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Mais um caso

Mais um caso

Desde os primeiros atendimentos que eu e os colegas da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal fizemos das pessoas presas em razão dos atos de 8 de janeiro de 2023, ficou claro que entre os presos havia pessoas de todos os tipos, e, entre elas, muitos muito pobres e outros com nítidos problemas mentais, ou com ambos.

Infelizmente, todas foram colocadas praticamente na mesma situação, sendo oferecidos dois grupos de denúncias inicialmente, um para aqueles que foram à Praça dos Três Poderes, mais grave; um para os que ficaram no acampamento, mais leve.

O que cada um fez, individualmente, foi ignorado, bem como a condição da pessoa e o que a levou até aquele local. Infelizmente é preciso lembrar: estamos falando de direito penal…

O problema é que essa postura da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo STF, colocou pessoas diferentes, com condutas diferentes, em situação igual, o que é sempre causador de injustiça.

Os processos tramitaram e, a esta altura, já há absolvições, acordos de não persecução firmados, condenações definitivas.

Trato hoje de mais um desses casos. Não vou citar o nome, nem colocar o número do processo, quero contar a história da pessoa, para, com meu trabalho de formiguinha, provocar reflexão.

O rapaz do caso veio do interior da Bahia. Era vendedor ambulante na cidade dele, aproveitando a aglomeração do acampamento local para vender seu produto.

No dia da viagem para Brasília, foi convidado para vir passear. Aceitou, foi preso.

Logo no primeiro contato, o colega que o atendeu observou: ele tem problema, nitidamente.

Pedimos a liberdade dele. A mãe nos forneceu vários documentos médicos demonstrando seu longo acompanhamento.

Entrei em contato diversas vezes com o gabinete e, no dia em que saiu a decisão de soltura, descobri que a família tinha acabado de constituir advogado. Outro levaria a fama pelo nosso esforço, mas tudo bem.

Passado algum tempo, ele voltou a ser nosso assistido.

Pedimos a instauração do incidente de insanidade, o que foi deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes em abril de 2024. Alguns dias depois foi expedido ofício para a Vara Criminal da comarca da cidade do assistido.

Dias atrás, vi pelo sistema e-push do STF (sistema eletrônico de informação processual) que tinha havido movimentação no caso. Sou curioso, fui conferir.

Era a resposta do juízo que recebeu o ofício para realizar o exame de sanidade. Dela constam algumas informações importantes:

“Vale ressaltar que, além disso, consta no relatório que no momento da escuta, o Sr. XXXXX apresentou falas desorganizadas, demonstrando comprometimento do seu estado de saúde mental.” (funcionário responsável pelo equipamento de monitoração)

A outra parte importante é que, ao responder o ofício, em 11 de fevereiro de 2025, o juízo da Comarca informou que:

“(…) até o momento não foi a perícia realizada.

(…)a fim de que tenha ciência da atual situação do denunciado e não realização do exame indicado para adoção das providências que entender necessárias.”

Em suma, passados mais de 9 meses do deferimento da realização do exame de sanidade do assistido, ele ainda não ocorreu.

O rapaz continua lutando para cumprir as cautelares, que permanecem. Espero que não seja preso.

Esse é mais um caso.

(e é por isso que eu bloqueio em rede social quem não tem empatia e não assistido canal de televisão com uma versão só)

Brasília, 15 de fevereiro de 2025

Gustavo de Almeida Ribeiro

Remição pela aprovação no ENCCEJA

Remição pela aprovação no ENCCEJA

ENCCEJA significa Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos. A aprovação nas matérias cobradas em tal exame, integral ou parcial, dá ensejo à remição da pena aos presos que obtêm êxito.

Há forte discussão a respeito do quantitativo e do cálculo das horas dessa remição. A questão tratada nas impetrações listadas abaixo diz respeito à quantidade de dias que as mencionadas aprovações (totais ou parciais) devem proporcionar. O tema deve ser definitivamente apreciado com brevidade pela 2ª Turma do STF. A 1ª Turma da Corte já rechaçou as teses da DPU.

Recentemente, a 3ª Seção do STJ firmou entendimento esposando a tese mais favorável aos assistidos da Defensoria.

Confesso não estar muito otimista quanto aos processos ainda pendentes no STF.

Gostaria muito que as diversas manifestações de preocupação com o sistema prisional em ações de controle concentrado fossem consideradas na análise dos casos concretos. O preso que estuda nas condições totalmente precárias do cárcere brasileiro merece ter seu esforço recompensado e ser incentivado.

Gustavo de Almeida Ribeiro

HCs e RHCs da DPU – ENCCEJA no STF

NúmeroRelatorMonocrática
Colegiada
ResultadoSituação
RHC 190155Gilmar MendesMonocráticaProvidoAgravo regimental interposto pelo MPF.
RHC 190449Gilmar MendesMonocráticaProvidoAgravo regimental interposto pelo MPF.
RHC 190450Gilmar MendesMonocráticaProvidoTransitado em julgado.
RHC 165084Gilmar MendesMonocráticaProvidoTransitado em julgado.
RHC 192960Gilmar MendesEm trâmiteEm trâmiteRetirado de pauta de julgamento virtual.
HC
190806
Ricardo LewandowskiMonocráticaDenegadoAgravo regimental DPU. Em julgamento.
HC
191171
Cármen LúciaMonocráticaDenegadoAgravo regimental DPU. Pedido de destaque.
RHC 193342Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193343Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
HC
193387
Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193005Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimento Agravo regimental DPU.
RHC 193114Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
HC
191281
Gilmar MendesMonocráticaDenegada a ordemAgravo regimental DPU.
RHC 192473Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU. Pedido de destaque.
RHC 190015Ricardo LewandowskiMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193347Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 194117Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193346Cármen LúciaMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 194707Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
HC
195180
Nunes MarquesMonocráticaNão conhecidoAgravo regimental DPU.
RHC 194813Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
RHC 
192830
Ricardo LewandowskiMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 
190571
Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
HC 
194798
Nunes MarquesMonocráticaDenegadoAgravo regimental DPU.
RHC 
194607
Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
RHC 
194585
Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
HC 
195424
Nunes MarquesMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
RHC 196807Cármen LúciaMonocráticaNegado provimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193006Ricardo LewandowskiMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193001Ricardo LewandowskiMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.
RHC 193352Ricardo LewandowskiMonocráticaNegado seguimentoAgravo regimental DPU.

Brasília, 30 de março de 2021.

Tabelas dos HCs da DPU no STF com o tema COVID-19

Tabelas dos HCs da DPU no STF com o tema COVID-19

 

Apresento, abaixo, após o final do primeiro semestre de 2020 e das férias coletivas de julho do STF,  as tabelas com os habeas corpus que têm como fundamento principal dos pedidos, entre outros, a situação causada pela pandemia do coronavírus.

A primeira tabela apresenta pedidos individuais, a segunda, os pedidos coletivos.

São processos com várias situações, como superlotação de presídio, comorbidades do preso, maternidade de criança menor de 2 anos.

Infelizmente, até 1º de agosto de 2020, apenas um habeas corpus teve sua liminar deferida, mesmo assim, após pedido de reconsideração.

Brasília, 2 de agosto de 2020

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

 

 

Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

Direito de visita e o cabimento de habeas corpus

 

Comentei há alguns dias sobre o cabimento de habeas corpus para se discutir o direito de visita à pessoa presa.

Como mencionei em meu Twitter, o STF já admitiu o uso do remédio heroico até mesmo para a volta de magistrado ao cargo.

Colocarei, abaixo, a peça de agravo apresentada por mim, naquilo que importa: fatos e fundamentação jurídica.

Para os que quiserem acompanhar no STF, trata-se do HC 177.485, impetrado pela DPU no STF.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 16 de dezembro de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS 

O agravante foi condenado à pena de 26 anos e 3 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

No curso da execução, o Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal indeferiu pedido de autorização de visita, formulado pelo irmão do agravante, WBP, cuja entrada no estabelecimento prisional foi proibida em decorrência de estar ele cumprindo pena em regime aberto.

Diante da decisão, a defesa interpôs agravo em execução, tendo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em decisão unânime, negado-lhe provimento.

Sobreveio recurso especial pela defesa, que restou inadmitido pelo Tribunal de origem.

Em seguida, a defesa interpôs agravo em recurso especial contra a mencionada decisão, a fim de dar seguimento ao recurso.

Já na Corte Superior, o Ministro Relator conheceu do agravo para lhe negar provimento. A decisão foi mantida pela Quinta Turma do STJ, após a interposição de agravo interno pelo agravante.

A defesa então impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal, o qual não foi conhecido, sob o fundamento de que o remédio heroico não é idôneo para se questionar a legalidade do ato impugnado, uma vez que se destina a amparar a imediata locomoção física das pessoas.

Com a devida vênia, a decisão não merece prosperar, pelos fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

1. Cabimento. Conhecimento. 

O presente agravo volta-se contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus. O Ministro Relator entendeu que a pretensão apresentada pelo agravante não apresenta ofensa ao direito de ir, de vir e de permanecer.

Ocorre que essa Segunda Turma, ao apreciar o habeas corpus 107.701, em decisão unânime, conheceu da ação e deferiu o pedido de habeas corpus para assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos. A liberdade de locomoção foi entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento da liberdade de ir e vir.

Transcreve-se a ementa do mencionado julgado:

HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA. 1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT. A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. ORDEM CONCEDIDA. (HC 107701, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012 RT v. 101, n. 921, 2012, p. 448-461) (grifo nosso)

Além disso, a utilização do habeas corpus já foi admitida até mesmo para se garantir o retorno de pessoa ao cargo público por ela ocupado, como pode ser constatado através da leitura das ementas abaixo colacionadas:

Habeas Corpus. 2. Cabimento. Proteção judicial efetiva. As medidas cautelares criminais diversas da prisão são onerosas ao implicado e podem ser convertidas em prisão se descumpridas. É cabível a ação de habeas corpus contra coação ilegal decorrente da aplicação ou da execução de tais medidas. 3. Afastamento cautelar de funcionário público. Conselheiro de Tribunal de Contas. Excesso de prazo da medida. Ausência de admissão da acusação. Há excesso de prazo no afastamento cautelar de Conselheiro de Tribunal de Contas, por mais de dois anos, sem que a denúncia tenha sido admitida. 4. Ação conhecida por maioria. Ordem concedida. (HC 121089, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 16-03-2015 PUBLIC 17-03-2015) (grifo nosso)

EMENTA: Habeas Corpus. 1. Paciente que, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), foi denunciado pela suposta prática dos delitos de: a) tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (CP, arts. 125 c/c 14, II, e 29); b) lesão corporal leve (CP, art. 129); c) aborto provocado sem o consentimento da gestante em concurso de pessoas (CP, arts. 125 c/c 29); d) roubo em concurso de pessoas (CP, arts. 157 c/c 29); e) ameaça e coação no curso de processo em concurso de pessoas (CP, arts. 147 e 344 c/c 29); f) seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III e § 2º, e 249, § 1º); g) falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único); h) uso de documento falso (CP, art. 304); i) falso testemunho (CP, art. 342, § 1º); j) corrupção ativa de testemunha (CP, art. 343); l) denunciação caluniosa (CP, art. 339); e m) falsidade de atestado médico (CP, art. 302 c/c 29). 2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao receber a denúncia, determinou o afastamento do paciente do cargo de magistrado, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). No STJ, a inicial acusatória não foi recebida quanto aos crimes de lesão corporal (CP, art. 129 – letra “b”) e ameaça (CP, art. 147 – letra “e”). 3. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157 – letra “d”), a ação penal foi parcialmente trancada, por maioria, pela 2ª Turma desta Corte, no julgamento do HC no 84.768/PE, DJ 27.5.2005, Rel. Originária Min. Ellen Gracie, Red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes. 4. Quanto aos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299 e parágrafo único – letra “g”), uso de documento falso (CP, art. 304 – letra “h”), corrupção ativa (CP, art. 343 – letra “j”), denunciação caluniosa (CP, art. 339 – letra “l”), falso testemunho (CP, art. 342 – letra “i”), e falsidade de atestado médico (CP, art. 302 – letra “m”), a 2ª Turma deliberou novamente pelo trancamento parcial da ação penal (AP no 259/PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, do STJ) no julgamento do HC no 86.000/PE, DJ 2.2.2007, Rel. Min. Gilmar Mendes. 5. Alegações da defesa neste habeas corpus: i) inépcia total da denúncia recebida pelo STJ; ii) ainda que superada a alegação anterior, inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, de relatoria do Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007); e iii) excesso de prazo na instrução criminal, no que concerne ao afastamento cautelar do paciente, nos termos do art. 29 da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN). 6. Com relação à alegação de inépcia da denúncia, verifica-se que a inicial atendeu ao disposto nos arts. 41 e 43 do CPP. Precedentes do STF. Nesse ponto, ordem indeferida. 7. No que concerne à alegação de inépcia da peça acusatória ofertada em desfavor do paciente, em razão da aparente contradição que poderia advir em virtude da decisão tomada pela 2ª Turma no julgamento do HC no 82.982/PE, Rel. Min. Cezar Peluso (DJ 8.6.2007) (item “ii” acima), em primeiro lugar, não há relação de vinculação entre o acórdão proferido pela 2ª Turma no HC no 82.982/PE (Rel. Min. Cezar Peluso) e a matéria discutida neste habeas corpus. Em ambos os casos, discute-se a validade, ou não, de imputações realizadas pelas respectivas peças acusatórias, as quais, não obstante guardem uma relação de conexão fático-probatória, dizem respeito a supostos agentes criminosos distintos. Ademais, eventual conclusão acerca da inépcia, ou não, da denúncia quanto ao crime de subtração de incapaz (CP, art. 249, § 1º) exigiria o reexame de fatos e provas, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes do STF: HC no 91.634/GO, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ 5.10.2007; HC (AgR) no 90.247/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 27.4.2007; HC no 89.248/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 86.522/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 19.4.2006; HC no 85.089/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 18.11.2005; HC no 83.804/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, unânime, DJ 1º.7.2005; HC no 83.617/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.5.2004; HC no 81.914/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 22.11.2002; HC no 81.472/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.6.2002; HC no 79.503/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, maioria, DJ 18.5.2001; HC no 76.381/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 14.8.1998; HC no 75.069/SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 27.6.1997; e HC no 71.436/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 27.10.1994. Quanto a essa segunda alegação, ordem indeferida. 8. Com relação à alegação de excesso de prazo (item “iii” acima), o STF tem deferido a ordem de habeas corpus somente em hipóteses excepcionais, nas quais a mora processual seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela atuação da acusação, ou ainda, em razão da ineficiência administrativa do próprio aparato judicial. Precedentes do STF: HC no 89.196/BA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1a Turma, maioria, DJ 16.2.2007; HC no 86.346/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 2.2.2007; HC no 86.850/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a Turma, unânime, DJ 6.11.2006; HC no 87.164/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2a Turma, unânime, DJ 29.9.2006; HC no 87.910/SP, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ 25.4.2006; HC no 85.068/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, unânime, DJ 3.6.2005; HC no 85.237/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ 29.4.2005; e HC no 85.400/PE, Rel. Min. Eros Grau, 1a Turma, unânime, DJ 11.3.2005. 9. Dos documentos acostados aos autos, observa-se, à primeira vista, que a defesa não deu causa ao excesso de prazo. No entanto, há indícios de que a suposta vítima teria contribuído para a mora processual (por meio da: criação de dificuldades para a realização de perícia por um período de cerca de 10 meses após a instauração da AP no 259/PE; da apresentação de sucessivos pedidos de substituição de testemunhas; e, por fim, da contribuição para que a instrução ainda não se tenha encerrado). 10. Paciente afastado do cargo de Desembargador do TJ/PE desde o recebimento da denúncia – 19.3.2003 (por mais de 4 anos e 6 meses ao momento da sessão de julgamento pela 2ª Turma em 30.10.2007), sem que a instrução criminal tenha sido concluída. Configurada excessiva mora da instrução criminal denominada como “excesso de prazo gritante”. Precedentes do STF: HC no 87.913/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJ 5.9.2006; HC no 84.095/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unânime, DJ 2.8.2005; HC no 83.177/PI, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 19.3.2004; e HC no 81.149/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, unânime, DJ 5.4.2002. 11. Ordem deferida tão-somente para suspender os efeitos da decisão da Corte Especial do STJ no que concerne à imposição do afastamento do cargo nos termos do art. 29 da LC no 35/1979, determinando, por consequência, o retorno do paciente à função de Desembargador Estadual perante o TJ/PE. (HC 90617, Relator (a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/10/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-02 PP-00354) (grifo nosso)

Em suma, embora não mais prevaleça o entendimento extremamente ampliado sobre o cabimento do habeas corpus, como prevalecia na chamada doutrina brasileira do habeas corpus, situações em que a liberdade de locomoção seja atingida por medida do Estado podem ser tuteladas através do uso do remédio heroico.

2. Mérito

Não há fundamentação idônea que justifique a restrição do direito fundamental do agravante em receber a visita do irmão. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos LXIII, XLVII e XLIX, assegura ao preso assistência da família, veda tratamentos cruéis, trabalhos forçados e exige respeito à integridade física e moral dos presos.

Pior ainda quando se constata que essa vedação é imposta pelo Distrito Federal aos presos que cumprem pena nesse ente da federação sem qualquer análise casuística que justifique a medida constritiva.

É de suma importância conferir maior força normativa ao texto constitucional, sobretudo dentro do contexto reconhecido do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, causado por violações generalizadas e reiterada inércia estatal.

Além disso, como demonstrado anteriormente, a Corte já admitiu habeas corpus até mesmo para determinar o retorno de servidor ao cargo, situação menos ligada ao direito de liberdade que a visita a uma pessoa presa.

Conforme entendido no HC 107.701/RS, e apesar de algumas ressalvas na utilização da via eleita, reputou-se como adequada a utilização da ação constitucional quanto ao direito de visita, porquanto ser o direito de visita desdobramento do direito de liberdade, conforme se extrai do voto condutor do Min. Gilmar Mendes:

“Em linhas gerais, o direito de visitas nada mais é que um desdobramento do direito de liberdade. De fato, só há falar de direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Dessarte, tenho para mim que a decisão do juízo das execuções que indeferiu o pedido de visitas formulado teve diretamente o condão de repercutir na esfera de liberdade, na medida em que agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente.

Ademais, levando em conta que uma das finalidades da pena é a ressocialização, eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social.

Diante de todos esses dados, tenho para mim que as decisões formalizadas pelo Juízo de origem e demais tribunais não são idôneas para a adequada solução da controvérsia posta.” (grifo nosso)

O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do Ministro relator, nos termos abaixo apresentados:

“Senhor Presidente, tenho algumas considerações a fazer. Inicialmente, acompanho o eminente Ministro Relator no que tange ao conhecimento do habeas corpus. Entendo que se está, sim, diante de uma limitação do direito de ir e vir, porque o habeas corpus, no caso, se insurge contra a execução da pena, ou seja, está se impondo, aqui, ao paciente, uma restrição maior, em tese, ao modo como é executada a sua pena. Aliás, é muito grave, porque ele foi condenado a mais de trinta e nove anos de reclusão, é uma pena grave, e ele se insurge contra o modo pelo qual lhe está sendo imposta essa execução”. (grifo nosso)

Em consonância ao princípio da humanização das penas, correlacionado ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, é imperioso reconhecer que tal direito tem o objetivo de ressocialização do condenado, não podendo ser negado sob o fundamento genérico, repisa-se, de o visitante estar cumprindo pena em regime aberto, uma vez que os efeitos da sentença penal condenatória não podem ser ampliados para restringir o gozo de outros direitos individuais.

Aliás, parece contraditório buscar, sem razão concreta, afastar a aproximação de irmãos, sendo que a família sempre pode ser fator fundamental na reintegração do egresso.

Calha invocar, em reforço ao alegado, julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. DIREITO DE VISITA. COMPANHEIRA TAMBÉM CONDENADA POR TRÁFICO DE DROGAS. ART. 41 DA LEI N. 7.210/1984. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS.

  1. No presente caso, o Tribunal a quo decidiu que a condenação da companheira do recorrido, também por tráfico de drogas, em regime aberto, não é fundamento idôneo para justificar o indeferimento do pedido de visita.
  2. Assegurado expressamente pela Lei de Execução Penal, o direito de visitação, com o objetivo de ressocialização do apenado, não pode ser negado a companheira do condenado, por ela estar cumprindo pena sob o regime aberto, uma vez que este só lhe restringe os direitos atingidos pelo efeito da sentença condenatória, e não ao gozo dos demais direitos individuais. Precedentes: AgRg no REsp 1475961/DF, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 13/10/2015; AgRg no REsp 1556908/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015.
  3. Salienta-se que não se desconhece a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o direito de visita não é absoluto ou ilimitado. Ocorre que, no presente caso, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório, concluiu, diante das peculiaridades verificadas, que estavam preenchidos os requisitos para autorizar à companheira do apenado o direito de visita. Assim, acolher a pretensão recursal sob exame, que almeja a proibição de autorização do direito à visitação (a qual somente pode ser avaliada diante das peculiaridades do caso concreto), seria imprescindível revolver o conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do recurso especial (Súmula 7 do STJ).
  4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1487212/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016) (grifo nosso)

Trata-se, portanto, de fazer valer o que impõe a Carta da República, isto é, a busca da ressocialização do apenado como sujeito de direito, em observância ao disposto artigos 10, 40 e 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais.

 

Contrabando de alho

Contrabando de alho

Segue, abaixo, texto escrito por minha colega Tarcila Maia, contando o caso de pessoa que ficou presa por contrabando de alho.

É sempre uma oportunidade de reflexão.

Brasília, 26 de agosto de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Contrabando de alho

 

Tarcila Maia Lopes, Defensora Pública Federal

 

Ser defensora na área criminal e se identificar como abolicionista/minimalista (no meu caso, minimalista) é se deparar todo dia com situações que considero absurdas: já vi processo criminal de tentativa de furto de algumas telhas de alumínio, de uma pessoa acusada de furto porque recolheu notas de dinheiro que voaram de uma agência bancária explodida, entre outras… Mais recentemente, um colega defensor me contou um caso que me chamou muito atenção e sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar: contrabando de alho. Sim, alho, aquele tempero maravilhoso que tenho sempre em casa. Comentei o caso no Twitter e daí surgiu o convite para fazer esse texto.

Primeiro, vamos à dogmática jurídica. O crime de contrabando está previsto no artigo 334-A do Código Penal, que diz o seguinte:

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem:

I – pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II – importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III – reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV – vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V – adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

§2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Como qualquer pessoa que goste de cozinhar sabe, alho não é um produto proibido no Brasil. Porém, sua importação precisa seguir alguns trâmites administrativos. Assim, quem traz alho para o Brasil sem a devida autorização dos órgãos de controle brasileiros comete, em tese, o crime previsto no artigo 334-A, II do Código Penal.

No caso que me foi contado, um cidadão estava transportando 141 sacos de alho num carro e foi preso em flagrante pela Polícia Federal. Dois dias depois, foi realizada audiência de custódia e o cidadão teve sua prisão preventiva decretada. Segundo a decisão, como o autuado tinha outras acusações de crime, inclusive de contrabando, era necessário “cessar sua conduta delituosa”. A DPU fez pedido de reconsideração desta decisão e depois impetrou habeas corpus em favor do assistido. De nada adiantou. Ele permaneceu preso até a sentença, quase três meses depois, quando foi absolvido porque não havia laudo comprovando que o alho transportado era proveniente de fora do país. O MPF apelou desta decisão.

O que achei curioso nesse caso foi que eu jamais imaginaria que houvesse comércio clandestino de um produto tão comum quanto alho. Além disso, como boa minimalista que sou, acho que o Direito Penal não deveria ser usado nesses casos. Dois dos princípios fundamentais do Direito Penal são a fragmentariedade e a intervenção mínima. Parece-me que o Direito Administrativo é suficiente para tutelar o bem jurídico neste caso. Não se trata de uma conduta violenta, que cause perturbação social. Nesses casos, eu acho que o Direito Penal mais atrapalha que ajuda. Por isso, no Twitter, ironizei afirmando que a conduta era super perigosa.

Por fim, fiquei impressionada com a desproporção da prisão cautelar nesse caso, porque o assistido foi absolvido. E, ainda que não fosse, a pena máxima do contrabando é de 5 anos, o que, para pessoas como o cidadão que a DPU defendeu, que é primário, faria com que ele tivesse de cumprir pena no regime aberto ou, na pior das hipóteses, no regime semiaberto. Se ele fosse condenado, teria permanecido preso cautelarmente (quando se presume a inocência dele) em um regime mais gravoso do que quando ele tivesse sido condenado. E isso não é proporcional de forma alguma. Aqui, nem precisa ser minimalista como eu para pensar assim: os princípios mais básicos do Direito Penal e do Processo Penal já seriam suficientes para evitar prisões como esta.

Por conta de casos como este, penso que ser defensora na área criminal é muito mais do que atuar na defesa de pessoas como este assistido da história. É assumir um papel de denúncia de um sistema criminal extremamente violento, expondo situações reais de injustiça, na esperança que outras pessoas sejam tocadas por nossos relatos e possamos mudar um pouco essa realidade.

Recife, 26 de agosto de 2019