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Reavaliação de provas em Habeas Corpus

Reavaliação de provas em Habeas Corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do STF iniciou hoje a apreciação do agravo interno no HC 152001. A ordem de habeas corpus havia sido denegada, em decisão monocrática, pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

A discussão de mérito de habeas corpus é a possibilidade de aplicação da redutora prevista no §4º, do artigo 33, da Lei 11343/06.

A primeira e a segunda instância, como se verá no corpo do agravo abaixo colacionado, entenderam que o paciente do habeas corpus não integrava organização criminosa, fazendo jus à causa de diminuição de pena.

Por discordar de tal entendimento, o STJ proveu apelo especial ministerial, decotando a redutora.

Hoje, ao iniciar o julgamento do agravo, houve discussão sobre reavaliação de provas em sede de habeas corpus. Mas em sede de recurso especial tal reavaliação é permitida? Pior, permite-se mera ilação de que o acusado integrava organização criminosa contra manifestação expressa das instâncias ordinárias?

O Ministro Ricardo Lewandowski manteve seu voto pela denegação. Em seguida, os Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin votaram pela concessão da ordem (ainda que de ofício). O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia.

Aguardemos.

O agravo segue abaixo.

Brasília, 19 de fevereiro de 2019

 

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O Douto Julgador de primeiro grau condenou o agravante à pena privativa de 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e ao pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, por incursão no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos.

Em face da sentença, houve a interposição de recurso de apelação pela acusação. O TRF da 1.ª Região negou provimento a esse recurso, mediante acórdão assim ementado:

“PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33 C/C O ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. DOSIMETRIA MANTIDA.

  1. Na fixação da pena-base para o crime de tráfico de drogas o juiz deve considerar, preponderantemente, sobre as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, além da personalidade e da conduta social do agente. No presente caso, considerando que somente a natureza – cocaína – e a quantidade – 4.055 g – da substância entorpecente apreendida em poder do réu foram consideradas desfavoráveis ao réu, correto o quantum fixado na sentença.
  2. A atenuante da confissão espontânea, por seu caráter objetivo, deve ser aplicada sempre que o réu, de maneira voluntária e sem ressalvas, confessa a prática delitiva, não importando as circunstâncias em que efetivada. Também deve incidir, como na hipótese, em que o interrogatório constituiu fundamento para a condenação.
  3. O acusado que preenche os requisitos do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 – ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa – tem direito subjetivo à redução de pena prevista nesse dispositivo. O quantum da redução deve ser fixado pelo Juiz, observando-se as circunstâncias do crime e as condições pessoais do acusado que, na hipótese, justificam a redução pelo patamar máximo.
  4. As penas restritivas de direitos podem ser definidas pelo Juízo da Execução, a teor do que estabelecem os artigos 66, V a, e 180, ambos da Lei nº 7.210/84. Cabe ao Juízo da Execução, por sua maior proximidade com o réu, avaliar a real situação para o cumprimento da pena.
  5. Apelação não provida.” (grifo nosso)

Diante dessa decisão proferida em segundo grau, a acusação interpôs recurso especial, o qual não foi admitido na origem, seguido da interposição de agravo para alçar o feito à superior instância. No STJ, o Ministro Relator, por decisão monocrática, conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial. Houve, então, a interposição de agravo regimental defensivo, o qual teve provimento negado pela Sexta Turma daquele Tribunal Superior, mediante acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  1. As circunstâncias em que perpetrado o delito de tráfico transnacional de drogas – mais de 4 kg de cocaína trazidos da Bolívia, ocultados em um compartimento costurado dentro da bagagem do agente e transportados por meio de um táxi boliviano – não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas, no seio dos objetivos de uma organização criminosa, de maneira que não há como aplicar a causa especial de diminuição de pena descrita no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006.
  2. Especificamente no caso dos autos, a conclusão pela impossibilidade de incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento, de fato, vedado em recurso especial. O caso em análise, diversamente, demanda apenas a revaloração de fatos incontroversos que já estão delineados nos autos e das provas que já foram devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória, bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada ao art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006. Não há falar, portanto, em incidência da Súmula n. 7 do STJ.
  3. Agravo regimental não provido.” (grifo nosso)

Impetrado habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal em face do acórdão prolatado pela Corte Superior, o Eminente Ministro Relator, em decisão monocrática, denegou a ordem.

No entanto, a decisão singular não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

No entender do agravante, a decisão proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é ilegal porque reexaminou fatos e provas para afastar as premissas assentadas pelas instâncias ordinárias para chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegaram o primeiro e o segundo graus de jurisdição.

No caso dos autos, faz-se essencial o cotejo do quanto firmado pelas instâncias iniciais com a conclusão a que chegou o Egrégio STJ, para que reste inequívoca a realização de revolvimento fático em sede de apelo especial.

Não se trata aqui, calha frisar, de entendimento jurídico diferente em relação ao adotado na origem, mas verdadeiro reexame de fatos e provas. A diferenciação pode parecer tênue, mas nem por isso, deixa de ser constatável.

Com efeito, acerca da incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4.º, da Lei 11.343/2006, a sentença registrou as seguintes premissas:

[…] Considerando que o réu é primário, portador de bons antecedentes e não havendo provas de que ele se dedique à prática de atividades criminosas e de que faça parte de organização criminosa, e que ainda auxiliou na identificação de outra pessoa relacionada ao fato, reduzo a pena em 2/3 (dois terços), nos termos do § 4º, art. 33, da Lei 11.343/2006, alcançando-se a pena de 2 (dois) anos e 200 (duzentos) dias-multa. […] grifo nosso

Bem assim, o TRF da 1.ª Região fez constar na ementa do acórdão que o réu não se dedica às atividades criminosas. Além disso, consta do voto proferido pela Relatora do recurso de apelação a seguinte fundamentação:

[…] Também inexiste fundamento jurídico para excluir do cálculo da pena, a causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. O réu preenche os requisitos legais, pois é primário, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas, além de não haver prova nos autos de que seja integrante de organização criminosa.

O quantum de redução fixado – 2/3 (dois terços) – deve ser mantido, tendo em vista a plausibilidade do fundamento apresentado pelo Julgador a quo, no sentido de que, além da presença dos requisitos legais, o réu “ainda auxiliou na identificação de outra pessoa relacionada ao fato” (fl. 107v) […] grifo nosso

As conclusões do órgão julgador de segundo grau, portanto, são claras: o réu preenche todos os requisitos necessários para a aplicação da minorante prevista no § 4.º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo. E mais do que isso, colaborou com as autoridades para a identificação de outra pessoa relacionada ao fato.

Paradoxalmente, porém, o Ministro Relator do AREsp 1.062.014/MT, bem como os demais Ministros integrantes da Sexta Turma do STJ que participaram do julgamento do agravo regimental, desprezaram as premissas assentadas pelo Juiz Federal sentenciante e pelo TRF da 1ª Região.

A soberania dos órgãos julgadores de primeiro e segundo graus para a análise dos fatos e das provas foi afastada porque, ao sentir do Ministro Relator do AREsp 1.062.014/MT, no presente caso, as circunstâncias em que perpetrado o delito “não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas, no seio dos objetivos de uma organização criminosa”.

Nesse contexto, bem mais do que mera “revaloração de fatos incontroversos”, houve claríssimo revolvimento do material fático-probatório para alcançar conclusões diferentes daquelas assentadas pelas instâncias ordinárias. Houve, em verdade, ilação, no sentido de que, presentes certas circunstâncias, estará sempre configurada a organização criminosa.

Ademais, além de constituir violação à Súmula 7 do STJ, o argumento de que as circunstâncias do crime não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica a atividades delituosas no seio de uma organização criminosa não constitui mais do que uma suposição, uma mera possibilidade, que não enseja o juízo de certeza que é necessário para amparar o afastamento da minorante aplicada pelas instâncias ordinárias.

O acórdão ora impugnado, portanto, parece uma reafirmação, por via transversa e dissimulada, do velho entendimento segundo o qual a pessoa que exerce a função vulgarmente chamada de “mula” necessariamente integra organização criminosa e por isso não faz jus à minorante prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.

Com efeito, o acórdão ora impugnado faz referência a uma hipotética dedicação a atividades criminosas e a uma imaginária organização criminosa, sem vinculação a nenhum elemento concreto de convicção. Em verdade, a negativa da causa de diminuição de pena em questão se funda tão somente em ilações e conjecturas, de modo a incorrer em vício de fundamentação aferível de plano.

Inicialmente, impende destacar que a mera condição de mula não implica, obrigatoriamente, em participação em organização criminosa ou em dedicação habitual ao crime, conforme entendimento assentado nas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06). Pena-base. Majoração. Valoração negativa da natureza e da quantidade da droga (2.596 g de cocaína). Admissibilidade. Vetores a serem considerados necessariamente na dosimetria (art. 59, CP e art. 42 da Lei nº 11.343/06). “Mula”. Aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Admissibilidade. Inexistência de prova de que o paciente integre organização criminosa. Impossibilidade de negar a incidência da causa de diminuição de pena com base em ilações ou conjecturas. Precedentes. Percentual de redução de pena: 1/6 (um sexto). Admissibilidade. Fixação em atenção ao grau de auxílio prestado pelo paciente ao tráfico internacional. Ordem de habeas corpus concedida, para o fim de cassar o acórdão recorrido e restabelecer o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Federal. 1. É pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a natureza e a quantidade da droga constituem motivação idônea para a exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes. 2. Descabe afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 com base em mera conjectura ou ilação de que o réu integre organização criminosa. Precedentes. 3. O exercício da função de “mula”, embora indispensável para o tráfico internacional, não traduz, por si só, adesão, em caráter estável e permanente, à estrutura de organização criminosa, até porque esse recrutamento pode ter por finalidade um único transporte de droga. Precedentes. 4. O paciente, procedente da Venezuela, foi flagrado na posse de 2.596 g de cocaína no aeroporto de Guarulhos, no momento em que se preparava para embarcar em voo para a África do Sul, com destino final em Lagos, na Nigéria. 5. Correta, portanto, a valoração negativa do grau de auxílio por ele prestado ao tráfico internacional, na terceira fase da dosimetria, com a fixação do percentual de redução em 1/6 (um sexto). 6. Ordem de habeas corpus concedida, para o fim de se cassar o acórdão recorrido e de se restabelecer o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Federal, que redimensionou a pena imposta ao paciente para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa.” (HC 134597, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 28/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 08-08-2016 PUBLIC 09-08-2016) grifo nosso 

“Ementa: HABEAS CORPUS EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE COCAÍNA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O RÉU INTEGRE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 1. A causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não pode ser indeferida com apoio em ilações ou em conjecturas de que o réu se dedique a atividades ilícitas ou integre organização criminosa. 2. Sentença de primeiro grau que reconheceu, com apoio na prova judicialmente colhida, o preenchimento de todos os requisitos indispensáveis ao reconhecimento da minorante em causa. 3. Habeas Corpus extinto sem resolução de mérito por inadequação da via processual. 3. Ordem concedida de ofício para restabelecer a sentença de primeiro grau, no ponto específico.” (HC 111309, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 08-04-2014 PUBLIC 09-04-2014) grifo nosso

Razão assiste à Suprema Corte: não é correto o afastamento da causa de diminuição de pena em questão com base em mera conjectura ou ilação de que o réu se dedica a atividades criminosas ou de que tenha colaborado com suposta organização criminosa.

Em julgado recente, a Colenda Segunda Turma da Corte, ao apreciar habeas corpus de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, que também conduz o presente writ, assim entendeu: 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA. AFASTAMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATIVIDADE DE ‘MULA’. INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NÃO COMPROVAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. I – No crime de tráfico de drogas, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes e não se dedique a atividades ilícitas nem integre organização criminosa. II – A exclusão da causa de diminuição, prevista no § 4° do art. 33 da Lei 11.343/2006, somente se justifica quando indicados expressamente os fatos concretos comprovando que a denominada “mula” integre a organização criminosa. Precedentes. III – O Código Penal determina que o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto. Sendo o réu primário e com bons antecedentes, requisitos aferidos na sentença condenatória, não há motivos que impeçam a fixação do regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena. IV – Não é lícito ao Superior Tribunal de Justiça revolver fatos e provas para desconsiderar a classificação de tráfico privilegiado estabelecidas nas instâncias inferiores. V – Sendo o réu primário e com bons antecedentes, requisitos aferidos na sentença condenatória, não há motivos que impeçam a fixação do regime mais brando para o cumprimento inicial da pena. VI – Ordem concedida em parte.” (HC 139327, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017) grifo nossoA Corte Superior fez exatamente o que foi rechaçado pelo STF no julgado acima, ou seja, a partir da reconsideração de fatos, afastou a minorante concedida ao agravante.

Aliás, com a devida vênia, a própria decisão agravada demonstra claramente a necessidade de revolvimento fático-probatório para o afastamento da causa de diminuição da pena no caso em análise. Transcreve-se:

“Como se vê, a conclusão da dedicação do paciente ao tráfico ilícito de drogas, com participação em organização criminosa, não foi apoiada em meras ilações ou suposições, como se alega. No ponto, a Corte Superior de Justiça destacou as especiais circunstâncias em que o delito foi praticado, demonstrando a forma despretensiosa e ousada com que o paciente carregava 4kg de cocaína trazidos da Bolívia, os quais eram ocultados em um compartimento previamente ajustado dentro de sua bagagem de mão, e transportado por meio de um táxi boliviano. Esses aspectos, a meu sentir, destoam daqueles que normalmente são verificados quando a traficância é praticada pela primeira vez, sem maiores planejamentos. É dizer, esses elementos, de fato, demonstram a dedicação do paciente ao tráfico de drogas e a integração dele em organização criminosa.”

Ora, o procedimento narrado acima é o que usualmente acontece quando há transporte de droga, principalmente em âmbito internacional. A conduta do agravante não desbordou do que normalmente ocorre: acondicionamento, uso de mala, de meio de locomoção.

O tráfico internacional tem punição mais gravosa justamente por sua maior complexidade; por isso, considerar o acondicionamento, ou forma de transporte como participação grupo criminoso, além de demandar reexame de fato, vai de encontro à jurisprudência da Corte.

É de se ver, ademais, que o acórdão impugnado valorou a circunstância composta pelo binômio quantidade e natureza da droga tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria da pena, em desacordo com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Redução de prestação pecuniária em sede de habeas corpus

Redução de prestação pecuniária em sede de habeas corpus

 

A 1ª Turma do STF julgou e concedeu um habeas corpus que entendo tratar de assunto relevante e recorrente em nossa atuação.

No HC 139198, a DPU pedia que fosse reduzida a pena de prestação pecuniária, imposta após a conversão da pena privativa de liberdade em duas restritivas de direitos (prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade). O valor da prestação pecuniária foi fixado em R$ 5000,00. Foi destacado que o paciente recebia R$ 1200,00 mensais como ajudante de serviços gerais.

Transcrevo o acórdão do agravo regimental no AREsp 765.506 do STJ:

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias para reduzir o valor da prestação pecuniária com base nas condições econômicas do réu, demandaria, necessariamente, revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 7/STJ, que dispõe: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 2. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 765.506/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016)

A ordem foi concedida, nos termos abaixo transcritos (acórdão ainda não publicado):

“Decisão: A Turma, por maioria, não conheceu da impetração, mas concedeu a ordem, de ofício, para fixar a multa em um salário mínimo, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, Redator para o acórdão; vencido o Ministro Marco Aurélio, Relator, que presidiu este julgamento. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Primeira Turma, 6.11.2018.” grifo nosso

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 07/11/2018

A “mula” no tráfico de drogas e a fração obrigatória

A “mula” no tráfico de drogas e a fração obrigatória

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Quem já leu alguns de meus textos sabe que reiteradamente eu reclamo do excesso de decisões monocráticas, que impedem a sustentação oral, a discussão presencial dos julgadores e a presença das partes durante a prolação dos votos (os dois últimos em caso de julgamento virtual, regra geral atual).

Enfrento diariamente temas repetidos, comuns. Todavia, há muitos que fogem ao padrão, que têm aspecto peculiar distintivo que justificaria tratamento especial.

Uma de minhas dificuldades é escolher o que vale a pena agravar (pelas mais diversas razões que mereceriam texto próprio), a outra é como tirar esse agravo da vala comum, das centenas de feitos julgados rapidamente.

Abaixo, seguem as razões de um agravo interno apresentado recentemente (em 13/08/2018) em que questiono a fração obrigatória de 1/6 para a redução da pena, resultante da aplicação do §4º do artigo 33 da Lei de Drogas para a chamada “mula” do tráfico.

Constato, em minha atuação, que tal fator de redução tem sido usado quase que obrigatoriamente em se tratando de “mula”, o que me parece ser contrário ao princípio da individualização da pena.

Gostaria de ter chance de ler esses julgados todos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que invoco no texto e perguntar se realmente toda “mula” é igual.

Segue a fundamentação do recurso.

Brasília, 14 de agosto de 2018

 

 

Razões recursais (HC 157831/STF)

 

O presente agravo volta-se contra decisão monocrática que manteve e entendeu correta a fração mínima fixada para redução de pena no tráfico de drogas pelo qual foi condenada a agravante.

A defesa não desconhece o entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal no sentido de não haver direito subjetivo à redução máxima, mesmo quando preenchidos os requisitos cumulativos do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06; todavia, o que tem ocorrido, em verdade, em se tratando de pessoa considerada “mula” do tráfico é o posicionamento no sentido diametralmente oposto. Ou seja, essa simples condição vem sendo invocada para se impor a redução mínima de 1/6 (um sexto), restando desconsideradas outras circunstâncias. Há portanto, verdadeira tarifação na situação, o que afasta a individualização da pena no que concerne ao presente aspecto.

O caso em exame é propício à análise do tema, uma vez que a agravante portava pequena quantidade de droga, se considerado o tráfico internacional, mais caro para seu desenvolvimento. Mesmo assim, foi beneficiada com apenas 1/6 da redutora, fração que tem sido invocada em quase todos os casos assemelhados. Destaca-se que a paciente portava apenas 289,5 (duzentos e oitenta e nove vírgula cinco) gramas de cocaína.

O tráfico internacional tem punição maior que o tráfico local. Em suma, o legislador já tratou de piorar a situação daqueles que se envolvem com esse tipo de conduta. Não se descura que ele exige preparação maior, maior dispêndio. A discussão está em saber se a pessoa que simplesmente adere a uma estrutura já montada e que dela faz uso como peça descartável, substituível, merece sempre, independentemente de outras considerações, a redução em seu percentual mínimo.

A agravante, que até 1º de agosto de 2018, descontava sua pena em regime fechado – apesar de estar em regime semiaberto, sendo transferida nessa data, portava pequena quantidade de droga. Logo, não pode ser confundida com alguém experiente ou capaz de difundir grande volume de entorpecente (já considerado que o tráfico internacional movimenta quantidades maiores).

Assim, impende seja provido o presente agravo, sendo concedida a ordem à paciente, aumentando-se o percentual de 1/6 para a redução, uma vez que sua conduta não só não desbordou do que normalmente ocorre em casos assemelhados, mas, em verdade, ficou aquém pela quantidade. Deve ser afastada a dosimetria automática que chega à redução sempre igual, quando preenchidos os requisitos legais. Os julgados abaixo colacionados, provenientes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, confirmam o alegado, ou seja, preenchidos os requisitos legais (artigo 33, §4º da Lei 11.343/06), a redução será de 1/6, sendo desconsiderados outros fatores (são pródigos os resultados assemelhados aos ora apresentados):

 

“PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. AFASTAMENTO DE VIOLAÇÃO RECONHECIDA PELO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006, PARA QUE SEJA UTILIZADA A QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA EM APENAS UMA DAS ETAPAS DO CÁLCULO DA REPRIMENDA. NOVA DOSIMETRIA PENAL.

– Diante do comando emitido pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do Agravo em Recurso Especial nº 676.345/SP, determinou-se a realização de nova dosimetria da pena imposta ao acusado para afastar violação reconhecida ao art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, utilizando-se a quantidade de droga apreendida em apenas uma das etapas do cálculo da reprimenda.

– A norma inserta no art. 42 da Lei nº 11.343/2006 elenca circunstâncias que preponderam sobre as mencionadas no art. 59 do Código Penal quando da fixação da pena base, cabendo especial destaque a natureza e a quantidade de droga traficada.

– O acusado foi preso em flagrante delito na posse de 25 kgs de cocaína e mais de 1 kg de haxixe, o que ensejou a fixação de pena base, quando do julgamento do recurso de Apelação aviado pelo Ministério Público Federal, na casa de 08 anos de reclusão e 800 dias-multa, patamar este que até mesmo se encontra abaixo do que a 11ª Turma desta C. Corte Regional imporia para situações semelhantes à retratada nestes autos. Entretanto, ante a impossibilidade de se proceder para o fim de agravar a reprimenda imposta ao acusado pela existência de recurso da defesa que ensejou a anulação da dosimetria então executada (vedação à reformatio in pejus indireta), de rigor a manutenção da pena base nos mesmos níveis outrora delimitados.

– Deve ser mantido o assentamento da atenuante da confissão (no patamar de 1/6), até mesmo diante do fato de que o Parquet federal (único a interpor recurso de Apelação) não se insurgiu contra tal aspecto constante da r. sentença penal condenatória.

– Imperiosa a incidência da causa de aumento de pena elencada no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, na justa medida em que restou comprovado que o acusado recebeu a substância entorpecente no Paraguai e a transportava para São Paulo. Aplicação da fração ampliativa de 1/6.

– A causa de diminuição de pena elencada no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, prevê a possibilidade de redução de 1/6 a 2/3 da reprimenda para o agente primário, possuidor de bons antecedentes, que não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa. Há de se ressaltar, de início, que os fins econômicos do transporte de droga demonstram a existência de uma atividade ou de uma organização criminosa necessariamente subjacente. Diferente seria a hipótese daquele que transporta drogas para entregar a terceiros por questões divorciadas de qualquer sentido econômico, situação que, de plano, ensejaria a aplicação da causa de diminuição em questão.

– No caso em tela, é fato que o acusado aderiu de modo eventual às atividades da organização criminosa com o objetivo de efetivar o crime de tráfico de drogas que estava em curso quando de sua prisão em flagrante, mesmo que se considere que sua participação estava adstrita ao transporte da substância entorpecente. A discussão concentra-se, então, se existem elementos que indiquem seu pertencimento à organização criminosa, ou seja, diferenciar se tal adesão se deu de maneira absolutamente pontual e específica, ou, se ao contrário, denota-se participação com vínculo mínimo de estabilidade, conhecimento a respeito da organização e pertencimento ao grupo criminoso.

– O fato de ter aceitado prestar um serviço à organização criminosa, in casu, o transporte da droga, não significa, por si só, que o transportador seja um membro desta organização e, no caso concreto, não existem provas ou quaisquer indícios de efetivo pertencimento à organização criminosa. Os elementos constantes dos autos dão conta de que o acusado pode ser classificado como “mula”, pessoa contratada de maneira pontual com o objetivo único de efetuar o transporte de entorpecentes. Estas pessoas, via de regra, não possuem a propriedade da droga nem auferem lucro direto com a sua venda, não tendo maior adesão ou conhecimento profundo sobre as atividades da organização criminosa subjacente, limitando-se a transportar drogas a um determinado destino. Não existem dados, tampouco, de realização de outras viagens internacionais em nome do réu, o que também indica que sua atuação como “mula” ocorreu de forma esporádica e eventual, diferenciando-se do traficante profissional que se utiliza do transporte reiterado de drogas como meio de vida.

Mostra-se cabível, portanto, a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, que deve, entretanto, ser fixada no mínimo legal, ou seja, 1/6, e não na fração máxima prevista no dispositivo (2/3), nitidamente reservada para casos menos graves, a depender da intensidade do auxílio prestado pelo réu. In casu, o acusado atuou em favor de uma organização criminosa internacional, contribuindo, ainda que de maneira eventual, com suas atividades ilícitas. De fato, ao aceitar a proposta de transporte de drogas ao exterior, o réu tinha ciência de sua colaboração decisiva para o sucesso do grupo, em pelo menos dois continentes.

– Regime inicial de cumprimento de pena fixado no semiaberto. Impossível a substituição da pena corporal por restritivas de direito à míngua do preenchimento dos requisitos legais.

– Dado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, corrigindo, por força do comando exarado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, a dosimetria penal para fixar a reprimenda imposta ao acusado CRISTIANO DOS SANTOS LIMA em 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, e em 647 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.” (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA,  Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 52290 – 0002674-70.2011.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 24/07/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/08/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI DE DROGAS. FRAÇÃO MÍNIMA. TRANSNACIONALIDADE. REGIME INICIAL SEMIABERTO. INCABÍVEL SUBSTITUIÇÃO DA PENA.

  1. Autoria e materialidade demonstradas.
  2. Na primeira fase, justifica-se a fixação da pena acima do mínimo legal, em razão da quantidade e natureza da droga. Entretanto, à míngua de recurso da defesa para reduzir a fração de aumento, mantenho a pena-base conforme fixada na sentença, em 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.
  3. Na segunda fase, incide a atenuante da confissão espontânea e, da mesma forma, por não ter se insurgido a defesa, mantenho a pena intermediária conforme fixada na sentença, em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.
  4. O réu é primário e sem antecedentes criminais. Não há nos autos indícios satisfatórios de que integrasse organização criminosa ou fizesse do tráfico de drogas seu meio de vida. Faz jus, portanto, à redução de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração mínima de 1/6 (um sexto), considerando que as passagens aéreas e a hospedagem no Brasil foram custeadas pela pessoa que o contratou para o transporte da droga. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17). A pena resultante dessa redução é de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
  5. A transnacionalidade do delito está demonstrada. A versão apresentada pelo réu de que não pretendia embarcar com a droga, mas tão somente entregá-la a um desconhecido na fila do check-in não é crível e tampouco foi comprovada. Assim, majoro a pena em 1/6 (um sexto), do que resulta a pena de 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
  6. De ofício, estabeleço o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal, pois não há circunstâncias judiciais subjetivas desfavoráveis que justifiquem a fixação de regime mais gravoso.
  7. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchido o requisito previsto no art. 44, I, do Código Penal.
  8. Apelação desprovida. Fixado o regime inicial semiaberto de ofício.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 75249 – 0004467-80.2017.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 25/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, E 40, I, DA LEI N.º 11.343/06. 1.088 GRAMAS DE COCAÍNA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMOSNTRADAS. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA N. 231 DO STJ. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. FRAÇÃO MÍNIMA. TRANSNACIONALIDADE. REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PRISÃO PREVENTIVA. MANTIDA. PENA DE MULTA.

  1. Materialidade e autoria demonstradas.
  2. A natureza e a quantidade da droga são critérios importantes para a fixação da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme previsto no art. 42 da Lei n. 11.343/06. No caso, considerando que o acusado transportava 1.088g (mil e oitenta e oito gramas) de cocaína, é justificável a fixação da pena-base no mínimo legal, em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
  3. Na segunda fase, incide a atenuante da confissão espontânea; entretanto, observado o disposto na Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, a pena é mantida no mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
  4. O réu é primário e sem antecedentes criminais. Consta da certidão de movimentos migratórios apenas a entrada no País no dia 07.05.17, ou seja, três dias antes da prisão em flagrante (fl. 22). Não há nos autos indícios satisfatórios de que integrasse organização criminosa ou fizesse do tráfico de drogas seu meio de vida. Faz jus, portanto, à redução de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração mínima de 1/6 (um sexto), considerando as circunstâncias subjacentes à prática delitiva. No caso, a droga estava oculta em um fundo falso. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17). A pena resultante dessa redução é de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa.
  5. A transnacionalidade do delito majora a pena em 1/6 (um sexto), perfazendo a pena definitiva de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo.
  6. Estabeleço o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
  7. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, à míngua do preenchimento do requisito previsto no art. 44, I, do Código Penal.
  8. Subsistem os motivos para a manutenção da prisão preventiva, nos termos da sentença de fls. 139/154v., motivo pelo qual indefiro o pedido para recorrer em liberdade. Frise-se, contudo, que embora mantida a prisão preventiva, o réu deve ser incluído no regime semiaberto.
  9. Mantenho a condenação à pena de multa, uma vez que o preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343 /06 prevê sua aplicação de forma cumulativa com a pena privativa de liberdade. É facultado, contudo, o seu parcelamento, nos termos do art. 169 da Lei n. 7.210/84, a critério do Juízo da Execução.
  10. Apelos desprovidos.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 74691 – 0003684-88.2017.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 23/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI Nº 11.343/06. MATERIALIDADE INCONTROVERSA. AUTORIA PARCIALMENTE DEMONSTRADA. DOSIMETRIA. REVISÃO.

1- Materialidade delitiva que, além de incontroversa, foi demonstrada pela prova documental (auto de apreensão), pericial (laudos químicos) e pela prova testemunhal, tudo a confirmar que a substância apreendida na bagagem de uma das rés era cocaína, com massa líquida total de 13.450g (treze mil quatrocentos e cinquenta gramas), substância entorpecente cuja posse e transporte, entre outras condutas a ela relacionadas, são proibidos em território nacional (Portaria SVS/MS 344/98; Lei 11.343/06, art. 33, caput).

2- Consoante o artigo 40, I, da Lei n° 11.343/2006, é necessário somente que “a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito”, e não que haja a efetiva transposição de fronteiras entre os países, para que se reconheça o caráter transnacional da conduta. Hipótese em que a substância entorpecente foi apreendida na bagagem de uma das acusadas, já no Aeroporto Internacional de Guarulhos, momentos antes do embarque em voo com destino final em Moçambique.

3- Autoria que restou demonstrada apenas em relação a uma das acusadas. Circunstâncias que não permitem concluir de maneira inconteste pela participação de ambas na empreitada criminosa. Ante a fragilidade do conjunto probatório e da fundada dúvida, de rigor a absolvição com fundamento no artigo 386, VII, do CPP.

4- Dosimetria da pena. Revisão.

4.1- Redução da pena-base em atenção aos parâmetros fixados no âmbito deste órgão fracionário, considerando a quantidade a natureza da substância entorpecente apreendida.

4.2- Reconhecida a atenuante da confissão espontânea, pois a acusada, embora tenha afirmado não ter certeza do conteúdo das bolsas que levaria para Moçambique, confirmou em detalhes o desenrolar do iter criminis e assumiu o elemento subjetivo em sua conduta, ao menos, na modalidade do dolo eventual.

4.3- Reconhecida a incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, em sua mínima fração.

4.4- Fixado o regime semiaberto para início de cumprimento da pena, levando em conta que as circunstâncias judiciais não impõem a fixação de regime mais gravoso que a regra legal.

5- Apelo de uma das rés provido para reformar a sentença e absolver a acusada.

6- Apelo da segunda ré parcialmente provido, apenas para reduzir a pena imposta.” (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA,  Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 74152 – 0003291-66.2017.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 10/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, E 40, I E V, DA LEI N.º 11.343/06. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06.  UM SEXTO. TRANSNACIONALIDADE E TRÁFICO ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. AUMENTO MANTIDO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.

  1. Materialidade e autoria demonstradas.
  2. Dosimetria. Na primeira fase, justifica-se a fixação da pena-base no mínimo legal, em 5 (cinco) anos de reclusão, tendo em vista a quantidade e a natureza da droga apreendida, 2.073g (dois mil e setenta e três gramas), massa bruta, de cocaína.
  3. Na segunda fase, não se insurgem as partes contra a não incidência da atenuante da confissão espontânea. Ademais, observada a Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, a pena intermediária deverá ser mantida no mínimo legal, em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
  4. Na terceira fase, incide a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. O réu é primário e sem antecedentes criminais. Não há nos autos indícios satisfatórios de que integrasse organização criminosa ou fizesse do tráfico de drogas seu meio de vida. Contudo, dadas as circunstâncias subjacentes à pratica delitiva, consistentes na ocultação da droga em fundo falso, deve ser aplicado o redutor na fração mínima. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17). Faz jus, portanto, à redução da pena na fração mínima de 1/6 (um sexto), do que resulta a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa.
  5. Mantenho o aumento de 1/6 (um sexto) relativo às da causas de aumento do art. 40, I e V, da Lei n. 11.343/06. Anoto que a defesa não recorre para afastar a causa de aumento relativa ao exercício do tráfico entre Estados da Federação.
  6. Torno a pena definitiva em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo.
  7. Regime inicial semiaberto.
  8. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto não preenchido o requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal.
  9. Apelação provida em parte.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 74002 – 0011140-47.2016.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 19/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/03/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, C/C ARTIGO 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. PEDIDO DE PRISÃO AFASTADO. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE MANTIDA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA RECONHECIDA. REDUÇÃO DA FRAÇÃO DA BENESSE DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS. INTERNACIONALIDADE DELITIVA. REGIME INICIAL ALTERADO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENA DE MULTA REDIMENSIONADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

  1. Pedido de restabelecimento da prisão do réu não acolhido. Fatos que levaram à revogação da prisão preventiva inalterados. Preliminar rejeitada.
  2. Tráfico internacional de entorpecente. Prisão em flagrante. Apreensão de cocaína. Materialidade e autoria incontroversas.
  3. Condenação mantida.
  4. Dosimetria da pena.
  5. Pena-base mantida.
  6. Atenuante da confissão adequadamente reconhecida. Apesar do reconhecimento da atenuante, a reprimenda não foi reduzida, em observância ao que preceitua a Súmula 231, do STJ.
  7. Manutenção da causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, mas tão somente em 1/6.
  8. Causa de aumento do artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06 reconhecida. Majoração mantida em 1/6.
  9. Pena de multa redimensionada.
  10. Fixação do regime inicial semiaberto.
  11. Ausência dos requisitos para a substituição da reprimenda por penas restritivas de direitos.
  12. Recurso parcialmente provido.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 72846 – 0013419-82.2016.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 19/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/02/2018 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 33, CAPUT, C/C ARTIGO 40, I, DA LEI DE DROGAS. MATERIALIDADE E. AUTORIA DEMONSTRADA. DOSIMETRIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, §4, DA LEI DE DROGAS FIXADA EM PERCENTUAL COMPATÍVEL COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. DETRAÇÃO. REGIME INICIAL. PARCIAL PROVIMENTO.

  1. Materialidade e autoria demonstradas.
  2. Na primeira fase da dosimetria da pena, além das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, deve ser considerado preponderantemente, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, o grau de reprovabilidade da conduta, aferido pela nocividade e quantidade de tóxico que se buscou transportar.
  3. A qualidade e a quantidade do entorpecente apreendido, in casu, impedem que a pena-base seja fixada no mínimo legal. Pena-base mantida nos termos fixados na r. sentença.
  4. Conforme reconhecido em sentença, o réu tem direito à incidência da atenuante da confissão, pois, a despeito de ter sido preso em flagrante, confessou, em juízo, a autoria dos fatos a si imputados, o que inclusive foi usado para embasar a condenação. Mantida a aplicação da atenuante, fixando, contudo, a redução na fração de 1/6 (um sexto), patamar razoável para o caso.
  5. Da causa da diminuição 33, §4º, da Lei de Drogas. O réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Ademais, as circunstâncias do caso concreto não permitem concluir que o acusado dedicava-se à atividade de organização criminosa.
  6. É de se destacar que embora as “mulas” sejam indispensáveis à consumação do delito de tráfico internacional, a minorante prevista no art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006 presta-se justamente a individualizar a culpabilidade dentre as diversas formas de realização do tipo do delito de tráfico. A causa de diminuição deve ser aplicada no patamar mínimo de 1/6 (um sexto).
  7. A sentença aplicou a detração para fins de fixação de regime inicial de cumprimento de pena, que foi mantido inicialmente fechado, ao fundamento de circunstâncias judiciais desfavoráveis. 8. Considerado o critério quantitativo da nova pena imposta, as circunstâncias do caso em tela e o réu não reincidente, pondero ser suficiente aos fins de reprimenda, que seja modificado o regime inicial de cumprimento de pena para o semiaberto, em atenção ao disposto no artigo 33, § 2º, “b”, do Código Penal.
  8. A substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos não se mostra suficiente no caso concreto, sendo certo, ademais, que não estão preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.
  9. A detração, procedida em sentença, não alterou o regime inicial de cumprimento da pena, que já foi revisto para o regime inicial semiaberto e fica mantido.
  10. Apelação parcialmente provida, para alterar a fração de redução da atenuante da confissão espontânea para 1/6 (um sexto), aplicar a minorante prevista no art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/6 (um sexto) e fixar a pena em 6 (seis) anos e 27 (vinte e sete) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 520 dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 72290 – 0003196-24.2016.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 22/01/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/02/2018 ) grifo nosso

 

 

“PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PETIÇÃO FORMULADA PELA DPU. PRECLUSÃO. ASSOCIÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA QUE CONDENOU OS ACUSADOS. ABSOLVIAÇÃO POR FALTA DE PROVAS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDIMENSIONAMENTO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.

  1. Não se conhece da petição da Defensoria Pública da União (DPU) intitulada “complementação de apelação”, eis que operada a preclusão em sua modalidade consumativa.
  2. Para a configuração do crime de associação para o tráfico previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006 é indispensável a existência de vínculo associativo duradouro entre duas ou mais pessoas, firmado mediante acordo prévio, visando ao tráfico ilícito de drogas.

3.Não há prova convincente de que os acusados estariam associados para a prática do crime de associação para o tráfico de forma permanente. Pelas provas dos autos, o vínculo entre os acusados para a prática do crime foi transitório, caracterizando a hipótese de concurso de agentes.

  1. Sentença que condenou os acusados pela prática do delito previsto no art. 35 c.c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 reformada. Absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
  2. Crime transnacional de drogas. Materialidade e autoria comprovadas. O juízo ao fixar a pena-base levou em conta a quantidade individual da droga transportada/ingerida por cada um dos réus: 72 (setenta e duas) cápsulas, totalizando 1.049 g de cocaína; 78 (setenta e oito) cápsulas, totalizando 1.078 g de cocaína e 71 (setenta e uma) cápsulas, totalizando 1.004 g de cocaína, respectivamente.
  3. Dosimetria. Redução da pena-base de dois dos apelantes para o mínimo legal e, de outro, para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, haja vista ostentar maus antecedentes.
  4. Aplicação da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d”). Incidência da Súmula 231 do STJ.
  5. Aplicação da causa de aumento de pena na fração de 1/6 (um sexto), tendo em vista que foi comprovado que a droga era proveniente do exterior (Bolívia).
  6. Aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/6 (um sexto), relativamente a um dos réus.
  7. Afastamento, de ofício, da agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal e da causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006.
  8. Fixado o regime semiaberto para início do cumprimento das penas privativas de liberdade.
  9. Não é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por falta do requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal.
  10. Recursos da defesa parcialmente providos.” (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 70448 – 0000375-05.2016.4.03.6116, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 28/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/12/2017 ) grifo nosso

 

 

“PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, E 40, I, DA LEI N.º 11.343/06. 6.239G DE COCAÍNA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO § 4º, DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. REDUÇÃO EM 1/6. TRANSNACIONALIDADE. AUMENTO EM 1/6. REGIME INICIAL SEMIABERTO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. HC N. 126.292 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS.

  1. Materialidade e autoria demonstradas.
  2. A natureza e a quantidade da droga são critérios importantes para a fixação da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme previsto no art. 42 da Lei n. 11.343/06. No caso, considerando que o acusado transportava 6.239g (seis mil, duzentos e trinta e nove gramas) de cocaína, é justificável a fixação da pena-base acima do mínimo legal, a qual mantenho em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa, ante a ausência de recurso da defesa para reduzi-la.
  3. Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.
  4. Na terceira fase, incide a diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, dado que estão preenchidos os requisitos legais cumulativos. Não há registro nos autos de que o réu possua antecedentes criminais, tampouco indícios satisfatórios de que integre efetivamente organização criminosa ou faça do tráfico de entorpecentes seu meio de vida, tornando possível identificá-lo como transportador ocasional. A fração de redução a ser aplicada no caso, porém, deve considerar as circunstâncias subjacentes à prática delitiva, consistentes, no fato de que a droga estava oculta em fundos falsos, dificultando, assim, a sua localização. A redução, por conta disso, será no mínimo de 1/6 (um sexto), do que resulta a pena de 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.
  5. Considerando que a transnacionalidade do delito está demonstrada e é normal à espécie, bem como é a única causa de aumento aplicável dentre as previstas no art. 40 da Lei n. 11.343/06, mantenho o aumento em 1/6 (um sexto), perfazendo a pena definitiva de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo.
  6. Estabeleço o regime inicial semiaberto, consoante o disposto no art. 33, § 2º, b, c. c. o art. 59 do Código Penal.
  7. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, à míngua do preenchimento do requisito previsto no art. 44, I, do Código Penal.
  8. Em Sessão Plenária, o Supremo Tribunal Federal, em 17.02.16, firmou o entendimento, segundo o qual “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”.
  9. Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII) a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário.
  10. A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as vias ordinárias.
  11. Apelo parcialmente provido.” (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. – APELAÇÃO CRIMINAL – 71634 – 0006936-36.2016.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 20/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/09/2017 ) grifo nosso

 

 

Conforme se constata dos julgados acostados acima, todas as reduções provenientes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região são em montante mínimo, 1/6, o que ofende o mandamento constitucional da individualização da pena. As ementas indicam quantidades e qualidades distintas de droga, que, portanto, deveriam merecer tratamento diferenciado na fixação da pena.

Como destacado, no caso em análise, a quantidade de droga supostamente transportada pela agravante é pequena (289,5 gramas de cocaína), pelo que deve ser conferida a ela redução mais generosa.

Outro argumento que deve ser refutado é o de que a percentagem escolhida da redutora decorreria da organização para tráfico internacional e sua movimentação. Mais uma vez, calha refutar tal fundamento, pois, as condições, as estruturas, os modos de se traficar, bem como o poderio das organizações, variam enormemente, o que também seria contraditório com a imposição de uma única fração. Além disso, a mula, reconhecida como pessoa que tem participação esporádica no negócio da organização, dela não fazendo parte, submete-se ao que lhe é imposto, não sendo raros documentários de televisão que mostram as ameaças sofridas por quem, após aliciado, tenta discordar de qualquer ordem.

Assim, se por um lado não faz jus a mula à redução máxima de forma apriorística por sua mera condição; por outro, a aplicação obrigatória da fração mínima é também incabível, por divorciar-se do caso concreto e da individualização da pena.

Portanto, deve ser provido o recurso para que seja concedida a ordem com a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06, em percentual maior, bem como de seus consectários, a saber, a substituição da pena e a fixação do regime correspondente.