Decisões quase colegiadas
Gustavo de Almeida Ribeiro
Mais de uma vez já questionei a postura atual da maioria dos Ministros do STF em julgar de forma monocrática grande parte dos habeas corpus e recursos ordinários em habeas corpus que tramitam na Corte.
Posso dizer, com nove anos de atuação perante o Tribunal, que até pouco tempo atrás, não era assim.
No começo de minha atuação pela Defensoria Pública da União perante o STF, em 2007, tínhamos bem menos feitos em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Com o passar o tempo, devido ao crescimento da carreira, além dos processos oriundos de algumas Defensorias Estaduais que patrocinamos perante os Tribunais Superiores, o número foi crescendo bastante.
Assim, houve sessão em que foram julgados dezoito HCs/RHCs da DPU pela Segunda Turma do STF, que eu acompanho mais de perto. A regra, claro, não era essa quantidade, mas uns oito ou dez processos era uma quantia bem frequente.
As Defensorias foram ocupando cada vez mais tempo e espaço nos trabalhos da Suprema Corte com seus inúmeros habeas corpus. Nesse ínterim, para imprimir maior celeridade a alguns feitos que muito demoravam a serem julgados, o Tribunal alterou seu regimento, passando processos que antes eram da competência do Plenário para as Turmas, como, por exemplo, as extradições e, um pouco depois, os inquéritos e as ações penais originárias.
A soma dos fatores acima resultou na cada vez maior utilização das decisões monocráticas nos remédios constitucionais, situação que chegou ao extremo na atualidade.
A DPU continua impetrando inúmeros habeas corpus, mas hoje, quando muito, tem um ou dois julgados em cada sessão da Segunda Turma.
Aparentemente, a interposição de agravo interno solucionaria o problema, uma vez que tornaria colegiada a decisão. Se na teoria é verdade, na prática está longe de ser a mesma coisa.
Muitas vezes, os agravos internos são julgados em intermináveis listas, misturados a feitos de todas as naturezas.
Em segundo lugar, não permitem sustentação oral, ato fundamental em alguns processos. Com o tempo que tenho de atuação perante o STF, os Ministros já sabem que nunca me prestei a sustentar qualquer coisa, repetindo a mesma fala incansavelmente. Ouvi de funcionários do Tribunal que minhas sustentações são ouvidas justamente por eu não cansar a Corte com temas repetitivos. Aprendi a respeitar a jurisprudência consolidada, mesmo que contrária ao entendimento da DPU, por saber ser a insistência perda de tempo e, pior, de credibilidade.
Minha experiência demonstra inequivocamente que agravo interno e julgamento colegiado com sustentação oral (ou mesmo sem, mas do habeas corpus em si e não do agravo) são situações completamente distintas.
Não tenho como fazer prova negativa, mas, salvo engano, com exceção de retratações exercidas pelo próprio Ministro relator, não me lembro de ter ganhado um agravo interno sequer na Turma – o máximo que consegui foram votos favoráveis e perder por três a dois.
Por outro lado, inúmeras vezes, ganhei HCs/RHCs em que proferi sustentação oral, mesmo contra o voto do relator (RHC 126763, HC 103310, RHC 122469, HC 120624, HC 114060, HC 108373, HC 110118, HC 95379, entre outros).
Os exemplos acima parecem demonstrar de forma clara que o agravo interno nem de longe é a mesma coisa que o julgamento colegiado em que não houve apreciação prévia do relator sobre a causa, piorada a situação por aquele sequer permitir a sustentação oral.
Há mais. Em inúmeras oportunidades em que o writ é decidido de forma monocrática, invoca-se a existência de jurisprudência consolidada do STF. Nem sempre é o que se verifica. Só para ficar em tempo recente, fui obrigado a interpor alguns agravos internos, um deles para discutir matéria então afetada ao Plenário, justamente para consolidar a jurisprudência então dividida da Corte, e outros para impugnar decisões monocráticas proferidas em tema que ainda pendia de julgamento, interrompido mais de uma vez por sucessivos pedidos de vista. Em suma, não havia, com a devida licença, nada consolidado quando proferida a decisão singular.
Prossigo. Muitas das vezes, quando se cogita da proposição e edição de súmula vinculante em matéria penal, ouve-se o argumento de que as questões fáticas, as nuances de cada caso impediriam a criação de um enunciado geral. Concordo, em parte. Há temas de direito, mas outros que realmente têm que ser resolvidos casuisticamente. A aplicação do princípio da insignificância talvez seja o melhor exemplo da dificuldade em se estabelecer uma posição apriorística. Ora, esse mesmo raciocínio deve valer então para se evitar, em casos que fujam à mera matéria de direito, a decisão monocrática. Como mencionado acima, o agravo interno não tem nem parte do alcance e da força de um julgamento inicialmente colegiado. Ou seja, se alguns temas são muito casuísticos para a edição de súmula vinculante, a mesma lógica vale para o julgamento singular. O que acaba ocorrendo é que o resultado do feito torna-se uma espécie de loteria a depender do Ministro relator e de seu entendimento.
Para reforçar o agravo, procuro ofertar memoriais e despachar junto ao gabinete, mas a profusão de processos da DPU nem sempre permite essas medidas. Além disso, muitas vezes o feito aguarda meses até ser julgado, ficando o trabalho solto no meio de tanta coisa relevante apreciada pela Corte. A sustentação oral é imediata, olho no olho.
Das inúmeras questões levantadas acima, vem minha grande preocupação com o julgamento monocrático de quase todos os habeas corpus ou recursos ordinários em habeas corpus ajuizados pela DPU atualmente.
Sinto-me de mãos amarradas, pois minha experiência me ensinou que alguns detalhes só ganham vida quando agitados da tribuna ou, pelo menos, em um julgamento com ampla discussão.
Ainda não sei o que fazer.
Brasília, 13 de março de 2016