 2018 Roubo majorado pelo emprego de arma e pelo concurso de pessoas. Condenação. Dosimetria da pena. Análise das circunstâncias judiciais.
HC 155.610

Agravo virtual

Gilmar Mendes Pedido de vista

(Min. Edson Fachin). 

Agravo interposto pelo MPF

02/11 a 09/11 de 2018

 

Fornecimento de internet. Discussão sobre classificação como atividade de telecomunicação. Insignificância.
HC 160.227

Agravo virtual

Gilmar Mendes Negado provimento ao agravo do MPF. Concedida a ordem 02/11 a 09/11 de 2018

 

Tráfico de drogas. Causa de diminuição de pena – §4°, art. 33 da Lei de Drogas. Mula. Fração aplicada no máximo.
HC 143.796

Agravo virtual

Gilmar Mendes Pedido de vista

(Min. Edson Fachin)

Agravo interposto pelo MPF

02/11 a 09/11 de 2018

 

Tráfico internacional de drogas com uso de documento falso.  Aplicação da causa de diminuição de pena   do §4° do artigo 33 da Lei 11.343/06 no patamar máximo.
HC 144.309

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo do MPF. Concedida a ordem 09/11 a 16/11 de 2018

 

Tráfico de drogas. Impossibilidade de afastamento da minorante do art.33, §4º da Lei 11.343/06 em razão de processos penais em andamento.
HC 153.397

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo do MPF. Concedida a ordem 09/11 a 16/11 de 2018

 

Desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação. Rádio comunitária. Princípio da insignificância. Questão de natureza administrativa.
HC 156.674

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 09/11 a 16/11 de 2018

 

Tráfico de drogas. Pequena quantidade. Fração de redução, regime inicial e substituição da pena.
HC 150.285

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 09/11 a 16/11 de 2018

 

Substituição da pena privativa de liberdade em prestação pecuniária. Valor excessivo. Impossibilidade de rediscussão.
HC 150.821

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 23/11 a 29/11 de 2018 Descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade por habitualidade delitiva.
HC 152.001

Agravo Virtual

Ricardo Lewandowski Retirado do julgamento virtual – Pedido de destaque. (Min. Gilmar Mendes) 23/11 a 29/11 de 2018

 

Reexame de fato em sede de recurso especial ministerial. Mula. Organização criminosa.

Dupla valoração de uma mesma circunstância na primeira e na terceira fase da dosimetria.

HC 151.559

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo do MPF. Concedida a ordem 07/12 a 13/12 de 2018

 

Crime de deserção.  Perda da qualidade de militar e prosseguimento da ação. Condição de procedibilidade.
HC 156.314

Agravo virtual

Ricardo Lewandowski Negado provimento ao agravo 07/12 a 13/12 de 2018

 

Posse de substância entorpecente – art. 290, CPM. Aplicação do princípio da insignificância e desclassificação para o delito do art. 28 da Lei de Drogas.

 

Julgados diretamente de forma colegiada, sem a necessidade de agravo: 2

Julgados em listas de agravos presenciais: 12

Julgados em listas de agravos virtuais: 24

 

Deferidos total, parcialmente ou de ofício: 10

Julgamentos interrompidos por pedido de vista ou adiamento: 03

Indeferidos (não conhecidos, denegados, com seguimento negado): 25

Total dos HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 2º sem. de 2018: 38

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

Prisão cautelar e celeridade processual 

Prisão cautelar e celeridade processual 

 

O texto abaixo foi redigido pela minha colega, Dra. Tatiana Melo Aragão Bianchini, que proferiu sustentação oral no HC 145359, perante a 1ª Turma do STF.

A modéstia dela impediu que ela colocasse seu nome como responsável pela sustentação, essencial para a concessão da ordem por empate na votação.

A discussão veiculada no habeas corpus em questão era de excesso de prazo em prisão cautelar, tendo sido deferida liminar pelo Ministro Marco Aurélio, relator.

Na sessão de julgamento, ouvida a Defensoria Pública da União, na pessoa da colega, o Ministro Marco Aurélio confirmou a liminar e concedeu a ordem.

Os Ministros Rosa Weber e Roberto Barroso votaram por sua denegação. O Ministro Luiz Fux estava ausente.

O Ministro Alexandre de Moraes cogitou em denegar e determinar o julgamento célere. Ao ouvir isso, a Dra. Tatiana Bianchini fez essencial intervenção para apontar a fase atual do processo e a data da próxima audiência. Vejam abaixo.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 7 de janeiro de 2019

 

 

“Trata-se de habeas corpus no qual é pleiteada a liberdade provisória do paciente, preso preventivamente por garantia da ordem pública em 29/05/2015, acusado da prática do delito de homicídio qualificado (art. 121, §2º, I, III e IV, do CP) e também do crime previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003. A custódia cautelar foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Piauí e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em que pese ter permanecido preso à disposição do juízo por longo período, o feito não chegou a seu termo, tendo o Ministro Marco Aurélio, em 26/06/2017, deferido liminar – que estendeu também ao corréu, na qual destacou que “O paciente está preso, sem culpa formada, há 2 anos e 27 dias. Nada justifica tal fato. Surge o excesso de prazo. Privar da liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade. Concluir pela manutenção da medida é autorizar a transmutação do pronunciamento mediante o qual implementada, em execução antecipada de sanção, ignorando-se garantia constitucional”.

No último dia 27/11/2018 o caso foi levado à apreciação da Primeira Turma, que após sustentação oral da Defensoria Pública da União, por empate na votação, concedeu a ordem nos termos do voto do Relator, o Ministro Marco Aurélio, sendo de se destacar que a movimentação processual da ação penal, disponível no Sistema Themis Web – Consulta Pública, do TJPI na internet, demonstrou que a instrução ainda não havia sido encerrada, constando de referida movimentação que em outubro/2017 a audiência de instrução e julgamento foi redesignada para o dia 09/09/2020.

Em que pese a gravidade dos fatos imputados ao paciente, a situação posta, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII). Ademais, diverge frontalmente do quanto declarado na Convenção Americana sobre Diretos Humanos, adotada no Brasil através do Decreto n. 678/92, a qual consigna a ideia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.​”

Para quem quiser conferir, segue trecho do andamento extraído do sítio eletrônico do TJPI ( Comarca de Teresina, processo 0020092-04.2014.8.18.0140)

Andamento processual na origem. Comarca de Teresina/PI. A data na coluna da esquerda indica o dia em que lançada a movimentação.

Redução de prestação pecuniária em sede de habeas corpus

Redução de prestação pecuniária em sede de habeas corpus

 

A 1ª Turma do STF julgou e concedeu um habeas corpus que entendo tratar de assunto relevante e recorrente em nossa atuação.

No HC 139198, a DPU pedia que fosse reduzida a pena de prestação pecuniária, imposta após a conversão da pena privativa de liberdade em duas restritivas de direitos (prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade). O valor da prestação pecuniária foi fixado em R$ 5000,00. Foi destacado que o paciente recebia R$ 1200,00 mensais como ajudante de serviços gerais.

Transcrevo o acórdão do agravo regimental no AREsp 765.506 do STJ:

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias para reduzir o valor da prestação pecuniária com base nas condições econômicas do réu, demandaria, necessariamente, revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 7/STJ, que dispõe: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 2. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 765.506/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016)

A ordem foi concedida, nos termos abaixo transcritos (acórdão ainda não publicado):

“Decisão: A Turma, por maioria, não conheceu da impetração, mas concedeu a ordem, de ofício, para fixar a multa em um salário mínimo, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, Redator para o acórdão; vencido o Ministro Marco Aurélio, Relator, que presidiu este julgamento. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Primeira Turma, 6.11.2018.” grifo nosso

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 07/11/2018

Atividade de policiamento pelas Forças Armadas e competência – ponderações

Atividade de policiamento pelas Forças Armadas e competência – ponderações

 

Em tempo recente, o Ministro Gilmar Mendes denegou, em decisões monocráticas, habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União, perante o STF, em que se discute a competência da Justiça Militar para julgar civis que supostamente pratiquem crimes contra membros das Forças Armadas no desempenho de atividade de policiamento.

Penso que o julgamento de jovens que tenham, por exemplo, praticado crimes de pequeno potencial ofensivo, pela Justiça Castrense, situação que afasta, para dar um exemplo rápido, a aplicação da Lei 9099/95 (Juizados Especiais), configura ofensa aos princípios da igualdade e do juiz natural.

Já interpus agravo em um desses habeas corpus, cujos argumentos invocados serão colacionados abaixo. Trata-se do HC 160058.

Brasília, 21 de setembro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

O presente agravo volta-se contra dois capítulos da decisão: o que entendeu pela competência da Justiça Militar da União para julgar o paciente, civil, pela suposta prática de desacato, invocando, para tanto, julgado emanado da Primeira Turma do STF, e o que afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9099/95 ao caso.

O precedente invocado, HC 112.932, relatado pelo Ministro Roberto Barroso e julgado pela Primeira Turma da Corte está em confronto com o entendimento adotado pela Colenda Segunda Turma, pelo que, no mínimo, há nítida discrepância entre os entendimentos manifestados pelas duas Turmas do Tribunal, o que justificaria, ao menos, a ida do feito ao colegiado:

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – IMPUTAÇÃO, AO PACIENTE, QUE É CIVIL, DE CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO – SUPOSTO DELITO DE DESACATO A MILITAR (CPM, ART. 299) – OCORRÊNCIA DESSE FATO EM AMBIENTE ESTRANHO AO DA ADMINISTRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS – MILITAR DO EXÉRCITO, SUPOSTAMENTE DESACATADO, QUE REALIZAVA ATIVIDADE DE POLICIAMENTO OSTENSIVO NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO E PACIFICAÇÃO DAS COMUNIDADES DO COMPLEXO DO ALEMÃO E DA PENHA, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO QUE TRADUZ TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – REGULAÇÃO DESSE TEMA NO PLANO DO DIREITO COMPARADO – OFENSA AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) PELO FATO DE A VÍTIMA, MILITAR DO EXÉRCITO, QUALIFICAR-SE COMO AGENTE PÚBLICO DA UNIÃO – PEDIDO DEFERIDO. FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO EXERCIDA POR MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS – ENCARGO QUE SE QUALIFICA, CONCEITUALMENTE, COMO TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA. – Refoge à competência penal da Justiça Militar da União processar e julgar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente praticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de ocupação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cariocas, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de segurança pública. Precedentes. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. – Tendência que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. – Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005): determinação para que a República do Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (…)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). – O caso “Ex Parte Milligan” (1866): importante “landmark ruling” da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. – Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural, sob pena de invalidação do processo em que consumada a ofensa ao postulado da naturalidade do juízo. A Constituição do Brasil, ao proclamar o regime das liberdades públicas – que representa expressiva limitação aos poderes do Estado –, consagrou, de modo explícito, o dogma fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.” (HC 112936, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 16-05-2013 PUBLIC 17-05-2013 RTJ VOL-00224-01 PP-00533) grifo nosso

O tema foi afetado ao Plenário do STF, através do HC 126545, ainda não apreciado, justamente por entender a Colenda Segunda Turma que a matéria precisaria ser analisada pelo colegiado maior até para que fosse pacificada. Calha transcrever trecho do Informativo 819:

“A Segunda Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de “habeas corpus” em que se discute a competência para processar e julgar o delito do art. 299 do CPM, quando praticado por civil contra militar das Forças Armadas no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública. HC 126545/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.3.2016. (HC-126545) 

Como se vê, a matéria está longe de estar pacificada, e, em verdade, em se tratando da Segunda Turma, a decisão colegiada sobre o tema vai de encontro à decisão agravada. Aliás, antes do HC 126545, outros tratando do mesmo assunto foram afetados ao Plenário, não tendo sido apreciados em seu mérito, contudo (HC 118846 e HC 112848).

Ainda que superada essa questão, precisa ser apreciada a possibilidade de aplicação, mesmo na Justiça Castrense, dos dispositivos despenalizadores da Lei 9099/95. Embora o tema tenha sido realmente discutido no julgamento do HC 99743, relator Ministro Luiz Fux, invocado na decisão singular, o precedente apreciado pelo Pleno do STF dizia respeito a militar. A vedação da aplicação da Lei dos Juizados deu-se com relação exclusivamente ao militar, havendo, quando do julgamento, longo debate a respeito do tema. Na pior das hipóteses, chega-se à conclusão de que o assunto não foi definido em se tratando de acusado civil. Calha transcrever a ementa em questão:

“Ementa: Penal Militar. Habeas corpus. Deserção – CPM, art. 187. Crime militar próprio. Suspensão condicional do processo – art. 90-A, da Lei n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Inaplicabilidade, no âmbito da Justiça Militar. Constitucionalidade, face ao art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma em relação a civil processado por crime militar. O art. 90-A, da n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais -, com a redação dada pela Lei n. 9.839/99, não afronta o art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República no que veda a suspensão condicional do processo ao militar processado por crime militar. In casu, o pedido e a causa de pedir referem-se apenas a militar responsabilizado por crime de deserção, definido como delito militar próprio, não alcançando civil processado por crime militar. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma que veda a aplicação da Lei n. 9.099 ao civil processado por crime militar. Ordem denegada.” (HC 99743, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 20-08-2012 PUBLIC 21-08-2012) grifo nosso

Ora, o obter dictum, grifado acima, indica justamente a inconstitucionalidade da Lei 9839/99 que alterou a Lei 9099/95, no que concerne aos civis processados na Justiça Militar. Como o precedente tratava de militar, o assunto não foi decidido. Todavia, o complemento lançado ao final da ementa mostra a tendência do Tribunal ao apreciar situação envolvendo civil. Se a Lei alteradora da Lei dos Juizados Especiais fosse constitucional em qualquer situação, envolvendo militares e civis, o complemento seria totalmente desnecessário, bastando que se dissesse a Lei 9839/99 é constitucional e aplica-se a todos os que forem julgados pela Justiça Castrense.

A grande questão subjacente à presente discussão é a ofensa ao princípio da igualdade que pode advir do entendimento de que civis devem ser submetidos à Justiça Militar em caso de atividade de policiamento, restando também afastada a aplicação da Lei 9099/95. Impende trazer um exemplo de situação corriqueira:

                        a – Um jovem morador de bairro nobre do Rio de Janeiro que pratique desacato (e não se ingressará, por ora, na discussão da inconvencionalidade do crime em tela) contra um policial militar será julgado pela Justiça comum, não militar, podendo valer-se dos institutos da Lei 9099/95.

                        b – Por outro lado, um jovem morador de favela ocupada pelas forças armadas que pratique exatamente a mesma conduta contra militar do Exército será julgado na Justiça Militar da União, afastada a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores dos Juizados Especiais.

                        Cabe destacar: não valem aqui os argumentos sempre invocados de maior rigor da Justiça Militar em razão da hierarquia e disciplina essenciais à vida na caserna. Também não se trata de situação em que civil tenta fraudar pensão oriunda de militar, sabendo das consequências. Não! Aqui a competência militar e o rigor advêm exclusivamente do local de moradia do acusado. Nada mais. Parece, com o devido respeito, uma espécie de isonomia às avessas: ao jovem de classe média ou alta que teve todas as oportunidades, a transação penal; ao jovem pobre da favela, condenação penal na Justiça Militar.

Portanto, deve ser provido o agravo bem como deferida a ordem de habeas corpus quanto à incompetência da Justiça Castrense e, subsidiariamente, quanto à possibilidade de aplicação da Lei 9099/95.

 

AFETAÇÃO AO PLENÁRIO E LIMINAR

Caso se entenda pela remessa do presente processo ao Plenário, uma vez que o tema é relevante e pode se repetir exaustivamente em tempos de intervenção federal, pugna a defesa pela concessão da liminar para que seja suspensa a execução da pena imposta pela Justiça especializada, evitando-se, assim, a perda do objeto.

 

DO PEDIDO

            Ante o exposto, requer seja exercido o juízo de retratação por Vossa Excelência, com o prosseguimento do feito e a concessão da ordem para:

a – que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar o paciente, remetendo-se o feito à Justiça comum;

b – subsidiariamente, se mantida a competência, que seja permitida a aplicação da Lei 9099/95 ao caso em tela, uma vez que o acusado/agravante não é militar.

Caso superado o juízo de retratação, seja o agravo levado à Turma, em destaque e em julgamento presencial, para que esta lhe dê provimento, e, ao final, conceda a ordem, nos termos pedidos acima.

Caso se entenda seja pertinente afetar o feito ao Plenário, que seja deferida a liminar, suspendendo-se a execução da pena para que não haja perda de objeto.

Pugna, ainda, caso exercida a reconsideração, o que se espera que ocorra, pela intimação pessoal da Defensoria Pública-Geral da União para a sessão de julgamento.

 

Todos iguais

Todos iguais

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Em um dia como hoje, é bom mostrar como as coisas funcionam para um assistido da Defensoria.

Vou narrar a longa jornada de um processo de um réu atendido pela Defensoria.

Sim, o crime do qual é acusado o assistido da DPU é grave, mas meu objetivo é mostrar como a prisão cautelar indefinida nem sempre incomoda o STF.

O que vou contar abaixo pode ser verificado nos autos eletrônicos do HC 149766, impetrado junto ao STF, em que se busca a liberdade do paciente (foi um trabalho conjunto da DPU e da DPE/AL do primeiro grau até a Suprema Corte):

Em 22/05/2015, o paciente teria cometido homicídio.

Dias após os fatos, apresentou-se à autoridade policial, sendo liberando em seguida,

Em 26/08/2015, foi pedida sua prisão, sem grande fundamentação que justificasse a imposição de preventiva a partir dali. Transcrevo trecho:

“In casu, não obstante o privilegio da atual previsão legal para a aplicação preferencial de outras medidas cautelares que não a prisão preventiva, vislumbramos a presença do requisito para a sua decretação, qual seja a garantia da ordem pública, que se mostra ameaçada diante da pratica delitiva que traz em si grande lesividade aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, não sendo o caso de aplicação de outra medida cautelar prevista no artigo 319 do Código Processual Penal. ”

Foi preso em 10/09/2015.

Assim se encontra até a presente data.

Já teve audiências remarcadas 3 vezes.

O habeas corpus impetrado pela DPU, em 30/10/2017, perante o STF, teve seu seguimento negado, em 31/10/2017, pelo Ministro Dias Toffoli, relator.

Interpus agravo interno em 06/12/2017.

Enquanto isso, no primeiro grau, dia 12/12/2017, deveria ser ouvida uma testemunha e, ainda, interrogado o acusado.

Todavia, os agentes penitenciários do Estado de Alagoas estavam em greve, pelo que o réu, preso, não foi conduzido a audiência, sendo seu interrogatório remarcado para 19/04/2018.

Em suma, o interrogatório da fase inicial do Júri (judicium accusationis) foi atrasado em mais de 4 meses, por culpa EXCLUSIVA DO ESTADO, em se tratando de acusado preso há mais de 2 anos e 3 meses, quando do adiamento.

No dia 18/12/2017, o agravo regimental que interpus foi a julgamento. Assomei à tribuna para falar do último andamento na origem, ou seja, o adiamento do interrogatório, ocorrido após a interposição do recurso.

Não poderia sustentar, por não haver essa possibilidade em agravo interno.

Após ser advertido insistentemente pelo Ministro Edson Fachin, que preside a 2ª Turma, de que só poderia trazer questão de fato, esclareci o que tinha ocorrido na primeira instância.

O agravo foi negado.

Publicado o acórdão do agravo interno, foi expedido ofício à origem para que fosse dada celeridade à oitiva do paciente.

Opus embargos de declaração, dizendo que, até aquela data, não tinha havido qualquer antecipação do interrogatório.

Hoje é 23/03/2018, o assistido sequer foi pronunciado, estando preso há mais de 2 anos e 6 meses.

Aqui não há discussão de cumprimento de pena após o 1º, o 2º ou outro grau. O acusado não foi condenado.

Depois tenho que passar a tarde inteira ouvindo que todos são iguais, ou, ainda, que alguns conseguem as coisas por terem advogados contratados a peso de ouro.

Francamente.

Brasília, 23 de março de 2018

 

Estabelecendo limites

Estabelecendo limites

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Foram julgados e concedidos pela 2ª Turma do STF, recentemente, dois habeas corpus impetrados pela DPU em que se discutia acréscimo de fundamento em decreto prisional pelo STJ e também a apreciação de questões fático-probatórias na fixação da pena pela Corte Superior.

Na verdade, muitas vezes, o STJ, parece deixar de lado o próprio verbete da súmula 7 para prover recursos especiais em que fica, ao menos a meu sentir, bastante claro o revolvimento fático.

Curioso que, por outro lado, quando as instâncias ordinárias negam, por exemplo, a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, e a defesa interpõe recurso especial ou impetra habeas corpus, a vedação do exame fático é imediatamente lembrada.

Transcrevo abaixo as ementas dos habeas corpus em questão.

Nesse primeiro caso, HC 137.034, o decreto de prisão era o mais genérico possível, pelo que o STJ, ao invés de reconhecer isso, optou por agregar fundamento a ele em sede de habeas corpus. Ordem concedida pelo STF.

“Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDADA NA GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME. PRECEDENTES. COMPLEMENTAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA PELO STJ NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. I – Os requisitos autorizadores descritos no art. 312 do Código Processual Penal não foram concretamente demonstrados pelo magistrado de piso. II – Não bastam a gravidade do crime e a afirmação abstrata de que o réu oferece perigo à sociedade para justificar a imposição da prisão cautelar ou a conjectura de que, em tese, a ordem pública poderia ser abalada com a soltura do acusado. III – É vedado ao Superior Tribunal de Justiça, ao analisar ordem de habeas corpus, agregar fundamentos ao decreto de prisão preventiva em prejuízo do paciente. IV – Ordem concedida.” (HC 137034, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 16/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 29-05-2017 PUBLIC 30-05-2017) grifo nosso

Já nesse segundo, HC 140.441, o STJ discordou do regime imposto para prover recurso especial do Ministério Público e agravá-lo. Ordem concedida pelo STF.

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO À 4 ANOS E 10 MESES DE RECLUSÃO. IMPOSIÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. SANÇÃO MAIS GRAVOSA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULAS 718 E 719 DO STF. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO PACIENTE. ANÁLISE DA NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA. REEXAME DE PROVAS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. VEDAÇÃO DE REEXAME DE PROVAS EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7 DO STJ. RÉU PRIMÁRIO. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. APLICAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. ORDEM CONCEDIDA. I – O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8 anos tem o direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto (art. 33, § 2°, b, do CP), caso as circunstâncias judiciais do art. 59 lhe forem favoráveis. II – A imposição de regime de cumprimento de pena mais gravoso deve ser fundamentada, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima (art. 33, § 3°, do CP) . III – Não é dado ao STJ revolver fatos e provas para, analisando a quantidade e a qualidade de droga, impor ao réu regime prisional mais gravoso. IV – Ordem concedida para fixar o regime semiaberto para o desconto da pena de reclusão.” (HC 140441, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 28/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-096 DIVULG 08-05-2017 PUBLIC 09-05-2017) grifo nosso

 

São bons julgados, para quem estuda e para quem atua na área.

Brasília, 5 de junho de 2017

Eu também quero, STF

Eu também quero, STF

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na sessão de 25 de abril de 2017, a Primeira Turma do STF determinou a volta de condenado pelo Tribunal do Júri para a prisão, ainda que pendente recurso de apelação. Por sua vez, a Segunda Turma da Suprema Corte concedeu ordens de habeas corpus para condenados em primeiro grau, uma vez que ainda não apreciados os respectivos apelos. A contradição em si já seria curiosa, mas o presente texto não trata disso.

Em uma das ordens de habeas corpus deferidas pela Segunda Turma, o Ministro Relator, Edson Fachin, tinha negado seguimento e depois julgado o feito prejudicado monocraticamente, decisão que desafiou a interposição de agravos internos (ou regimentais).

O STF não permite a sustentação oral em agravo interno em habeas corpus. Todavia, no citado writ, HC 140312, proveram-se agravos para se permitir a sustentação oral no caso, sendo, em seguida, concedida a ordem. Por estar gozando uma semana de férias, não estive presente à sessão, como costumo fazer, mas transcrevo o andamento extraído do sítio eletrônico da Corte:

“Decisão: A Turma, por maioria, deu provimento aos agravos regimentais, vencido o Relator e, também por maioria, concedeu a ordem para revogar o decreto de prisão preventiva, sem prejuízo de que o juízo competente venha a fixar eventuais medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator) e Celso de Mello. Falou, pelo paciente, a Dra. Daniela Rodrigues Teixeira e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Cláudia Sampaio Marques. Redator para o acórdão o Senhor Ministro Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 25.4.2017.”

Sou intimado de dezenas de decisões prolatadas pelos Ministros do STF toda semana, em minha atuação pela Defensoria Pública da União, muitas delas negativas. Definitivamente não recorro de tudo, aliás, recorro quando acho que tenho chance, quando a decisão está em confronto com a própria jurisprudência do Tribunal ou, ainda, quando vejo no caso alguma particularidade.

Alguns de meus agravos têm sido apreciados no chamado julgamento virtual da Turma, que sequer são presenciais e possíveis de serem assistidos.

Ainda à tarde, antes de conhecer os resultados dos processos julgados na sessão de 25 de abril, redigi um pedido de que um agravo por mim interposto fosse levado à Turma presencial e em destaque. Depois de saber, constato que o mínimo que a Defensoria Pública e também seus assistidos merecem é isso, quem sabe até mesmo a sustentação oral. Nossos assistidos não são famosos, mas os casos que patrocinamos têm em seus resultados inequívoco efeito multiplicador.

Tomara que o precedente do HC 140312 valha para todos.

 

Em tempo, vale destacar o que se discute no HC 139717, feito no qual pedi o julgamento presencial do agravo:

Paciente acusado de furto simples, bem no valor de R$ 150,00, restituído no mesmo dia. Condenado a 1 ano, 6 meses e 20 dias de reclusão em regime fechado.

Por ser ele reincidente, no agravo, dei ênfase à imposição de regime mais brando, nos exatos termos das decisões prolatadas nos paradigmas HC 123108, HC 123533, julgados pelo Plenário do STF, por entender ser difícil a obtenção da insignificância.

É isso. Regime fechado para um furto simples, bem devolvido, no valor de R$ 150,00. Muitas vezes só não fica chateado quem não se importa.

Brasília, 26 de abril de 2017

Duas dicas rápidas sobre habeas corpus

Duas dicas rápidas sobre habeas corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Vão aqui duas dicas, aspectos corriqueiros, a respeito da impetração de habeas corpus, principalmente no que respeita ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, que podem ajudar a quem começa a atuar na área.

A primeira delas é avisar que o enunciado da Súmula 691 do STF foi alargado. A citada súmula restringia a impetração de habeas corpus contra decisões que apenas indeferiram liminar na instância anterior, sem julgar o writ definitivamente. Atualmente, mesmo que a decisão monocrática seja definitiva e não mera cautelar, prevalece, de forma bastante pacífica no STJ e no STF, que não cabe HC contra ela, caso não tenha sido tornada colegiada pela via do agravo interno.

Em suma, o habeas corpus foi julgado de forma monocrática? Agrave, ou a chance do mérito do HC impetrado na Corte ad quem não ser apreciado é bem grande.

Há situações em que essa necessidade se torna completamente inadequada e contraproducente para a parte, principalmente, e também para os tribunais. Um exemplo ajuda a compreensão. Um Ministro do STJ denega um HC monocraticamente com base em jurisprudência consolidada da Corte Superior. O agravo interno terá o mesmo destino, certamente. Por outro lado, a linha adotada pelo STF é favorável ao paciente. Qual o sentido em se impor o agravo em casos como esse, bem comuns, aliás? Aumento de trabalho para todos. O recomendável é agravar, todavia.

Há pressa e o tema é bom? Faça o HC para o tribunal superior sem deixar de agravar da decisão singular. Dá mais trabalho, mas é o melhor caminho (ou, ao menos, o mais seguro).

Segunda sugestão. Indique na peça, expressamente, que deseja fazer “sustentação oral”. Alguns gabinetes de Ministros informam, mesmo sem esse pedido, a data do julgamento do writ, mas nem todos.

Certa vez, participei de uma reunião, juntamente com o então Defensor Geral Federal, com um(a) Ministro(a) do STJ que reclamou que havia pedidos de sustentação que depois não eram proferidas pelo impetrante.

Da minha parte é fácil explicar. A Defensoria Pública da União (DPU) impetra dezenas de habeas corpus com o mesmo tema. Não tenho como saber qual será julgado primeiro. Assim, quando um em que desejo falar é colocado em mesa, faço a sustentação e, na maioria das vezes, dou por encerrada a questão. Por outro lado, o ideal é sustentar antes de a matéria discutida ficar consolidada na Corte. Assim, os pedidos devem ser feitos em todos os HCs, em razão da eventualidade.

São dicas simples que podem ajudar a melhorar o aproveitamento e a chance de êxito dos habeas corpus.

Brasília, 18 de novembro de 2016

Os pobres não têm defesa?

Os pobres não têm defesa?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

No HC 132.512, impetrado por René Ariel Dotti, perante o STF, em favor de paciente (ex-político) acusado de acidente automobilístico que resultou em morte e que responde por crime doloso contra vida, o Ministro Gilmar Mendes, relator, entendeu por bem afetar a discussão ao Plenário da Corte. A tese em debate versa sobre o prosseguimento dos processos de competência do Tribunal do Júri na pendência de recursos que impugnem a sentença de pronúncia.

Antes, a liminar no citado writ tinha sido deferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da presidência do STF, para que o processo em primeiro grau aguardasse a preclusão da discussão das teses defensivas contra a pronúncia.

No caso supracitado, o paciente encontra-se solto.

Ontem, 11 de outubro de 2016, dirigi-me à tribuna da 2ª Turma do STF para discutir tema assemelhado, com uma diferença. O assistido da DPU está preso há mais de 5 anos, desde agosto de 2011. O recurso especial interposto por ele perante o STJ está na Corte Superior desde outubro de 2014, há 2 anos, portanto. Trata-se do HC 134.900, também de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Sou crítico com relação às minhas sustentações orais, independentemente do resultado. Os colegas que convivem comigo podem confirmar isso. Quando acho que fui bem, falo; quando não gostei do desempenho, me cobro muito. A sustentação de ontem foi ótima, modéstia às favas.

Invoquei o ocorrido no HC mencionado no início do texto, bem como as consequências da decisão do STF nas ADCs 43/44 (execução provisória da pena) em relação às cautelares, para justificar que o novo entendimento da Corte esvazia o medo de que a demora no trânsito em julgado possa gerar sensação de impunidade (não estou a concordar com o resultado, apenas partindo do que estabelecido). Chamei a atenção ainda para prisões cautelares de anos em processos que resultaram em absolvição – tinha um exemplo lamentável e recente.

No caso do HC 134.900, impetrado pela DPU, o objetivo era obter a liberdade do paciente, que, como já mencionado, aguarda seu julgamento, preso, há mais de 5 anos (o processo na origem encontra-se parado). No caso, não há sequer pena provisória para se executar, uma vez que nem mesmo foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

A ordem foi denegada quanto à colocação em liberdade do paciente. Determinou-se que o STJ aprecie rapidamente o recurso especial lá interposto, bem como que o Juízo de primeiro grau tome as providências necessárias à realização do Júri. Volto a dizer, o relator do habeas corpus impetrado pela DPU é o mesmo do paradigma e o Ministro Ricardo Lewandowski, que concedera a liminar neste, estava presente à sessão.

Curioso. A liminar no HC 132.512, afetado ao Plenário, foi justamente no sentido contrário, para deter o andamento da ação penal na origem. Pelo que eu sei, neste caso o paciente encontra-se solto.

A decisão tomada pelo STF no HC 134.900, impetrado pela DPU, pareceu-me um reconhecimento da prisão exacerbada, com a fuga pela tangente de se determinar o prosseguimento do feito. Em outras palavras, há um excesso na prisão, mas como o crime é grave, buscaremos uma decisão “salomônica” para não soltar uma pessoa acusada de algo grave.

O problema é que o paciente do paradigma, também acusado de crime doloso contra a vida, está solto aguardando o dia em que o STF irá julgar seu habeas corpus e o STJ apreciará seu apelo especial. Se o Juízo de Primeiro Grau do assistido da DPU não precisa aguardar a conclusão da Corte Superior no recurso lá apresentado, por que o Juízo do paciente famoso precisa? Se alguém souber me explicar a diferença, agradecerei imensamente.

A mudança é de mentalidade. Não digam que o pobre não tem defesa. Nem que eu quisesse conseguiria achar caso tão semelhantes com desfechos tão distintos.

Brasília, 12 de outubro de 2016

 

 

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

Ponderações sobre o cabimento de habeas corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Gerou muita discussão a decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli, do STF, na Reclamação 24.506 através da qual ele concedeu habeas corpus de ofício ao ex-Ministro Paulo Bernardo.

Houve manifestações contrárias e favoráveis ao decisum, da lavra de Juízes, Procuradores, Advogados.

De minha parte, penso que quando o Magistrado se depara com prisão que considera ilegal deve mesmo relaxá-la, não prorrogando o constrangimento. O grande problema, todavia, é a comparação da decisão proferida com o que ocorre na grande maioria dos feitos, situação fomentadora da polêmica.

O que percebo enquanto Defensor Público Federal, com militância de anos perante o Supremo Tribunal Federal, é que a Corte tem sido cada vez mais restritiva quanto ao cabimento do remédio heroico.

Vou me dispensar de colacionar vários precedentes, mas o STF não tem admitido HC contra decisão monocrática da instância anterior (HC 119.115), a depender da Turma não admite HC originário quando cabível o recurso ordinário em habeas corpus (HC 120.027), a mesma Turma tem exigido o RE contra o RHC, afastando nova impetração (HC 130.916) e, recentemente, começou a discutir a análise de ofício do mérito dos habeas corpus não conhecidos (HC 134.320):

“HC de ofício

Durante a sessão, os ministros chegaram a cogitar a possibilidade de mudar a jurisprudência da Corte para passar a aceitar ou negar Habeas Corpus de ofício.

Essa questão é frequente na Turma: Se pela Súmula a Corte não poderia nem conhecer do recurso, por que os ministros acabam analisando o mérito do pedido?

O presidente da 1ª Turma, Luís Roberto Barroso afirmou que não estava preparado para analisar a proposta na sessão desta terça-feira (28/6), mas prometeu levar a questão à Turma.” (fonte: <http://jota.uol.com.br/stf-mantem-prisao-preventiva-de-silval-barbosa-ex-governador-de-mato-grosso&gt;)

Um dos exemplos apontados acima indica que a Corte deixa ainda de apreciar parte das alegações em decorrência de supressão de instância (HC 120.027):

“ (…)4. Caracteriza-se indevida supressão de instância o enfrentamento de argumento não analisado pela instância a quo. 5. Habeas corpus não conhecido, revogando-se a liminar anteriormente deferida.” (HC 120027, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 17-02-2016 PUBLIC 18-02-2016)

Como se vê, há restrições cada vez maiores e mais limitadoras. Aqui calha perguntar se a análise de ofício faz o mesmo efeito que o conhecimento da impetração, pois em caso de resposta positiva fica completamente incompreensível e despicienda tal distinção; por outro lado, a resposta negativa torna ainda mais flagrante a restrição ao uso do remédio constitucional.

Por isso, sem adentrar no mérito da decisão, fico incomodado ao notar que a concessão tão célere e a admissão dos habeas corpus são infrequentes em um Tribunal cada vez mais restritivo. Desejo que tais limitações sejam repensadas em favor de todos e que o formalismo recue em defesa da celeridade e da liberdade.

Brasília, 4 de julho de 2016