Os pobres não têm defesa?
Gustavo de Almeida Ribeiro
No HC 132.512, impetrado por René Ariel Dotti, perante o STF, em favor de paciente (ex-político) acusado de acidente automobilístico que resultou em morte e que responde por crime doloso contra vida, o Ministro Gilmar Mendes, relator, entendeu por bem afetar a discussão ao Plenário da Corte. A tese em debate versa sobre o prosseguimento dos processos de competência do Tribunal do Júri na pendência de recursos que impugnem a sentença de pronúncia.
Antes, a liminar no citado writ tinha sido deferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da presidência do STF, para que o processo em primeiro grau aguardasse a preclusão da discussão das teses defensivas contra a pronúncia.
No caso supracitado, o paciente encontra-se solto.
Ontem, 11 de outubro de 2016, dirigi-me à tribuna da 2ª Turma do STF para discutir tema assemelhado, com uma diferença. O assistido da DPU está preso há mais de 5 anos, desde agosto de 2011. O recurso especial interposto por ele perante o STJ está na Corte Superior desde outubro de 2014, há 2 anos, portanto. Trata-se do HC 134.900, também de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
Sou crítico com relação às minhas sustentações orais, independentemente do resultado. Os colegas que convivem comigo podem confirmar isso. Quando acho que fui bem, falo; quando não gostei do desempenho, me cobro muito. A sustentação de ontem foi ótima, modéstia às favas.
Invoquei o ocorrido no HC mencionado no início do texto, bem como as consequências da decisão do STF nas ADCs 43/44 (execução provisória da pena) em relação às cautelares, para justificar que o novo entendimento da Corte esvazia o medo de que a demora no trânsito em julgado possa gerar sensação de impunidade (não estou a concordar com o resultado, apenas partindo do que estabelecido). Chamei a atenção ainda para prisões cautelares de anos em processos que resultaram em absolvição – tinha um exemplo lamentável e recente.
No caso do HC 134.900, impetrado pela DPU, o objetivo era obter a liberdade do paciente, que, como já mencionado, aguarda seu julgamento, preso, há mais de 5 anos (o processo na origem encontra-se parado). No caso, não há sequer pena provisória para se executar, uma vez que nem mesmo foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
A ordem foi denegada quanto à colocação em liberdade do paciente. Determinou-se que o STJ aprecie rapidamente o recurso especial lá interposto, bem como que o Juízo de primeiro grau tome as providências necessárias à realização do Júri. Volto a dizer, o relator do habeas corpus impetrado pela DPU é o mesmo do paradigma e o Ministro Ricardo Lewandowski, que concedera a liminar neste, estava presente à sessão.
Curioso. A liminar no HC 132.512, afetado ao Plenário, foi justamente no sentido contrário, para deter o andamento da ação penal na origem. Pelo que eu sei, neste caso o paciente encontra-se solto.
A decisão tomada pelo STF no HC 134.900, impetrado pela DPU, pareceu-me um reconhecimento da prisão exacerbada, com a fuga pela tangente de se determinar o prosseguimento do feito. Em outras palavras, há um excesso na prisão, mas como o crime é grave, buscaremos uma decisão “salomônica” para não soltar uma pessoa acusada de algo grave.
O problema é que o paciente do paradigma, também acusado de crime doloso contra a vida, está solto aguardando o dia em que o STF irá julgar seu habeas corpus e o STJ apreciará seu apelo especial. Se o Juízo de Primeiro Grau do assistido da DPU não precisa aguardar a conclusão da Corte Superior no recurso lá apresentado, por que o Juízo do paciente famoso precisa? Se alguém souber me explicar a diferença, agradecerei imensamente.
A mudança é de mentalidade. Não digam que o pobre não tem defesa. Nem que eu quisesse conseguiria achar caso tão semelhantes com desfechos tão distintos.
Brasília, 12 de outubro de 2016