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Não vale tudo.

*Não vale tudo.

Vou aproveitar a discussão surgida nas redes a respeito do ingresso não autorizado em domicílio por parte da polícia, justificada na busca de drogas para compartilhar agravo por mim interposto em habeas corpus impetrado pela DPU perante o STF.

No caso, o assistido, nitidamente, apanhou da polícia, situação reconhecida durante a audiência de custódia, mas, mesmo assim, foi condenado em primeiro grau.

Em sede recursal, o Tribunal Regional Federal da 3ª absolveu o acusado, condenação restabelecida pelo STJ, em recurso do MPF.

Impetrado HC no STF, o Min. Nunes Marques denegou a ordem. Interpus agravo, que está sendo desprovido por 3 a 0 (Ministros Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça), mas com julgamento suspenso por pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.

Hoje, o placar já está em 4 a 1 pela denegação. Seguem peças do processo. Repito: discursos que não se amoldam à prática de nada servem.

Uma curiosidade interessante: quando a defesa perde nas instâncias ordinárias, a proximidade delas com os fatos e a vedação do revolvimento fático-probatório são sempre invocadas pelas Cortes de Brasília. Quando a defesa ganha nas instâncias ordinárias, sem problemas apreciar o recurso ministerial.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 18 de março de 2023

(atualizado em 07/04/2023)

Validade da busca pessoal

Validade da busca pessoal

Apresento abaixo a decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes em habeas corpus impetrado pela DPU.

Na verdade, a discussão era toda sobre dosimetria no tráfico, mas ele, de ofício, ingressou na discussão a respeito do tema validade da busca pessoal para conceder a ordem e declarar ilícitas as provas obtidas.

Vale a leitura.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 2 de março de 2023

Os velhos problemas do reconhecimento fotográfico

Os velhos problemas do reconhecimento fotográfico

O RHC 216248 em trâmite no STF chamou minha atenção.

Nele, a DPU defende uma pessoa que foi acusada de roubo, que teria sido praticado em concurso com mais um indivíduo.

Ao ser ouvida na polícia, a vítima aponta com segurança o outro acusado. Todavia, quanto ao segundo autor do fato, ele diz ser pessoa loira, entroncada e de pele clara, oportunidade em que a polícia apresenta uma foto do paciente do RHC 216248, um rapaz pardo, magro e de cabelo preto. Sem qualquer explicação aparente, a vítima, que antes indicara autor loiro e claro, reconhece o rapaz da fotografia e ele passa a ser acusado de roubo.

Duas perguntas são essenciais: por que a polícia apresenta foto de rapaz pardo após a vítima dizer que o autor do crime seria loiro, e por que a vítima, que dizia ser o ladrão loiro e de pele clara, reconhece um pardo de cabelos negros, segundo foto da própria polícia?

Infelizmente, o Min. Ricardo Lewandowski negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus que se encontra agora em fase de julgamento de agravo.

Aguardemos.

As peças seguem abaixo.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 3 de novembro de 2022

Acusado indefeso e nulidade

Acusado indefeso e nulidade

Foram várias as discussões sobre nulidades em processos penais ocorridas recentemente, em razão de casos com grande repercussão analisados pelos Tribunais de Brasília.

Penso que, havendo falha no processo que prejudique, de algum modo, o regular exercício da ampla defesa, a nulidade deve ser reconhecida, não importando o ponto em que se encontra o processo.

Todavia, as falhas devem ser apreciadas e reconhecidas em todos os feitos, consideradas as variações naturais existentes entre um processo cujo acusado é um cidadão pobre e aquele em que figura como réu pessoa abastada ou poderosa.

Apresento abaixo, excluídos os nomes dos envolvidos, agravo interno que interpus em face da decisão monocrática proferida pela Min. Rosa Weber no HC 166975.

Em meu sentir, no caso em questão, o acusado foi processado e julgado sem defesa, conforme se observa da peça.

Penso que a decisão monocrática da Ministra será mantida pela 1ª Turma do STF, restando indeferida a ordem. O julgamento virtual do agravo terá início dia 7 de maio de 2021 e não há chance de sustentação ou de retirada do sistema virtual.

É por isso que casos midiáticos não me impressionam. Vivo em outro mundo, no mundo dos anônimos.

Brasília, 4 de maio de 2021

Gustavo de Almeida Ribeiro

Coleta e produção de provas pelo juízo

Coleta e produção de provas pelo juízo

 

Comentei durante a semana o caso em que um juiz fez pesquisa sobre a vida de um acusado e juntou a documentação obtida aos autos sem, sequer, dar oportunidade às partes de se manifestarem sobre o material.

O tema gerou bastante interesse.

Colocarei no corpo do texto as alegações do agravo regimental interposto em face da decisão monocrática da Ministra Rosa Weber que negou seguimento ao habeas corpus (HC 157560/STF).

Em anexo, para consulta, disponibilizarei a mencionada decisão monocrática e o parecer da Procuradoria Regional da República da 4ª Região.

Brasília, 30 de janeiro de 2021

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

O presente agravo volta-se contra a r. decisão monocrática que negou seguimento ao habeas corpus, sob o fundamento de que inexistiria flagrante ilegalidade passível de correção, pois as provas coletadas de ofício pelo Juízo sentenciante não teriam sido utilizadas para apoiar o decreto condenatório.

Transcreve-se, abaixo, a ementa da r. decisão agravada:

“Habeas corpus. Crime de uso de documento falso. Condenação penal com trânsito em julgado. Não se conhece, em regra, de writ utilizado como sucedâneo de recurso ou de revisão criminal. Precedentes. Provas produzidas de ofício pelo magistrado sentenciante. Violação ao princípio do contraditório. Inocorrência. Elementos não utilizados para a formulação do juízo condenatório. Ausência de prejuízo. Princípio pas de nullité sans grief. Negativa de seguimento.” (grifo nosso)

Inicialmente, calha destacar aspecto incontroverso do caso em exame: o magistrado sentenciante, por iniciativa própria, realizou longa pesquisa a respeito do acusado, acostando farta documentação aos autos quando da prolação da sentença, sem dar às partes oportunidade de manifestação sobre o material por ele juntado.

A conduta do julgador, inequivocamente, ofendeu o sistema acusatório, o contraditório e a imparcialidade, conforme será amplamente demonstrado a seguir.

A sentença foi lançada no evento 211 do sistema da JFPR. Só de documentos, foram acostados pelo Magistrado sentenciante, além da sentença, 116 (cento e dezesseis) páginas. Nada pode indicar mais atividade investigativa e persecutória que isso.

Ninguém busca provas por mero acaso ou diletantismo. Busca com objetivo, com intenção, pelo que a imparcialidade já se mostra, da parte de quem tomou tal atitude, completamente abandonada.

Pior ainda, os documentos encontrados pelo Magistrado sequer foram submetidos à defesa para que sobre eles se manifestasse, pelo que o contraditório foi completamente vilipendiado.

 Processo penal não é vale tudo em busca da condenação e da prisão. Não cabe ao Magistrado substituir o Ministério Público e buscar dados que justifiquem a prisão ou a condenação do acusado. O absurdo é flagrante. As mudanças implementadas no Código de Processo Penal Brasileiro, desde a promulgação da Constituição de 1988, são todas no sentido de se afastar do sistema inquisitório em direção ao sistema acusatório, mais consentâneo com a imparcialidade do julgador e, portanto, com um processo mais justo e equilibrado.

 Não há controvérsia a respeito da conduta do Magistrado de Primeiro Grau. A discussão cinge-se a se sua busca por elementos desfavoráveis ao acusado deve gerar nulidade. Com a devida licença, é completamente inverossímil que alguém que tome tal atitude seja imparcial, não tenha objetivo claro. Não são esses o papel e a postura que se espera de um julgador.

Há mais. Reforça essa intenção o fato de que os documentos buscados sequer terem sido submetidos à defesa. O juízo produziu provas e julgou em seguida, sem ouvir ninguém.

 O Julgador, ao se utilizar de documentos coletados de ofício para embasar sua decisão (tanto pela condenação como pela prisão preventiva do recorrente), feriu claramente o artigo 155 do Código de Processo Penal, conforme se constata da simples leitura do dispositivo:

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.   

In casu, o juízo sentenciante procedeu à busca acerca da vida pregressa do acusado, mediante pesquisa a internet, utilizando para tanto palavras chaves como o nome do réu e de sua empresa, além de termos relacionados à licitação.

Não é preciso acreditar nas palavras da defesa para se chegar à conclusão de que a condenação deve ser anulada. Para tanto, basta a leitura do voto condutor da apelação na Corte Regional:

“Conforme já ressaltado, as provas coletadas unilateralmente pelo Juízo tinham como objetivo estancar suspeita de reiteração criminosa, elementos estes que foram utilizados essencialmente para fundamentar o decreto de prisão preventiva, constrição que restou mitigada pela concessão da ordem em habeas corpus.

Em que pese efetivamente haja referência em outros pontos da sentença acerca dos elementos coletados de ofício pelo juízo, especialmente nos tópicos referentes à capitulação e autoria delitiva, constata-se que foram utilizados em caráter meramente acessório aos demais elementos de prova já existentes nos autos, não se revestindo de dados principais a amparar a convicção do magistrado, razão pela qual não vislumbro elementos suficientes a configurar qualquer invalidade do decreto condenatório.” (grifo nosso)

O trecho acima, com a devida licença, é reconhecimento expresso de que o juiz se utilizou das provas por ele coletadas para condenar, além de decidir sobre a prisão preventiva, o que, frise-se, já seria grave o bastante.

Portanto, ao contrário do afirmado pela r. decisão agravada, o julgador usou o material coletado para aspectos relacionados à autoria delitiva, repisa-se:

“(…)efetivamente haja referência em outros pontos da sentença acerca dos elementos coletados de ofício pelo juízo, especialmente nos tópicos referentes à capitulação e autoria delitiva(…)

Ou seja, os elementos coletados de ofício foram usados para aspectos relacionados à autoria delitiva. A prova de prejuízo salta aos olhos.

Ademais, além de analisar provas produzidas de ofício, o Juízo sentenciante juntou tais provas em sentença sem que tenha concedido vista às partes. Em suma, procurou prova e sequer às submeteu às partes do processo. São erros graves, em sequência, que devem ser punidos com a nulidade.

O parecer exarado pela Procuradoria Regional da República também deixou clara a situação de nulidade encontrada nos autos, conforme se constata da leitura da ementa:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. DOCUMENTOS JUNTADOS DE OFÍCIO POR OCASIÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE.

  1. Tendo em vista que a sentença condenatória se utiliza, em prejuízo ao acusado, de provas não submetidas ao contraditório, a decisão deve ser anulada.
  2. O juiz que realiza, de ofício, investigação paralela para sustentar sentença condenatória, assume protagonismo persecutório incompatível com a necessária imparcialidade de julgador.

PARECER PELO PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO, PARA ANULAR A SENTENÇA CONDENATÓRIA.” (grifado no original)

 Sobre a suposta utilização do habeas corpus como revisão criminal, a gravidade do caso fala por si. O julgador buscou provas e as utilizou sem, sequer, ouvir as partes. A situação merecia até mesmo revisão de ofício.

Assim, deve ser provido o agravo, com a consequente concessão da ordem do habeas corpus, anulando a sentença proferida pela violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz imparcial.

Parecer MPF

Decisão monocrática HC 157560

O caso do impedimento – HC 136015/STF

O caso do impedimento – HC 136015/STF

 

Estava tentando mandar um pequeno vídeo falando do HC 136015/STF, sobre o qual comentei em meu Twitter, mas ainda tenho que descobrir como fazer isso neste site.

De todo modo, o caso é bem interessante. Apesar de agora, após concedida a ordem, parecer simples, foi uma grande batalha até que se reconhecesse a nulidade decorrente de um Desembargador ter julgado um recurso em um processo em que seu pai, também Desembargador do TJMG, já tinha julgado.

Foram muitas idas e vindas até que a ordem fosse concedida por 3 votos a 1, pela Segunda Turma do STF, sob a relatoria do Min. Ricardo Lewandowski (também votaram pela concessão os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello). O Ministro Edson Fachin votou pela denegação da ordem e a Ministra Cármen Lúcia estava ausente.

Em suma, até que a ordem fosse concedida pelo STF, foram necessárias petições explicando e simplificando uma enorme quantidade de documentos e incidentes ocorridos nas instâncias de origem, agravo interno, despacho no gabinete e sustentação oral. Ao final, deu tudo certo.

Foi um resultado gratificante pela sensação de justiça, pela batalha vencida e pela assistida.

Anexo, abaixo, uma manifestação que fiz explicando o caso, o agravo regimental e o acórdão concessivo do HC:

Nova Manifestacao HC – Elza Marques

Agravo Interno – Elza Marques

Acórdão HC 136015

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 25 de maio de 2020

Nulidades, prejuízos e delatores

Nulidades, prejuízos e delatores

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Farei, a seguir, alguns comentários rápidos sobre as nulidades no processo penal e como o STF tem entendido o tema em alguns processos patrocinados pela DPU.

Não sou professor e nem pretendo tecer considerações aprofundadas, mas apenas observarei alguns aspectos que considero bastante pertinentes desde a discussão surgida com a decisão sobre a ordem de manifestação no caso de um dos acusados ser delator (HC 157627, julgado pela Segunda Turma do STF).

 

1 – Discordo da afirmação que tem sido repetida à exaustão no sentido de que para haver nulidade a defesa sempre deve provar prejuízo (entendimento adotado, aliás, pelo STF).

Em certas circunstâncias, tal prova é absolutamente impossível, pelo que sua exigência significa permitir que limites no processo penal sejam completamente abandonados sem qualquer consequência.

Tenho um exemplo ocorrido em processo em que atuei para demonstrar.

No HC 136015, concedido pela 2ª Turma do STF, sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, a alegação era de nulidade em razão da atuação de Magistrado impedido. No caso, pai e filho tinham atuado como desembargadores e julgado recursos no processo penal movido contra a paciente do mencionado habeas corpus. O Ministro Edson Fachin votou pela denegação, ficando vencido. O acórdão ainda não foi publicado, mas se me lembro das palavras dele, ele invocou a não demonstração de prejuízo.

Fica a pergunta: como qualquer defensor/advogado poderia provar que se fosse outro julgador o resultado seria diferente? Como provar que houve ou não influência? Por isso, a mera relação familiar entre os julgadores impede sua atuação no mesmo processo. Aliás, os dois votaram contra os pedidos da defesa. Se tivessem ambos votado a favor, o MP certamente teria se insurgido.

Claro que existem situações que configuram mera irregularidade, mas a exigência da prova de prejuízo, em muitos casos, cria o que eu chamo de prova do futuro do pretérito, ou seja, prova do que teria sido diferente se algo que não ocorreu (ou ocorreu de forma distinta da prevista em lei) tivesse acontecido da maneira correta.

Tenho mais situações em que a prova de prejuízo é absolutamente impossível, mas penso estar esclarecido o ponto. Aliás, muitas vezes, a própria prova do prejuízo fica impossibilitada justamente pelo desrespeito às normas processuais. Como a defesa prova que o acusado preso poderia ajudar na formulação de perguntas à testemunha, se ele não acompanhou o andamento da audiência justamente por estar preso? Ele não ouviu a testemunha por não estar presente e, pede-se que ele mesmo ausente, prove o que teria feito de mais favorável à sua defesa se estivesse na audiência.

 

2 – O STF é extremamente rigoroso no reconhecimento de nulidades. Já vi casos em que a lei processual penal e até mesmo a Constituição da República tinham sido desrespeitadas e que foram considerados mera irregularidade sem prejuízo. Um bom exemplo disso está no HC 130328, em que proferi sustentação oral e que foi denegado pela 2ª Turma do STF, vencido o Ministro Celso de Mello. No caso em questão, pessoa presa não tinha sido conduzida à audiência, pelo que a Defensoria Pública pedia a nulidade do ato. Transcrevo trecho do voto vencido do Ministro decano:

“Esse entendimento tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) – de que o direito de audiência, de um lado , e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu .”

A pessoa presa está sob o poder do Estado. Já está em condição processual nitidamente mais fragilizada. Não tem o direito sequer de estar presente nas audiências?

 

3 – No HC 127900, impetrado pela DPU, pedia-se que a inversão na ordem do interrogatório (passado para o final da instrução), conforme alteração inserida no CPP pela Lei 11719/08, valesse para todos os processos penais. Ao julgá-lo, o STF denegou a ordem, mas fixou orientação para estabelecer que a partir da publicação da ata de tal julgamento, a nova sistemática estabelecida pelo Código de Processo Penal deveria ser seguida em todos os processos de natureza penal.

É uma comparação interessante a ser feita.

“EMENTA Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 1. Os pacientes, quando soldados da ativa, foram surpreendidos na posse de substância entorpecente (CPM, art. 290) no interior do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em Manaus/AM. Cuida-se, portanto, de crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça Castrense para processá-los e julgá-los (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). 2. O fato de os pacientes não mais integrarem as fileiras das Forças Armadas em nada repercute na esfera de competência da Justiça especializada, já que, no tempo do crime, eles eram soldados da ativa. 3. Nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). 4. A Lei nº 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.” (HC 127900, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 02-08-2016 PUBLIC 03-08-2016) grifo nosso

 

4 – Quanto ao mérito em si, confesso ter mais dúvidas do que certezas. São várias as razões e vou usar uma que me atinge como Defensor. Se falar por último beneficia, por que razão o delator deve ficar prejudicado, sendo também acusado?

As outras ponderações deixarei para distintos atores processuais, mas, como Defensor que, às vezes pode atuar para o delator, e, em outras, para o delatado, tenho dificuldade em esposar uma posição de forma peremptória, sem refletir sobre o outro lado.

Já atuei em favor de delator. As pessoas delatadas eram muito poderosas, ocupantes de elevados cargos na República (a delação já foi há muito homologada). No caso dele, sequer houve denúncia em seu desfavor, mas se houvesse, seria correto que ele tivesse que apresentar sua defesa antes dos demais? O que ele tinha que apresentar de provas já estava nos autos.

Com todo respeito, acho forçada a alegação de que delator é assemelhado ao assistente de acusação. Assistente de acusação não é condenado em caso de não acolhimento do que ele aduziu, o delator é. Ninguém atribui ao assistente a prática do crime, ao delator, sim.

Em suma, não tenho certeza se, entre os diversos acusados, e é isso o que o delator é, deve haver ordem.

 

5 – Segunda Turma do STF e nulidades em casos da Defensoria (em situações próximas e em que houve alegação logo na primeira manifestação)

 

Concedido

HC 136015, 2ª Turma, relator Ministro Ricardo Lewandowski – concedido – reconhecida a nulidade por terem pai, Desembargadores, julgado o mesmo processo (acórdão não publicado ainda)

 

Denegados

“EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Audiência de inquirição de testemunhas de acusação realizada sem a presença da paciente. Alegado cerceamento do direito de defesa. Não ocorrência. Ato realizado com a presença do defensor constituído. Inexistência de prejuízo. Precedentes. Ordem denegada. 1. Consoante se infere dos autos, a audiência de inquirição de testemunhas de acusação foi realizada sem a presença da paciente, porém com a presença de seu defensor, de modo que inexiste o alegado cerceamento do seu direito de defesa, uma vez que não configurado o prejuízo apontado. Precedentes. 2. Ordem denegada.” (HC 130328, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 02/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 13-05-2016 PUBLIC 16-05-2016)

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DEFENSORIA PÚBLICA. DEFENSOR PÚBLICO NATURAL. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO. ATO REALIZADO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. 1. À Defensoria Pública, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a assistência jurídica judicial e extrajudicial aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para o efetivo exercício de sua missão constitucional. 2. O art. 4º-A da Lei Complementar 80/1994 estabelece que são direitos dos assistidos pela Defensoria Pública “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural” (designação por critérios legais), o que não se confunde com exclusividade do órgão para atuar nas causas em que figure pessoa carente, sobretudo se considerada a atual realidade institucional. 3. No caso, o indeferimento do pedido de adiamento de audiência designada não configura cerceamento de defesa, pois, à falta de defensor público disponível para atuar na defesa técnica do paciente, foi-lhe constituído advogado particular, que exerceu seu mister com eficiência e exatidão, precedido de entrevista reservada e privativa com o acusado. 4. Ademais, à luz da norma inscrita no art. 563 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Questão, outrossim, suscitada a destempo, após a prolação de sentença condenatória. 5. Ordem denegada.” (HC 123494, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 16/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 01-03-2016 PUBLIC 02-03-2016)

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE PECULATO. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR DO ART. 514 DO CPP. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO À DEFESA TÉCNICA. MATÉRIA NÃO ARGUIDA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR QUE POSSUI RELEVÂNCIA PARA O DIREITO PENAL. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, para o reconhecimento de nulidade decorrente da inobservância da regra prevista no art. 514 do CPP, é necessária a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. Improcede, pois, pedido de renovação de todo o procedimento criminal com base em alegações genéricas sobre a ocorrência de nulidade absoluta. 2. Ademais, se a finalidade da defesa preliminar está relacionada ao interesse público de evitar persecução criminal temerária contra funcionário público, a superveniência de sentença condenatória, que decorre do amplo debate da lide penal, prejudica a preliminar de nulidade processual, sobretudo se considerado que essa insurgência só foi veiculada nas razões de apelação. 3. A ação e o resultado da conduta praticada pela paciente assumem, em tese, nível suficiente de reprovabilidade, destacando-se que o valor indevidamente apropriado não pode ser considerado ínfimo ou irrelevante, a ponto de ter-se como atípica a conduta. Precedentes. 4. Ordem denegada.” (HC 128109, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 22-09-2015 PUBLIC 23-09-2015)

Em suma, o STF tem como entendimento a necessidade de se provar o prejuízo para reconhecer a nulidade. Também tem entendido que a falta de alegação na primeira oportunidade implica em preclusão.

 

São essas minhas considerações. Veremos como ficará o entendimento do Tribunal em alegações de nulidades em casos futuros.

Brasília, 2 de setembro de 2019

 

Gangorra processual

Gangorra processual

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O caso que contarei aconteceu em um processo sob segredo de justiça, portanto, não indicarei seu número ou descerei a detalhes. Todavia, isso não prejudica o que importa seja narrado como indicativo das consequências complicadoras do foro por prerrogativa.

Como se sabe, no Brasil, há milhares de autoridades com foro por prerrogativa de função. Muito se discute se esse foro, usualmente chamado de privilegiado, é responsável pela impunidade.

Embora discorde de solução advinda de decisão judicial (refiro-me à questão de ordem julgada pelo STF), por entender que a restrição ao foro deve vir pela via legislativa, penso que o exemplo simples a ser contado a seguir mostra que a prerrogativa acaba se tornando escudo, muitas vezes, é bom que se diga, até por equívocos das autoridades envolvidas.

Certo deputado estadual começou a ser investigado por suposto crime no exercício do mandato. Foram determinadas quebras de sigilo bancário e telefônico do parlamentar. O problema é que todas essas quebras foram autorizadas por Juízo de primeiro grau, apesar do foro previsto na Constituição do Estado em questão para deputados.

O Estado ajuizou então reclamação junto ao STF, que concordou com o reclamante e determinou que o caderno investigativo fosse remetido ao TJ.

Já no TJ, mais da metade dos desembargadores se declararam suspeitos para julgar o deputado, o que fez com que os autos fossem remetidos ao STF (artigo 102, I, n da CF/88).

O Ministro relator, no STF, após intimar a defesa constituída, que restou inerte, encaminhou os autos à Defensoria Pública da União para oferecimento de resposta preliminar.

Assim foi feito, sendo apontada, como linha inicial da peça, a nulidade das provas obtidas através de quebra de sigilo determinado por Juízo incompetente, em claro desrespeito ao foro por prerrogativa.

A manifestação seguinte da Procuradoria Geral da República sequer refutou a quebra de sigilo por Magistrado de primeiro grau, limitando-se a afirmar que isso não resultou em prejuízo.

Estaria tudo pronto para o julgamento, se não fosse o fato de o investigado ter perdido o foro em razão do final do mandato. Resultado, o Ministro relator determinou o retorno dos autos à primeira instância da Justiça Estadual.

Ou seja, o Juízo que determinou as quebras que a defesa alega serem nulas em razão do foro irá analisar o caso? Outra coisa, se o tribunal já se declarou suspeito, novamente será aplicado o artigo 102, I, n, da CF/88, em caso de apelação, remetendo-se o processo novamente ao STF?

Claro, a demora se iniciou pelo erro do Ministério Público e do Juízo de primeiro grau que ostensivamente atuaram em inquérito envolvendo detentor de foro por longo período, é importante destacar, mas realmente o foro acaba criando situações, como a narrada acima, que atrasam enormemente o julgamento dos processos.

Outros aspectos curiosos do caso são a devolução do feito a quem, originariamente, teria atuado usurpando competência alheia, no caso, o Juízo de primeiro grau, bem como o que farão os Desembargadores quando o feito voltar ao TJ.

Agora que o processo desceu, devo perder o contato com ele, mas seria um interessante caso para estudo e reflexão.

Brasília, 16 de fevereiro de 2019