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De maneira direta

De maneira direta

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Vou colocar as coisas de maneira simples e direta.

Acompanho, de forma próxima, as decisões do STF e do STJ, as alterações legislativas, as manifestações de muitos membros das diversas carreiras jurídicas, as opiniões dos jornalistas.

Vejo manifestações na seara penal, umas mais, outras menos favoráveis ao rigor.

Há quem se torne torcedor desse ou daquele julgador, de uma ou outra tese, como se eles fossem capazes de resolver todos os problemas do Brasil.

Sou menos maniqueísta. Consigo enxergar e entender posições distintas e respeitá-las. Excessos e radicalismos, confesso, me incomodam, mas, quase sempre, deixo passar.

Todavia, existe uma coisa que me chateia e muito, e acho que isso permeia quase todas as minhas manifestações sobre os processos que acompanho na Defensoria Pública da União: a seletividade.

Sempre que eu avalio um julgador, um entendimento, ou que alguém me pergunta o que eu acho do Ministro A ou B, eu faço essa ponderação mental.

Respeito os mais severos e os mais libertários, desde que haja coerência, o que, muitas vezes, não acontece.

Certas contradições então são muito consolidadas, sendo endossadas por quase todos os julgadores, praticamente sem questionamento.

Definitivamente, não compreendo a eleição de alguns crimes como os mais graves do mundo em detrimento de outros que, em meu sentir, são bem mais danosos e geram poucas consequências para seus autores. Exemplo clássico disso é a comparação entre o pequeno descaminho e a sonegação fiscal. Outro exemplo está no rigor com que se invocam a hierarquia e a disciplina para um rapaz que presta serviço militar obrigatório e fumou maconha; severidade que não aparece ao se julgar um político que surrupiou milhões dos cofres públicos. Ah, o uso de maconha pelo jovem conscrito ofende as Forças Armadas. E o uso de um alto cargo político para “roubar” (roubar aqui em sentido leigo, não só em termos de crime, mas de quem gasta dinheiro público de forma desmedida), não ofende a administração pública do país?

Quando questiono isso, sempre ouço duas respostas: um crime não justifica o outro e não há como comparar. Sim, um crime não justifica o outro e, por enquanto, vamos punindo apenas algumas classes de pessoas. E realmente não há como comparar, sendo um crime de um político bem mais grave que um furto de gêneros alimentícios, por exemplo. Ah, mas seu assistido já furtou outras 3 vezes, é reincidente. Responda rápido: por que políticos com mais de 10 inquéritos nunca se tornam reincidentes?

Mesmo quando o bem jurídico protegido é o mesmo ou próximo, as coisas são diferentes. Recentemente, perdi alguns habeas corpus no STF em que pescadores foram flagrados com material de pesca em época de defeso, mesmo que ainda não tivessem retirado uma espécie sequer da água. Seguindo esse rigor, imagino que os responsáveis pelo desastre de Mariana estejam condenados a anos de prisão em regime inicial fechado. Acertei?

Pois é. Eis o que me incomoda.

Brasília, 28 de outubro de 2017

Seletividade

Seletividade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Estava preparando um texto um pouco mais longo, que talvez divulgue depois. Todavia, após ler uma notícia publicada no jornal Folha de São Paulo, de 14 de novembro de 2016, informando que em 96,5% das ações penais movidas contra congressistas não houve qualquer punição ao acusado[1], faço questão de comentar três habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União perante o STF com que tive contato, apenas nos últimos dias, tratando da aplicação do princípio da insignificância ao delito de furto.

HC 137.838 – o paciente desta impetração foi acusado de furto simples, na forma tentada, de uma peça de picanha no valor de R$ 40,80. Foi condenado a 9 meses de reclusão em regime semiaberto por ser reincidente. O Ministro Teori Zavascki concedeu a liminar para colocá-lo em regime aberto até o julgamento final do writ, ainda pendente.

RHC 137.411 – o recorrente neste caso foi acusado da suposta prática de furto simples tentado de uma bolsa contendo R$ 30,00. Foi condenado à uma pena de 1 ano, 5 meses e 10 dias, no regime inicial semiaberto. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pelo desprovimento do recurso – Dra. Cláudia Sampaio Marques. O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do recorrente.

HC 136.286 – o paciente no caso foi acusado da suposta prática de furto simples, na forma tentada, de dois pares de chinelo no valor de R$ 30,00 de um supermercado, sendo abordado, na saída pelos seguranças do estabelecimento. Foi condenado a 9 meses e 10 dias de reclusão no regime inicial semiaberto, sendo ele reincidente. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pela denegação da ordem – Dra. Cláudia Sampaio Marques.  O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, denegou a ordem de habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do paciente.

Vejam os 3 casos. Furtos tentados nos valores de R$ 40,80, R$ 30,00 e R$ 30,00. Crimes sem violência ou ameaça, bens restituídos.

Agora, leiam as notícias sobre os detentores de foro privilegiado, também chamado de “por prerrogativa de função”.

Sim, são situações diferentes, mas me parece – talvez seja equívoco meu – que o rigor é maior com o mais pobre, que praticou conduta ínfima.

Ah, mas são reincidentes! Só podem ser reincidentes por terem sido julgados algum dia. Se os processos tramitassem por anos, seriam primários.

Você agravou nos dois casos com decisão definitiva? Não. Eles seriam julgados no Plenário virtual sem que eu, ao menos, pudesse sustentar.

Ah, mas quem pratica vários furtos tem mesmo que ser julgado e condenado. Pena que, ao que me parece, essas pessoas são as que mais são julgadas e condenadas… O caso do bombom – lembram-se? – é bem mais comum do que parece.

Não sou abolicionista, mas precisamos repensar nosso sistema. E meros discursos contra o encarceramento não vão resolver.

Devemos aumentar o rigor? Que tal começarmos com os graúdos? De qualquer modo, excessos não me agradam, preciso dizer para concluir.

Brasília, 15 de novembro de 2016

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1832077-prescricao-atinge-um-terco-de-acoes-contra-politicos-no-supremo.shtml

STF mantém ação penal contra Calheiros

STF mantém ação penal contra Calheiros

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Primeira Turma do STF denegou, em sessão realizada em 20 de setembro de 2016, a ordem no HC 125721, em que figura como paciente G. M. Calheiros.

Buscava-se o trancamento da ação penal movida em desfavor do paciente, acusado da suposta prática de furto, qualificado pelo concurso de pessoas, de um capacete no valor de R$ 170,00. O bem foi recuperado e devolvido à vítima.

A ironia da vida às vezes é implacável, dispensando grande elucubração.

Ao se ler o título, poder-se-ia imaginar importante figura da República que responde a não sei quantos inquéritos perante a Suprema Corte. Todavia, que eu saiba, os procedimentos contra este ainda não foram apreciados.

Eu vivo dizendo que a Justiça penal é completamente seletiva. Para o primo pobre, que furtou um capacete, devolvido, ela veio rapidinho. Sem surpresa da minha parte.

Brasília, 20 de setembro de 2016