Mais um caso
Desde os primeiros atendimentos que eu e os colegas da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal fizemos das pessoas presas em razão dos atos de 8 de janeiro de 2023, ficou claro que entre os presos havia pessoas de todos os tipos, e, entre elas, muitos muito pobres e outros com nítidos problemas mentais, ou com ambos.
Infelizmente, todas foram colocadas praticamente na mesma situação, sendo oferecidos dois grupos de denúncias inicialmente, um para aqueles que foram à Praça dos Três Poderes, mais grave; um para os que ficaram no acampamento, mais leve.
O que cada um fez, individualmente, foi ignorado, bem como a condição da pessoa e o que a levou até aquele local. Infelizmente é preciso lembrar: estamos falando de direito penal…
O problema é que essa postura da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo STF, colocou pessoas diferentes, com condutas diferentes, em situação igual, o que é sempre causador de injustiça.
Os processos tramitaram e, a esta altura, já há absolvições, acordos de não persecução firmados, condenações definitivas.
Trato hoje de mais um desses casos. Não vou citar o nome, nem colocar o número do processo, quero contar a história da pessoa, para, com meu trabalho de formiguinha, provocar reflexão.
O rapaz do caso veio do interior da Bahia. Era vendedor ambulante na cidade dele, aproveitando a aglomeração do acampamento local para vender seu produto.
No dia da viagem para Brasília, foi convidado para vir passear. Aceitou, foi preso.
Logo no primeiro contato, o colega que o atendeu observou: ele tem problema, nitidamente.
Pedimos a liberdade dele. A mãe nos forneceu vários documentos médicos demonstrando seu longo acompanhamento.
Entrei em contato diversas vezes com o gabinete e, no dia em que saiu a decisão de soltura, descobri que a família tinha acabado de constituir advogado. Outro levaria a fama pelo nosso esforço, mas tudo bem.
Passado algum tempo, ele voltou a ser nosso assistido.
Pedimos a instauração do incidente de insanidade, o que foi deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes em abril de 2024. Alguns dias depois foi expedido ofício para a Vara Criminal da comarca da cidade do assistido.
Dias atrás, vi pelo sistema e-push do STF (sistema eletrônico de informação processual) que tinha havido movimentação no caso. Sou curioso, fui conferir.
Era a resposta do juízo que recebeu o ofício para realizar o exame de sanidade. Dela constam algumas informações importantes:
“Vale ressaltar que, além disso, consta no relatório que no momento da escuta, o Sr. XXXXX apresentou falas desorganizadas, demonstrando comprometimento do seu estado de saúde mental.” (funcionário responsável pelo equipamento de monitoração)
A outra parte importante é que, ao responder o ofício, em 11 de fevereiro de 2025, o juízo da Comarca informou que:
“(…) até o momento não foi a perícia realizada.
(…)a fim de que tenha ciência da atual situação do denunciado e não realização do exame indicado para adoção das providências que entender necessárias.”
Em suma, passados mais de 9 meses do deferimento da realização do exame de sanidade do assistido, ele ainda não ocorreu.
O rapaz continua lutando para cumprir as cautelares, que permanecem. Espero que não seja preso.
Esse é mais um caso.
(e é por isso que eu bloqueio em rede social quem não tem empatia e não assistido canal de televisão com uma versão só)
Brasília, 15 de fevereiro de 2025
Gustavo de Almeida Ribeiro