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Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Irretroatividade da jurisprudência mais gravosa

Está sendo travada, no HC 192.757, em trâmite no STF, interessante discussão a respeito da irretroatividade de jurisprudência mais gravosa.

A questão específica é saber se o entendimento de que o acórdão que confirma a condenação interrompe a prescrição deve ser aplicado a processos julgados anteriormente à sua consolidação pelo Plenário do STF, ocorrido no julgamento do HC 176.473.

Em suma, no caso dos autos, tanto o Tribunal Regional Federal, quanto o STJ, entenderam ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, uma vez que o acórdão confirmatório da condenação não seria capaz de interromper a prescrição. No STJ, tal posicionamento foi mantido em decisão monocrática e em sede de agravo interno, sendo alterado posteriormente , quando o MPF opôs embargos dizendo que, naquele meio tempo, o STF tinha firmado entendimento distinto.

Levada à discussão ao STF, inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes denegou a ordem de habeas corpus (HC 192.757), mas, em seguida, em agravo defensivo, reconsiderou a decisão, afirmando que o entendimento mais gravoso não deveria retroagir.

A PGR, inconformada, interpôs novo agravo, ainda não julgado.

O tema é interessante, uma vez que, inequivocamente, a apreciação do processo se deu antes do julgamento do HC 176.473 pelo STF, que definiu o acórdão confirmatório de condenação como interruptivo da prescrição. Em resumo, quando julgado o tema de fundo, o STJ tinha seu próprio entendimento, aplicando-o ao caso.

A retroatividade de entendimento jurisprudencial mais gravoso é indevida, principalmente com o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes para se rediscutir causa decidida.

A leitura das decisões e do agravo interposto por mim pode ser interessante.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 27 de maio de 2022

Boletim nº 5 da AASTF – 2019-2020

Boletim nº 5 da AASTF – 2019-2020

Segue, em anexo, o Boletim Informativo nº 5, de 2019-2020, da Assessoria de Atuação no STF, contendo os principais julgados do Supremo Tribunal Federal de outubro de 2019 a maio de 2020, de interesse da Defensoria Pública da União.

A maioria dos processos contou com a atuação da DPU como procuradora de alguma das partes ou, ainda, na condição de amicus curiae.

A ideia, o desenvolvimento e a confecção do material ficaram a cargo da Dra. Tatiana Bianchini, que além dos próprios processos, recolheu sugestões junto aos demais membros da AASTF, bem como pesquisou outros temas de interesse da DPU.

Brasília, 14 de maio de 2020

Gustavo de Almeida Ribeiro
Coordenador da AASTF

5º Boletim AASTF – 2019-2020

Boletim nº 4 da AASTF – 2019

Boletim nº 4 da AASTF – 2019

Segue, em anexo, o Boletim Informativo nº 4, de 2019, da Assessoria de Atuação no STF, contendo os principais julgados do Supremo Tribunal Federal de maio a novembro de 2019, de interesse da Defensoria Pública da União.

A maioria dos processos contou com a atuação da DPU como procuradora de alguma das partes ou, ainda, na condição de amicus curiae.

A ideia, o desenvolvimento e a confecção do material ficaram a cargo da Dra. Tatiana Bianchini, que além dos próprios processos, recolheu sugestões junto aos demais membros da AASTF, bem como pesquisou outros temas de interesse da DPU.

Brasília, 29 de novembro de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro
Coordenador da AASTF

4º Boletim AASTF – 2019

Mudança jurisprudencial e revisão criminal

Mudança jurisprudencial e revisão criminal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do STF decidiu, ao julgar o agravo interno no HC 153805, reafirmando entendimento que já prevalecia, reconheço, que mudança na jurisprudência não dá ensejo à revisão criminal.

Calha transcrever a ementa:

 

“EMENTA Agravo regimental em habeas corpus. Processual Penal. Pedido de revisão criminal em razão de mudança jurisprudencial. Inadmissibilidade. Precedentes. Regimental não provido. 1. ”A inadmissão da Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (inclusive incidenter tantum), é historicamente assentada por esta Corte (RE 113601, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12/06/1987; RvC 4645, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 01/04/1982)” (RvC nº 5.457/SP-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 11/10/17). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (HC 153805 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 16-10-2018 PUBLIC 17-10-2018)

 

Foram enumeradas duas situações excepcionais em que a revisão seria possível: a abolitio criminis, que, em meu sentir, sequer poderia ser considerada mudança jurisprudencial, mas mera retroatividade de lei penal mais benéfica, e a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais.

Todavia, penso que questões de natureza eminentemente jurídicas, em que as circunstâncias fáticas tenham pouca ou nenhuma interferência para distinguir um caso de outro, deveriam também permitir a utilização da revisão criminal.

Tenho um exemplo surgido da minha atividade profissional que demonstra de forma clara como o entendimento prevalecente no STF pode gerar decisões discrepantes.

A Lei de Drogas prevê, em seu artigo 40, III, aumento de pena para aquele que praticar tráfico em transporte público.

Houve um tempo em que os tribunais entendiam que a mera utilização do transporte público para deslocamento, ainda que sem qualquer oferta de venda durante o trajeto, ou sem exposição da mercadoria, bastaria para a incidência da mencionada majorante:

 

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE PÚBLICO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. NATUREZA. PROGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. PREJUÍZO À IMPETRAÇÃO, NO PONTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A utilização do transporte público como meio para a prática do tráfico de drogas é suficiente para o reconhecimento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, porque a majorante é de natureza objetiva e aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator. Precedente. 2. O Plenário do Supremo Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade da vedação contida nos art. 33, § 4º, e 44 da Lei 11.343/06, não admitindo seja subtraído do julgador a possibilidade de promover a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos quando presentes os requisitos inseridos no art. 44 do Código Penal. 3. A progressão de regime já deferida à Paciente torna prejudicada, no ponto, a impetração. 4. Ordem parcialmente concedida, prejudicado o pedido de progressão de regime.” (HC 109411, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011) grifo nosso

 

Posteriormente, os tribunais alteraram seu entendimento para que a mencionada causa de aumento só fosse aplicada quando o acusado se utilizasse da aglomeração gerada pelo transporte público para vender sua droga, ficando afastado o mencionado inciso III, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a pessoa apenas fizesse uso do transporte para seu deslocamento, sem qualquer oferta aos demais usuários do serviço:

 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI DE DROGAS (TRANSPORTE PÚBLICO). NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO. VIABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. 2. O acórdão impugnado restabeleceu o regime inicial fechado imposto pelo magistrado de primeiro grau em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis do art. 59 do CP (quantidade de droga). Assim, não há razão para reformar a decisão, já que, na linha de precedentes desta Corte, os fundamentos utilizados são idôneos para impedir a fixação de um regime prisional mais brando do que o fixado no acórdão atacado. 3. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal (= pena não superior a 4 anos), as instâncias ordinárias concluíram que a conversão da pena não se revela adequada ao caso, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (= quantidade da droga apreendida). Precedentes. 4. Ordem concedida, em parte, apenas para afastar a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006.” (HC 119811, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-2014) grifo nosso

 

A mudança apontada acima, quanto à causa de aumento, tema que não exige qualquer dilação probatória mais aprofundada e que não encontra obstáculos em pormenores fáticos, parece demonstrar que não há qualquer sentido em se afastar a possibilidade de ajuizamento de revisão criminal em razão da invocação de jurisprudência vetusta, que merece nova reflexão das Cortes.

O entendimento, tal como mantido, ocasiona grande insegurança e sensação de injustiça entre os jurisdicionados, que, ao contrário do que possa parecer, mesmo na seara penal, acompanham atentamente seus processos e resultados.

Uma comparação singela deixa ainda mais flagrante as consequências da mudança jurisprudencial e da vedação da revisão criminal:

a – Mévio foi flagrado em um ônibus com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público em 1/6, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos e 6 meses

b – Tício foi flagrado em um ônibus no mesmo dia que Mévio com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Todavia, seu processo teve tramitação mais longa por circunstâncias do acaso. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público não incidente, segundo o novo entendimento, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos

Os exemplos acima, com penas baixas, já demonstram como situações extremamente próximas teriam deslinde distinto em área sensível como a privação da liberdade.

Por isso, embora conhecedor do entendimento do STF, reiterado no julgamento do agravo no HC 153805, dele respeitosamente discordo, acrescendo às duas possibilidades de revisão criminal apresentadas na ementa a mudança jurisprudencial em que o novo paradigma adotado puder ser facilmente comparado com o caso que será submetido à revisão.

Brasília, 6 de novembro de 2018

Alteração jurisprudencial e segurança jurídica

Alteração jurisprudencial e segurança jurídica

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Mudanças inopinadas em entendimentos jurisprudenciais são situações que têm ocorrido com alguma frequência no Supremo Tribunal Federal, atingindo, em meu sentir, a segurança jurídica.

Claro, a situação fica piorada pelo fato de que todas as alterações recentes são por modelos mais restritivos em termos penais e processuais penais, mas, mesmo em termos do estudo do Direito em si, penso ser a instabilidade bastante temerária.

Indiscutivelmente, os julgadores, os entendimentos, a sociedade, mudam. Todavia, tais alterações têm sido muito rápidas e, por vezes, sem respeitar processos já em andamento que acabam colhidos pela mudança entre a apreciação da liminar e o julgamento definitivo, por exemplo.

O HC 123199 encontra-se exatamente nessa situação. Em julho de 2014, o Ministro Roberto Barroso, relator, deferiu a liminar para suspender a execução da pena imposta ao paciente, condenado por furto simples tentado de canos de PVC, a 6 (seis) meses de detenção. Com a crescente restrição da Corte quanto à aplicação do princípio da insignificância, o Ministro relator, de forma monocrática, denegou a ordem, em novembro de 2016, baseando-se, para tanto, no novo entendimento do STF quanto ao delito de bagatela em caso de contumácia delitiva.

Reitero para simplificar: pena imposta: 6 (seis) meses; interregno entre a liminar concedida e a ordem denegada 1 (um) ano e 5 (cinco) meses.

Como fica a segurança jurídica no caso em exame? O Ministro relator, ao examinar a liminar, concedeu a medida, situação excepcional, por entender que estavam presentes os requisitos exigidos. Tempos depois, com situação completamente consolidada, em crime de bagatela, o paciente volta a ter contra si uma pena executável?

Em minha opinião, em casos como o apresentado acima (comuns, informo), deve prevalecer a segurança jurídica, aplicando-se a jurisprudência dominante quando da concessão da liminar ou do ajuizamento. Invoco outro exemplo corriqueiro. Foram muitos os habeas corpus não conhecidos quando o STF passou a exigir sua impetração em face de decisão colegiada, o que não acontecia até poucos anos. Deveriam ter sido admitidos aqueles ajuizados antes da mudança e imposta a nova restrição apenas aos que sobreviessem após a alteração no entendimento.

Lembro-me que cheguei a sustentar questão atinente à mudança jurisprudencial certa vez, não obtendo êxito, contudo – vide HC 114462, julgado e denegado pela 2ª Turma do STF, em 11/03/2014, cujo trecho de um dos votos vencidos, proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, transcrevo abaixo:

 

“Mas a mim, impressionou-me o segundo argumento trazido da tribuna, que é o argumento da segurança jurídica, que vai levar… Quer dizer, liminar concedida em 2012, agosto de 2012; um crime de furto tentado simples; duas tábuas, parece-me. E, aí, o dado objetivo é inequívoco, como o próprio Relator reconhece.

Eu tenho uma enorme dificuldade de vencer esse argumento. E, não podendo avançar além, não podendo deixar de levar em conta a configuração concreta do caso para conceder a ordem, tendo em vista exatamente a chamada proporcionalidade em sentido concreto de que fala o Procurador, de fato, vamos estar, aqui, permitindo que esse processo prossiga, muito provavelmente, para que não se aplique a pena, sem que haja nenhuma utilidade.”

 

De qualquer modo, ainda que em termos de competência ou de matéria eleitoral, o STF já esposou entendimento que penso ser o mais consentâneo com a segurança jurídica. O raciocínio apresentado nos julgados cujas ementas colaciono abaixo pode ser aplicado em qualquer matéria. Segurança jurídica é essencial. Confere estabilidade, evita surpresas e minimiza as injustiças.

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I. REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO.

(…)

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: (1) resolver o caso concreto no sentido de que a decisão do TSE no RESPE 41.980-06, apesar de ter entendido corretamente que é inelegível para o cargo de Prefeito o cidadão que exerceu por dois mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em Município diverso, não pode incidir sobre o diploma regularmente concedido ao recorrente, vencedor das eleições de 2008 para Prefeito do Município de Valença-RJ; (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.” (RE 637485, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-095 DIVULG 20-05-2013 PUBLIC 21-05-2013) grifo nosso

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa –, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.” (CC 7204, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58) grifo nosso

 Brasília, 6 de dezembro de 2016

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

Discussões/decisões interessantes do STF em matéria penal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Apresento, abaixo, algumas discussões interessantes em matéria penal ocorridas no STF em feitos patrocinados pela Defensoria Pública da União:

 

HC 128.299 – tema furto de codornas e insignificância – ordem concedida pela 2ª Turma do STF, por maioria – quando a Corte Italiana reconheceu o furto famélico isso foi notícia internacional – transcrevo, a seguir, a ementa:

“Habeas corpus. 2. Furto simples de codornas avaliadas em R$ 62,50. Condenação à pena de 1 ano de reclusão. 3. Réu, à época da condenação, primário. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para restabelecer o acórdão do TJ/MS que aplicava o princípio da insignificância. (HC 128299, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 19-04-2016 PUBLIC 20-04-2016)”

 

HC 131.918 – a já conhecida, porém repetida situação em que a quantidade e a natureza da droga são utilizadas duas vezes para se majorar a pena, na primeira e na terceira fases da dosimetria:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS E DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE REEXAME. ORDEM CONCEDIDA. 1. A natureza e a quantidade do entorpecente foram utilizadas na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em um sexto. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, em caso de tráfico de entorpecente. Precedentes. 3. Ordem concedida para determinar a redução da pena imposta ao Paciente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços, e, de ofício, considerada a nova pena a ser imposta, o reexame dos requisitos para a a) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e b) fixação do regime prisional. (HC 131918, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)”

Quanto ao tema, é interessante observar que há repercussão geral reconhecida no sentido acima adotado, firmado, aliás, pelo Plenário do STF no HC 112776, impetrado pela DPU. Refiro-me ao RE 666.334:

“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência. (ARE 666334 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014 )”

 

HC 130.952 – discussão muito interessante: pode o furto qualificado ter sua pena aumentada pelo repouso noturno? – o julgamento foi iniciado dia 03/05/2016, pela 2ª Turma do STF – claro, a tese da DPU é que a majorante do repouso noturno só incide sobre o furto simples, enquanto no feito em tela o aumento deu-se na conduta qualificada :

“Decisão: Após o voto do Ministro Relator, que denegava a ordem, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Teori Zavascki. Falou, pelo paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 3.5.2016.”

 

Brasília, 8 de maio de 2016

Atualizações recentes da jurisprudência do STF pertinentes à atuação da Defensoria Pública

Atualizações recentes da jurisprudência do STF pertinentes à atuação da Defensoria Pública

 

Há alguns meses, divulguei resumo com os entendimentos adotados pelo STF em diversas matérias de Direito Penal (texto “Breve Resumo”, publicado em 7 de julho de 2015). Apresento abaixo algumas atualizações a partir de julgados ocorridos ou acórdãos publicados no 2º semestre de 2015:

 

Perda de objeto do habeas corpus pela superveniência de nova decisão penal capaz de gerar novo título prisional

 

caso a nova decisão não traga fundamento diverso para justificar a prisão cautelar, o habeas corpus não resta prejudicado (HC 119183, TZ, 2ªT, favorável; HC 104954, MA>RW, 1ªT, desfavorável) – como regra, prevalece o prejuízo do habeas corpus com a superveniência de novo título, entretanto, a 2ª Turma por vezes afasta tal entendimento quando a decisão posterior não invoca nenhum fundamento novo para justificar a constrição cautelar

*precedente importante: no julgamento do HC 128278, pela 2ª Turma do STF, impetrado em favor de investigado na chamada operação Lava-jato, o STF superou a alegação de perda superveniente de objeto por novo título prisional e enfrentou o mérito do writ – observação: muitas vezes obtínhamos o mesmo resultado, mas o entendimento firmado em caso com repercussão é sempre importante

 

Penal militar*

 

*atualização: c. consideração do período em que o condenado cumpriu os requisitos do sursis para a obtenção do indulto – denegado por ambas as Turmas, vencidos, na 1ª, o Min. Marco Aurélio (RHC 128515) e na 2ª os Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes (HCs 123827, 129209, 123698) – entendeu-se que o período em que o apenado esteve em gozo da suspensão condicional da pena não pode ser considerado como efetivo cumprimento da pena

 

Maus antecedentes e inquéritos e ações penais em andamento

 

matéria consolidada no RE 591054, com repercussão geral reconhecida, no sentido de se afastar a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Participação da DPU no julgamento do RE na condição de amicus curiae

*atualização: no julgamento do HC 94620, o STF sinalizou que pode mudar esse entendimento, embora tenha concedido a ordem

 

Limitação de 5 anos como período depurador para a consideração de maus antecedentes

 

a jurisprudência do STF parece caminhar para a consolidação no sentido de que passados 5 anos do cumprimento ou extinção da pena, a condenação anterior não mais pode ser invocada como maus antecedentes (HC 119200, DT, 1ªT) – em julgamento o HC 126315, relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T, com 2 votos favoráveis, dele e do Ministro Dias Toffoli e pedido de vista da Min. Cármen Lúcia – o Min. Celso de Mello proferiu decisão monocrática recentemente acolhendo a tese (HC 123189)

*atualização: o habeas corpus 126315 versando sobre o tema foi concedido recentemente pela 2ª Turma do STF, o que parece fortalecer ainda mais a consolidação do tema – a leitura do acórdão é válida, chegando a tratar do direito ao esquecimento – a matéria ainda pende de apreciação pelo Plenário do STF em sede de repercussão geral

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 15 de dezembro de 2015

Não é só mais um processo

Não é só mais um processo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como Defensor Público, atuo em dezenas de habeas corpus versando sobre um mesmo tema perante o Supremo Tribunal Federal.

Muitas vezes, a jurisprudência conflitante entre as Turmas ou a relevância do assunto faz com que um processo paradigma seja afetado ao Plenário para a pacificação da controvérsia. Em outras tantas, a Turma interrompe por mais de uma vez o julgamento para decidir questão inusitada, decorrente justamente da maior presença da Defensoria Pública, visto que alguns aspectos do Direito Penal tem ligação quase que exclusiva com os atendidos pela Instituição.

Entretanto, o que ultrapassa meu entendimento, com a devida licença, é a razão pela qual os Ministros, de forma monocrática, continuam julgando processos com temas polêmicos afetados ao Plenário e que apenas começaram a ser julgados, sem qualquer indício de formação de corrente majoritária ou que ainda estão pendentes de apreciação na própria Turma. Pior, inúmeras vezes, mesmo com a interposição do agravo e a demonstração clara de que o tema não está definido, a decisão monocrática é mantida incólume.

Poderia mencionar alguns casos em que vi tal situação ocorrer, mas, em razão de ser um tema que muito me incomoda e que está prestes a ser retomado pelo Pleno do STF, focarei meus comentários na aplicação do princípio da insignificância no crime de furto.

A Corte caminhou, em tempo recente, no sentido da limitação da aplicação do instituto, principalmente a 2ª Turma, bem mais favorável à tese até poucos anos atrás.

Atualmente, passou a limitar a aceitação do crime de bagatela sensivelmente, afastando o princípio quando o paciente do habeas corpus responde a outros processos ou tenha incidido no furto qualquer qualificadora.

Não tecerei linhas e linhas de texto discorrendo sobre a insignificância e a exclusão da tipicidade material, limitando-me a dizer que se determinado fato é atípico, não se torna típico a depender de quem o praticou – o que seria uma perigosa aproximação com o direito penal do autor. Da mesma forma, a subtração de um pacote de biscoitos em um supermercado não passa a ter relevância penal por ter sido praticada por duas pessoas, circunstância qualificadora. Pretendo, quem sabe, retornar a essas ponderações em outra oportunidade.

Antecipadamente, afirmo que não guardo muitas esperanças no julgamento dos 3 habeas corpus sobre a matéria afetados ao Plenário do STF (HC 123108, HC 123734 e HC 123533).

Contudo, enquanto a questão não for definida pelo colegiado maior, parece-me extremamente contraditório, para não dizer capaz de gerar insegurança jurídica, que Ministros apreciem o tema de forma monocrática ou, no máximo, levando processos à Turma pela via do agravo interno.

O julgamento dos habeas corpus pelo Pleno do STF foi iniciado em 10 de dezembro de 2014. Se o tema fosse simples, de fácil decisão, incapaz de gerar maiores reflexões, ele já teria sido encerrado em qualquer metade de sessão. Ao contrário, já foi pautado após seu início e retirado, em clara indicação de que se trata de assunto árduo.

O principal argumento invocado para se negar provimento aos agravos regimentais por mim manejados contra as decisões monocráticas foi a jurisprudência atual da Corte, restritiva, como mencionei acima (vide, como exemplo, os habeas corpus 126618, 126523 e 126273, apreciados em agravo pela 2ª Turma). Reitero a pergunta: por que então afetar a matéria ao Pleno e demorar tanto a julgá-la? Se a linha já está definida, não se explica o atraso, se é controvertida, menos ainda se justificam as decisões monocráticas.

Nem se diga que, após o julgamento do Plenário, novos habeas corpus poderão ser ajuizados em favor dos pacientes a depender do resultado, mesmo que se admita repetição de impetração com o mesmo tema – não pretendo discutir essa possibilidade agora – o fato é que cumprida a pena, o dano está feito, consolidado, principalmente porque, muitas das vezes, ainda que por pouco tempo, tais processos geram, sim, pena de prisão.

Por isso, embora louve a tentativa do STF em reduzir e dar andamento célere aos feitos, entendo que julgar de forma monocrática, e, pior, para denegar a ordem, habeas corpus cujo tema de fundo ainda está a merecer muita discussão por parte do colegiado não parece a melhor solução.

Se o Ministro Relator deseja julgar os habeas corpus a ele distribuídos, evitando um passivo desmedido, que ao menos reconheça quando o mérito estiver longe de ser pacificado e o leve à Turma, possibilitando inclusive a sustentação oral. Meus anos de prática perante a Suprema Corte me ensinaram inequivocamente que o julgamento do writ em si é diferente do mero agravo regimental, além de possibilitar a manifestação oral.

Cada caso, cada processo representa uma vida, uma pessoa, muitas vezes acusada e condenada por furto de coisas de ínfimo valor, mas que ficará estigmatizada e será, quem sabe, encarcerada para que possa graduar-se na escola do crime.

A Defensoria Pública tem essa função precípua, questionar o que ninguém mais faria, em favor de pessoas praticamente invisíveis em nossa sociedade. As vidas importam mais que os números.

Brasília, 23 de julho de 2015

 

 

 

Breve resumo

Breve resumo

Gustavo de Almeida Ribeiro

Há aproximadamente um mês e meio fiz um resumo dos principais temas em Direito Penal e Processual Penal levados pela DPU ao STF.

Publico-o agora em meu blog para ajudar quem tem interesse na carreira de Defensor Público.

Brasília, 6 de julho de 2015

 

Matérias mais frequentes no STF decorrentes do trabalho da DPU

 

Insignificância – aspectos gerais

furto – (HC 114723, TZ, 2ªT) – matéria decidida caso a caso, mas cada vez vista de forma mais restritiva

questão da reiteração e do furto qualificado pendentes de apreciação pelo Plenário do STF (HCs 123734 e 123108, RB, julgamento iniciado)

descaminho – diferenciar do contrabando e limite de R$ 20.000,00 no STF (no STJ o limite é R$ 10.000,00) (descaminho HC 126191, DT, 1ªT, favorável – contrabando HC 122029, RL 2ªT, denegado) – a questão da comprovação dos valores subtraídos aos cofres públicos ainda gera controvérsia

uso de droga por militar (HC 103684, AB, Plenário, denegado) – pacificado

contra o meio ambiente (HC 112563, RL>CP, 2ªT, favorável) – RHC 125566, DT, 2ªT, entra e sai da pauta: indício de tema polêmico

contra a administração (HC 107638, CL, 1ªT, favorável) – admitido, mas de forma excepcional – curioso observar que o citado precedente teve como paciente militar

moeda falsa (HC 111266, RL 2ª, denegado) pacificado no sentido no não cabimento da insignificância no crime de moeda falsa

Liberdade provisória

falta de fundamentação (HC 125827, RW, 1ªT; HC 114932, MA, 1ºT; HC 112487, CM, 2ªT – prisão e deserção) – matéria decidida caso a caso – enfrentamos algumas dificuldades decorrentes da condição econômica e/ou da nacionalidade dos nossos assistidos

Tráfico

liberdade provisória (RHC 123871, RW, 1ªT; HC 110844, AB, 2ªT, ambos favoráveis) pacificada a possibilidade, segundo precedente do Plenário do STF, HC 104339, GM

substituição de pena (HC 97256, AB, Plenário, concedido) pacificada a possibilidade

regime inicial mais brando que o fechado em crimes hediondos (HC 111840, DT, Plenário, DPE/ES) pacificada a possibilidade

causas de aumento e diminuição:

  1. transporte público (HC 120624, CL>RL, 2ªT, concedido) pacificado que o mero uso não configura a causa de aumento;
  2. redutora do §4º do artigo 33 (HC 123534, CL, 2ªT, concedido) decidido caso a caso, mas com boa aceitação no STF quando não há fundamentação adequada para afastá-la;
  3. dupla utilização da quantidade de droga em duas fases da dosimetria para aumentar a pena (HC 112776, TZ, Plenário, parcialmente concedido) – tema pacificado no sentido de se vedar a dupla invocação da quantidade de droga, que, entretanto, pode ser utilizada na primeira ou terceira fase da dosagem da pena
  4. internacionalidade e interestadualidade (HC 115893, RL, 2ªT, denegado) matéria bastante pacificada no sentido de se dispensar a ultrapassagem do limite do Estado/País para a configuração da causa de aumento (há um caso pendente de julgamento na 1ªT, HC 122791, vista ao Min. Luiz Fux)
  5. como regra, mula não é integrante de organização criminosa (HC 124107, DT, 1ªT, favorável) – também situação a se verificar caso a caso, mas prevalece o entendimento de que não integra – alguns elementos fáticos, entretanto, podem indicar o contrário (incontáveis carimbos de entrada em diversos países em passaportes de quem se declara pobre, por exemplo).

 Dosimetria de pena e discussão na via do habeas corpus

admitida a discussão, mas em caso de flagrante excesso na fixação da pena (RHC 122469, CM, 2ªT)

Reformatio in pejus – questão atual

enfrentamento da reformatio in pejus (HC 103310, TZ>GM, 2ªT, HC 123251, GM, 2ªT, favoráveis; contrário RHC 123115, GM, 2ªT questão da fundamentação da constrição cautelar não invocada expressamente na sentença, mas supostamente constante da decisão e utilizada pelo Tribunal em recurso exclusivo da defesa)

Estelionato previdenciário

instantâneo para o servidor do INSS, permanente para recebedor do benefício (RHC 107209, DT, 1ªT) tema pacificado

Possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal com a aplicação de circunstância atenuante

 tema pacificado no STF contrariamente ao entendimento da Defensoria para se vedar a aplicação da atenuante caso a pena-base já esteja fixada no mínimo legal (RE 597270, CP, Plenário) – pessoalmente, não me lembro de sequer um voto favorável em qualquer dos nossos incontáveis feitos sobre o tema

Perda de objeto do habeas corpus pela superveniência de nova decisão penal capaz de gerar novo título prisional

 caso a nova decisão não traga fundamento diverso para justificar a prisão cautelar, o habeas corpus não resta prejudicado (HC 119183, TZ, 2ªT, favorável; HC 104954, MA>RW, 1ªT, desfavorável) – como regra, prevalece o prejuízo do habeas corpus com a superveniência de novo título, entretanto, a 2ª Turma por vezes afasta tal entendimento quando a decisão posterior não invoca nenhum fundamento novo para justificar a constrição cautelar

Penal militar*

a. insignificância (HC 107638, CL, 1ªT – peculato-furto, favorável) cada vez menos aceito em favor do militar em qualquer crime

b. competência

b1.carteira de aquaviário(CIR) – a insistência do STM gerou a SV 36 quanto à competência da Justiça Federal comum para julgar a falsificação de carteira de aquaviário

b2. estelionato/furto entre colegas fora de serviço (RHC 123660, CL, 2ªT) prevalece a incompetência da Justiça Militar

b3. falsificação de documentos atinentes às Forças Armadas para a obtenção de empréstimos junto a instituições bancárias (HC 110038, MA, 1ªT, favorável; HC 110249, TZ, 2ªT, desfavorável – o mais bizarro deste caso: um dos pacientes dos dois habeas corpus é o mesmo) – em meu entender, clara insegurança jurídica

b4. competência para julgar civis quando os militares estão em atividade de policiamento (HC 112936, CM, 2ªT, favorável; HC 113128, RB, 1ªT, contrário) – matéria afetada ao Plenário HC 112848, RL

interrogatório ao final da instrução – essa matéria precisa ser novamente afetada ao Plenário do STF por completa divergência das Turmas (HC 121907, DT, 1ªT, favorável; HC 122673, CL, 2ª Turma, desfavorável) – o Min. Dias Toffoli removeu-se para a 2ª Turma recentemente levando seu entendimento favorável à tese, vide liminar concedida no HC 127900 – atualização: o HC 123228 inicialmente afetado ao Pleno do STF sobre o tema continha uma questão processual prejudicial que impediu a análise do mérito da questão

* certamente é a matéria que mais gera insegurança jurídica

Nulidades

 exigência de prova de prejuízo que praticamente torna impossível o reconhecimento de nulidade (vide, nesse sentido, RHC 106461, GM, 2ªT) – o Ministro Marco Aurélio, isoladamente, tem entendimento mais favorável sobre o tema, reconhecendo configurado o prejuízo quando há falhas no curso do processo e sobrevém condenação (vide voto vencido proferido no HC 98434, CL, 1ªT)

Maus antecedentes e inquéritos e ações penais em andamento

 matéria consolidada no RE 591054, com repercussão geral reconhecida, no sentido de se afastar a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Participação da DPU no julgamento do RE na condição de amicus curiae

Limitação de 5 anos como período depurador para a consideração de maus antecedentes

 a jurisprudência do STF parece caminhar para a consolidação no sentido de que passados 5 anos do cumprimento ou extinção da pena, a condenação anterior não mais pode ser invocada como maus antecedentes (HC 119200, DT, 1ªT) – em julgamento o HC 126315, relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T, com 2 votos favoráveis, dele e do Ministro Dias Toffoli e pedido de vista da Min. Cármen Lúcia – o Min. Celso de Mello proferiu decisão monocrática recentemente acolhendo a tese (HC 123189)

Compensação da atenuante confissão com a agravante reincidência

 embora exista um precedente isolado do Min. Ayres Britto acatando a tese (HC 101909, AB, 2ªT), hoje é completamente pacifico no STF que a reincidência prepondera (HC 105543, RB, 1ªT; HC 112774, RL, 2ªT, ambos desfavoráveis)

situação pouco comum em que o STJ tem entendimento mais favorável que o STF: EREsp 1.154.752 e REsp 1.341.370

Cabimento de habeas corpus 

a. as duas Turmas do STF atualmente restringem a aceitação do habeas corpus voltado contra decisão monocrática de Tribunal Superior (HC 119943, DT, 1ªT; HC 119115, RL, 2ªT) – salvo, claro, situações de flagrante ilegalidade

b. a 1ª Turma do STF exige a interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão em habeas corpus, refutando o HC substitutivo (HC 114512, RW, 1ªT) – a 2ª Turma, como regra, é menos rigorosa quanto a isso

c. para a 1ª Turma, contra acórdão em recurso ordinário em habeas corpus só caberia recurso extraordinário e não HC originário (HC 119927, LF, 1ªT) – aqui também, como regra, a 2ª Turma é menos rigorosa

em nosso favor, contrários à exigência da interposição de recurso ordinário: HC 111074, CM, 2ªT; 110270, GM, 2ªT e contra a exigência do recurso extraordinário: RHC 117138, RL, 2ªT