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O STF se arrependeu?

O STF se arrependeu?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O Plenário do STF proferiu, em anos recentes, várias decisões importantes no que concerne ao tráfico de drogas. Cito algumas pertinentes ao que exporei no texto:

HC 97256 – permitiu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico de drogas;

HC 111840 – permitiu que o cumprimento de pena se inicie em regime mais brando que o fechado no tráfico;

HC 104339 – considerou inconstitucional a vedação à liberdade provisória no tráfico.

Todavia, em casos em que tenho atuado recentemente, a maioria deles emanados de Ministros da 2ª Turma do STF, que, desde que comecei a atuar na Corte, tinham visão mais favorável aos assistidos da Defensoria, o rigor tem crescido sensivelmente, sendo invocadas circunstâncias absolutamente normais ao tráfico de drogas para se repristinar as vedações absolutas afastadas nos julgados acima mencionados.

Quantidades pequenas de droga, seu acondicionamento, o fato de a pessoa ter corrido na hora da prisão, de ser cocaína, quase tudo tem impedido a substituição da pena, a concessão de liberdade ao acusado, a fixação do regime inicial aberto.

Poderia ficar aqui enumerando vários habeas corpus denegados monocraticamente tratando do tema em questão, mas vou me limitar àquele em que trabalho agora, o HC 146570, de relatoria do Ministro Celso de Mello, em que foi negada a substituição de pena no tráfico privilegiado para pessoa flagrada com 32,28g de cocaína. Bem, se acusado que preenche os requisitos cumulativos do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado) não tem direito à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, devo concluir que ela não existe mais, pois, simplesmente alegar que a pena substituída não é suficiente não é fundamento, com o devido respeito.

Pior, tais decisões são tomadas de forma monocrática (o último HC ou RHC da DPU julgado de forma colegiada pela 2ª Turma do STF sem a necessidade de agravo foi apreciado em agosto de 2017), o que impede a sustentação oral.

Na verdade, o que sinto é a volta da gravidade em abstrato, o que, na prática, iguala os desiguais, situação que foi sempre muito criticada antes das decisões do STF que abrem o texto. Estamos voltando ao que era antes, infelizmente.

Brasília, 15 de novembro de 2017

 

Um resumo das minhas reclamações

Um resumo das minhas reclamações

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Considero o RHC 147044, desprovido monocraticamente pelo Ministro Dias Toffoli, uma ótima síntese de várias dos questionamentos que tenho feito quanto à postura do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos habeas corpus e dos recursos ordinários em habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União.

O recorrente foi condenado pela suposta prática do chamado tráfico privilegiado a 2 (dois) anos de reclusão no regime inicial semiaberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade.

O mencionado recurso buscava obter a concessão do regime aberto para o início do desconto da pena e a substituição da pena imposta pela restritiva de direitos.

O assistido da Defensoria, atendido pela Defensoria Estadual de Santa Catarina e pela DPU, foi acusado de possuir, para venda, 10 gramas de cocaína (segundo informação do Desembargador relator, pois, pelo laudo pericial, entendi que seria até menos). Foi reconhecido como primário e possuidor de bons antecedentes, tanto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, sendo aplicada, na 3ª fase, a redutora do §4º do artigo 33 da Lei 11.343.06 na fração de 3/5.

A vedação do regime mais brando, bem como da substituição, deu-se, exclusivamente, com base na natureza da droga apreendida, reitera-se: cocaína.

O pedido da Defensoria encontra esteio em dois julgados emanados do Plenário do STF:

HC 97256, rel. Min. Ayres Britto. Foi reconhecida a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos no crime de tráfico de drogas.

HC 111840, rel. Min. Dias Toffoli. Foi reconhecida a possibilidade de se iniciar o cumprimento de condenação por crime hediondo ou equiparado em regime mais brando que o fechado.

Ao ler os julgados acima, bem como outros diversos que seguiram os precedentes, não notei qualquer vedação à sua aplicação quando a acusação é de tráfico de cocaína.

Por isso, com a devida licença, a posse de 10g de cocaína não me parece ser justificativa suficiente para obstaculizar a substituição da pena e o regime inicial mais brando.

Por fim, surge aqui minha última insatisfação: o julgamento monocrático. Claro que agravei da decisão singular, mas não terei como sustentar oralmente o recurso. Não me parece ser o entendimento esposado pelo relator tema consolidado, ao contrário, parece ir de encontro aos precedentes do Plenário do STF. Repiso: paciente primário, sem antecedentes, quantidade ínfima de droga, tanto que reduzida a pena para 2 (dois) anos. Gostaria de ser ouvido, o que não será possível.

Essas situações, em meu sentir, servem para aumentar a insegurança jurídica e o volume de processos. Fosse o recurso ordinário julgado na Turma, eu me conformaria com o resultado, ainda que dele discordasse, da decisão monocrática só me restou agravar.

Brasília, 10 de outubro de 2017

 

 

Contravenção penal e substituição da pena

Contravenção penal e substituição da pena

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Compartilho, para quem estuda o tema, meu roteiro de sustentação oral no HC 132342, julgado e concedido pela 2ª Turma do STF na sessão de 30/08/2016.

Sequer cheguei a sustentar a impetração, pois, tão logo assomei à tribuna, o Ministro Dias Toffoli, relator, avisou que estava concedendo a ordem, pelo que abri mão da minha manifestação oral.

Após concedido o habeas corpus, o tema parece simples e indiscutível, mas, em minha opinião, não era bem assim.

 

HC 132342

O paciente foi condenado pela suposta prática de contravenção – vias de fato – a 20 dias prisão simples, por episódio ocorrido no âmbito de relação familiar.

A pena privativa de liberdade no regime aberto foi substituída pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pela restritiva de direitos.

O STJ proveu recurso ministerial para restabelecer a pena corporal.

Inicialmente, importa lembrar que o artigo 44 do Código Penal veda a substituição da pena para crimes praticados com violência ou grave ameaça. As contravenções não estão inseridas na vedação, sendo a extensão indevida na seara do Direito Penal, em obediência ao princípio da legalidade estrita.

Não se desconhece, todavia, o precedente firmado pelo Plenário do STF, no HC 106.212, em que a vedação da aplicação dos dispositivos da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi estendida também às contravenções penais, por unanimidade.

Por sua vez, a ADI 4424 entendeu que a ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica é pública incondicionada.

Ambos os precedentes, HC 106.212 e ADI 4.424, indicam preocupação em se proteger a mulher, seja dispensando a representação, seja afastando os institutos despenalizadores da Lei 9099/95.

Já no caso do HC 132.342 a situação é distinta, já tendo sido imposta condenação em desfavor do paciente, recaindo a discussão tão somente sobre a forma de execução dos 20 dias de pena fixados.

Além da legalidade estrita, considerando-se que a vedação refere-se somente aos crimes e não às infrações penais em geral, a impossibilidade de substituição ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, principalmente em um país com graves problemas em seu sistema prisional, reconhecidos em recentes julgados da Suprema Corte.

O voto condutor do Ministro Gilmar Mendes no RE 641.320 observou que 17 Estados da Federação não possuem regime aberto para o cumprimento de pena.

Por sua vez, a súmula vinculante 56, recentemente editada, vedou a colocação do preso em regime mais gravoso que o da condenação.

No exame da cautelar na ADPF 347, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros em decorrência da violação massiva dos direitos fundamentais.

Em suma, não há sentido em se colocar uma pessoa condenada a 20 dias a prisão simples nessa condição.

Pior ainda, parte da doutrina defende que tal conduta sequer deveria ser tipificada pelo Direito Penal, a ser invocado apenas em ofensas mais relevantes.

No habeas corpus em questão já há imposição de pena, não questionada na impetração. A discussão trazida diz respeito apenas à forma de execução da pena fixada, em NADA enfraquecendo a proteção à mulher, sem deixar, contudo, de se observar a legalidade e a razoabilidade em favor do paciente.

Brasília, 2 de setembro de 2016