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Mudança jurisprudencial e revisão criminal

Mudança jurisprudencial e revisão criminal

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do STF decidiu, ao julgar o agravo interno no HC 153805, reafirmando entendimento que já prevalecia, reconheço, que mudança na jurisprudência não dá ensejo à revisão criminal.

Calha transcrever a ementa:

 

“EMENTA Agravo regimental em habeas corpus. Processual Penal. Pedido de revisão criminal em razão de mudança jurisprudencial. Inadmissibilidade. Precedentes. Regimental não provido. 1. ”A inadmissão da Revisão Criminal em razão de meras variações jurisprudenciais, ressalvadas situações excepcionais de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais (inclusive incidenter tantum), é historicamente assentada por esta Corte (RE 113601, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 12/06/1987; RvC 4645, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 01/04/1982)” (RvC nº 5.457/SP-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 11/10/17). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (HC 153805 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 16-10-2018 PUBLIC 17-10-2018)

 

Foram enumeradas duas situações excepcionais em que a revisão seria possível: a abolitio criminis, que, em meu sentir, sequer poderia ser considerada mudança jurisprudencial, mas mera retroatividade de lei penal mais benéfica, e a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais.

Todavia, penso que questões de natureza eminentemente jurídicas, em que as circunstâncias fáticas tenham pouca ou nenhuma interferência para distinguir um caso de outro, deveriam também permitir a utilização da revisão criminal.

Tenho um exemplo surgido da minha atividade profissional que demonstra de forma clara como o entendimento prevalecente no STF pode gerar decisões discrepantes.

A Lei de Drogas prevê, em seu artigo 40, III, aumento de pena para aquele que praticar tráfico em transporte público.

Houve um tempo em que os tribunais entendiam que a mera utilização do transporte público para deslocamento, ainda que sem qualquer oferta de venda durante o trajeto, ou sem exposição da mercadoria, bastaria para a incidência da mencionada majorante:

 

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE PÚBLICO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. NATUREZA. PROGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. PREJUÍZO À IMPETRAÇÃO, NO PONTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A utilização do transporte público como meio para a prática do tráfico de drogas é suficiente para o reconhecimento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, porque a majorante é de natureza objetiva e aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator. Precedente. 2. O Plenário do Supremo Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade da vedação contida nos art. 33, § 4º, e 44 da Lei 11.343/06, não admitindo seja subtraído do julgador a possibilidade de promover a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos quando presentes os requisitos inseridos no art. 44 do Código Penal. 3. A progressão de regime já deferida à Paciente torna prejudicada, no ponto, a impetração. 4. Ordem parcialmente concedida, prejudicado o pedido de progressão de regime.” (HC 109411, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011) grifo nosso

 

Posteriormente, os tribunais alteraram seu entendimento para que a mencionada causa de aumento só fosse aplicada quando o acusado se utilizasse da aglomeração gerada pelo transporte público para vender sua droga, ficando afastado o mencionado inciso III, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a pessoa apenas fizesse uso do transporte para seu deslocamento, sem qualquer oferta aos demais usuários do serviço:

 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI DE DROGAS (TRANSPORTE PÚBLICO). NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO. VIABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. 2. O acórdão impugnado restabeleceu o regime inicial fechado imposto pelo magistrado de primeiro grau em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis do art. 59 do CP (quantidade de droga). Assim, não há razão para reformar a decisão, já que, na linha de precedentes desta Corte, os fundamentos utilizados são idôneos para impedir a fixação de um regime prisional mais brando do que o fixado no acórdão atacado. 3. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal (= pena não superior a 4 anos), as instâncias ordinárias concluíram que a conversão da pena não se revela adequada ao caso, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (= quantidade da droga apreendida). Precedentes. 4. Ordem concedida, em parte, apenas para afastar a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006.” (HC 119811, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-2014) grifo nosso

 

A mudança apontada acima, quanto à causa de aumento, tema que não exige qualquer dilação probatória mais aprofundada e que não encontra obstáculos em pormenores fáticos, parece demonstrar que não há qualquer sentido em se afastar a possibilidade de ajuizamento de revisão criminal em razão da invocação de jurisprudência vetusta, que merece nova reflexão das Cortes.

O entendimento, tal como mantido, ocasiona grande insegurança e sensação de injustiça entre os jurisdicionados, que, ao contrário do que possa parecer, mesmo na seara penal, acompanham atentamente seus processos e resultados.

Uma comparação singela deixa ainda mais flagrante as consequências da mudança jurisprudencial e da vedação da revisão criminal:

a – Mévio foi flagrado em um ônibus com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público em 1/6, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos e 6 meses

b – Tício foi flagrado em um ônibus no mesmo dia que Mévio com 50g de cocaína. Estava apenas utilizando o transporte público sem oferecer droga a ninguém. Todavia, seu processo teve tramitação mais longa por circunstâncias do acaso. Pena-base em 6 anos, causa de aumento pelo transporte público não incidente, segundo o novo entendimento, redução pelo §4º do artigo 33 pela metade: pena final: 3 anos

Os exemplos acima, com penas baixas, já demonstram como situações extremamente próximas teriam deslinde distinto em área sensível como a privação da liberdade.

Por isso, embora conhecedor do entendimento do STF, reiterado no julgamento do agravo no HC 153805, dele respeitosamente discordo, acrescendo às duas possibilidades de revisão criminal apresentadas na ementa a mudança jurisprudencial em que o novo paradigma adotado puder ser facilmente comparado com o caso que será submetido à revisão.

Brasília, 6 de novembro de 2018

Boletim nº 1 – atuação cível da DPU no STJ

Boletim nº 1 – atuação cível da DPU no STJ

 

Segue, em anexo, o Boletim nº 1 – cível STJ, elaborado por colegas que atuam na área cível da DPU no STJ, sob a coordenação de Antonio Maia e Pádua.

O Boletim foi elaborado pelos Defensores Antonio Maia e Pádua e Bruno Arruda.

Para acessar o conteúdo, bastar clicar no link abaixo:

Informativo 1 – Categoria Especial DPU – Cível

Brasília, 23 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Reincidência e aplicação retroativa

Reincidência e aplicação retroativa

 

Como nunca consigo escrever artigos como gostaria, colocarei abaixo trecho de um agravo que redigi em que a discussão é: a reincidência pode ser aplicada em conduta praticada quando ainda não existia reincidência? Ou seja, a reincidência retroage para interferir em lapsos temporais na execução penal de crime praticado quando a pessoa ainda era primária ou deve valer apenas para o futuro, após reconhecida?

Entendo que a reincidência deve ter efeitos apenas futuros. Esse tema será em breve apreciado no agravo interno no HC 157210, Relator Ministro Gilmar Mendes, pela 2ª Turma do STF.

Aguardemos o resultado (mais um tema em que eu gostaria muito de sustentar oralmente as razões do recurso).

Brasília, 15 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

1. BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O agravante foi condenado por diversos crimes, conforme consta dos autos. Em alguns deles, já ostentava a condição de reincidente.

O Juízo da Execução Penal determinou que a fração de cumprimento equivalente à metade do tempo (1/2) para a obtenção de livramento condicional deveria incidir sobre a soma das penas impostas ao condenado, pouco importando sua condição de primário ou reincidente no momento de sua condenação.

A defesa interpôs agravo em execução destinado ao Tribunal de Justiça de Rondônia, ao qual foi negado provimento.

Em seguida, foi manejado recurso especial à Corte Superior, que restou desprovido em decisão singular, mantida em sede de agravo interno pela Colenda Quinta Turma do STJ.

Em seguida, a defesa impetrou habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal. Todavia, o Eminente Ministro Relator denegou a ordem em decisão monocrática.

Tal entendimento, no entanto, não merece prosperar, pelas razões que serão expostas a seguir.

3. DAS RAZÕES RECURSAIS

O que se discute no presente habeas corpus é a correta fração a ser aplicada ao agravante para a concessão de livramento condicional quando ele, condenado por mais de uma vez, era primário em alguma ou algumas oportunidades, mas reincidente em outras.

A r. decisão agravada adotou o entendimento no sentido de que, sendo reincidente o condenado, a fração de 1/2 (metade) do tempo de pena cumprida para a concessão do livramento deverá ser aplicada às penas de todos os crimes somados, mesmo àqueles praticados quando o apenado ostentava primariedade, sendo afastada a fração de 1/3 (um terço).

Na verdade, o entendimento esposado faz retroagir a reincidência para momento anterior à sua configuração, estendendo seus efeitos ao passado.

O Supremo Tribunal Federal, ao tempo em que declarou a constitucionalidade da reincidência, deixou claro que ela deveria ter efeitos futuros e não retroativos, conforme se extrai do voto condutor do Eminente Ministro Marco Aurélio, proferido no julgamento do RE 453000, DJe 03/10/2013:

“Se assim o é quanto às diversas previsões, de forma diferente não acontece no tocante ao agravamento da pena. Afastem a possibilidade de cogitar de duplicidade. Logicamente, quando da condenação anterior, o instituto não foi considerado. Deve sê-lo na que se segue, em razão do fato de haver ocorrido, sem o interregno referido no artigo 64 do Código Penal – cinco anos –, uma outra prática delituosa. Então, não se aumenta a pena constante do título pretérito, mas, presentes o piso e o teto versados relativamente ao novo crime, majora-se, na segunda fase da dosimetria da pena, no campo da agravante, a básica fixada. Afinal, o julgador há de ter em vista parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto, individualizando-a, e, nesse contexto, surge a reincidência, o fato de o acusado haver cometido, em que pese a glosa anterior, novo desvio de conduta na vida em sociedade.” Grifo nosso

Esse entendimento foi firmado justamente para se afastar a alegação de que a reincidência causaria bis in idem ao fazer incidir sobre o mesmo fato dupla punição. Por isso, a verificação da reincidência dá-se para o futuro e não para majorar pena pretérita.

O Informativo 700 do STF deixou bastante claros, de forma resumida, os efeitos da reincidência, segundo os Eminentes Ministros da Corte:

“É constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, I). Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que alegado que o instituto configuraria bis in idem, bem como ofenderia os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

(…)

Considerou-se que a reincidência comporia consagrado sistema de política criminal de combate à delinquência e que eventual inconstitucionalidade do instituto alcançaria todas as normas acima declinadas. Asseverou-se que sua aplicação não significaria duplicidade, porquanto não alcançaria delito pretérito, mas novo ilícito, que ocorrera sem que ultrapassado o interregno do art. 64 do CP. Asseverou-se que o julgador deveria ter parâmetros para estabelecer a pena adequada ao caso concreto. Nesse contexto, a reincidência significaria o cometimento de novo fato antijurídico, além do anterior. Reputou-se razoável o fator de discriminação, considerado o perfil do réu, merecedor de maior repreensão porque voltara a delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que tange à necessidade de adoção de postura própria ao homem médio.” (…)

Com a devida vênia, o entendimento adotado na decisão singular destoa do quanto firmado pelo STF, ao fazer retroagir um dos efeitos da reincidência – o aumento da fração necessária para o livramento condicional – para atingir fato anterior à sua existência.

O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido em distintos julgamentos (vide ADPF 347, RE 641320, RE 580252, HC 143641) o estado absolutamente precário dos presídios brasileiros, devendo essa situação ser considerada para a concessão do livramento.

Cabe ainda destacar que a calculadora eletrônica ofertada pelo CNJ para a verificação das penas faz as contas em separado, a partir de cada guia de execução (cada condenação) do apenado e não sendo somada a pena como um todo.

http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/calculadora-de-execucao-penal

Deve, portanto, ser provido o agravo e concedida a ordem de habeas corpus para se considerar para a concessão do livramento condicional a fração de 1/3 nas condenações em que o agravante era primário e 1/2 apenas naquelas em que já havia reincidência.

Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

Recurso Extraordinário com repercussão geral e objetivação

 

Seguem, abaixo, as razões recursais do agravo interno no RE 657718, extinto sem resolução de mérito pelo Relator, Ministro Marco Aurélio, pelo falecimento da autora.

A sistemática da repercussão geral faz com que a análise de um tema, além de ter efeitos ampliados, demore muito mais.

Isso precisa ser considerado pela Corte, tanto que não são raros os casos de perda de objeto durante o trâmite recursal.

O recomeço de um julgamento com a escolha de um novo paradigma a ninguém aproveita, gerando atraso considerável em feitos que, muitas vezes, aguardam solução por anos.

Vamos ver o que dirá o STF no caso em concreto.

Brasília, 2 de outubro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

 

A sistemática da repercussão geral promove a discussão, não só do caso em concreto, mas da tese, que servirá de paradigma a ser seguida pelos demais Tribunais pátrios.

Assim, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que a perda parcial de objeto em recurso com a mencionada sistemática não significa seu prejuízo, conforme pode ser constatado da ementa abaixo transcrita, que decidiu questão de ordem em situação assemelhada:

“Ementa: Direito Eleitoral. Agravo em Recurso Extraordinário. Candidatura avulsa. Questão de ordem. Perda do objeto do caso concreto. Viabilidade da repercussão geral. 1. A discussão acerca da admissibilidade ou não de candidaturas avulsas em eleições majoritárias, por sua inequívoca relevância política, reveste-se de repercussão geral. Invocação plausível do Pacto de São José da Costa Rica e do padrão democrático predominante no mundo. 2. Eventual prejuízo parcial do caso concreto subjacente ao recurso extraordinário não é impeditivo do reconhecimento de repercussão geral. 3. Repercussão geral reconhecida. “ (ARE-QO 1054490, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 05/10/2017, publicado em 09/03/2018, Tribunal Pleno) grifo nosso

Na mesma linha, a Suprema Corte já apreciou apelo extremo em matéria penal em que tinha sido extinta a punibilidade pela prescrição:

“Recurso extraordinário. Constitucional. Direito Penal. Contravenção penal. 2. Posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (artigo 25 do Decreto-Lei n. 3.688/1941). Réu condenado em definitivo por diversos crimes de furto. Alegação de que o tipo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Arguição de ofensa aos princípios da isonomia e da presunção de inocência. 3. Aplicação da sistemática da repercussão geral – tema 113, por maioria de votos em 24.10.2008, rel. Ministro Cezar Peluso. 4. Ocorrência da prescrição intercorrente da pretensão punitiva antes da redistribuição do processo a esta relatoria. Superação da prescrição para exame da recepção do tipo contravencional pela Constituição Federal antes do reconhecimento da extinção da punibilidade, por ser mais benéfico ao recorrente. 5. Possibilidade do exercício de fiscalização da constitucionalidade das leis em matéria penal. Infração penal de perigo abstrato à luz do princípio da proporcionalidade. 6. Reconhecimento de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal. Não recepção do artigo 25 do Decreto-Lei 3.688/41 pela Constituição Federal de 1988. 7. Recurso extraordinário conhecido e provido para absolver o recorrente nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.” (RE 583523, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/10/2013, publicado em 22/10/2014, Tribunal Pleno) grifo nosso

Mais recentemente, ao julgar o RE 601580, o STF voltou a decidir ser possível a apreciação da tese mesmo que o recurso esteja prejudicado, em se tratando de repercussão geral reconhecida. Cabe transcrever trecho do Informativo 916/STF, no que interessa ao presente caso (o acórdão ainda não foi publicado):

“(…)
Inicialmente, o Plenário, também por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no sentido de converter o julgamento em diligências para se verificar se o militar, do caso concreto, já teria concluído o curso, o que levaria ao prejuízo do recurso. O Tribunal considerou ser possível a apreciação da tese de repercussão geral em recurso extraordinário, ainda que o processo esteja prejudicado, em razão a objetivação dos recursos extraordinários, já reconhecida em decisões anteriores. Frisou a eficácia vinculante das teses firmadas em repercussão geral e o disposto nos artigos 998, parágrafo único (6), e 1.029, §3º (7), do CPC. Vencido o ministro Marco Aurélio que acolhia a questão de ordem, no sentido da necessidade da diligência, haja vista a impossibilidade do prosseguimento da análise da tese debatida no recurso extraordinário, se reconhecido o seu prejuízo, por se tratar de processo subjetivo.

(…)

 (6) CPC: “Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.”
(7) CPC: “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (…) § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.”

RE 601580/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 19.9.2018. (RE-601580)” grifo nosso

Ou seja, a importância do julgamento vai além do caso concreto subjacente, sendo relevante a fixação de tese geral.

São duas, portanto, as fortes razões que justificam o provimento do presente agravo, com o prosseguimento da análise do apelo excepcional. Em primeiro lugar, a relevância do tema em discussão, que não atingiria apenas a autora.

Aliás, o medicamento por ela postulado já se encontrava registrado na ANVISA pelo que o objeto da ação, quanto ao pleito autoral, já tinha se esgotado – situação há muito informada nos autos.

A matéria transcende o mero interesse das partes, sendo relevante sua análise. Aliás, saúde é um bem urgente, pelo que qualquer demora poderá causar o mesmo deslinde ocorrido neste caso.

Além disso, como demonstra o longo trâmite processual, o recomeço, com possíveis novas sustentações orais, novos votos, caso seja escolhido novo processo, significará demora ainda maior na apreciação do tema.

Assim, como para a fixação da tese a ser aplicada em casos semelhantes, o processo em análise continua perfeitamente adequado, tal como ocorreu nos precedentes acima colacionados ele deve ser preservado em homenagem à celeridade. Interessa a todos os que necessitam de medicamentos a rápida solução do feito para que possam, em havendo resultado favorável, no que acredita a Defensoria Pública, buscar seus fármacos de forma mais breve possível.

Portanto, deve ser provido o presente agravo, dando-se continuidade à apreciação do recurso extraordinário.

 

Boletim nº 2 de 2018 da AASTF

Boletim nº 2 de 2018 da AASTF

 

Segue, em anexo, o Boletim Informativo nº 2, de 2018, da Assessoria de Atuação no STF, contendo os principais julgados do Supremo Tribunal Federal até setembro de 2018, de interesse da Defensoria Pública da União.

A maioria dos processos contou com a atuação da DPU como procuradora de alguma das partes ou, ainda, na condição de amicus curiae.

A ideia, o desenvolvimento e a confecção do material ficaram a cargo da Dra. Tatiana Bianchini, que além dos próprios processos, recolheu sugestões junto aos demais membros da AASTF, bem como pesquisou outros temas de interesse da DPU.

Brasília, 27 de setembro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro
Coordenador da AASTF

Para acessar o Boletim, clique no link abaixo:

Boletim 2018-2 AASTF

Atividade de policiamento pelas Forças Armadas e competência – ponderações

Atividade de policiamento pelas Forças Armadas e competência – ponderações

 

Em tempo recente, o Ministro Gilmar Mendes denegou, em decisões monocráticas, habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União, perante o STF, em que se discute a competência da Justiça Militar para julgar civis que supostamente pratiquem crimes contra membros das Forças Armadas no desempenho de atividade de policiamento.

Penso que o julgamento de jovens que tenham, por exemplo, praticado crimes de pequeno potencial ofensivo, pela Justiça Castrense, situação que afasta, para dar um exemplo rápido, a aplicação da Lei 9099/95 (Juizados Especiais), configura ofensa aos princípios da igualdade e do juiz natural.

Já interpus agravo em um desses habeas corpus, cujos argumentos invocados serão colacionados abaixo. Trata-se do HC 160058.

Brasília, 21 de setembro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

 

DAS RAZÕES RECURSAIS 

O presente agravo volta-se contra dois capítulos da decisão: o que entendeu pela competência da Justiça Militar da União para julgar o paciente, civil, pela suposta prática de desacato, invocando, para tanto, julgado emanado da Primeira Turma do STF, e o que afastou a possibilidade de aplicação da Lei 9099/95 ao caso.

O precedente invocado, HC 112.932, relatado pelo Ministro Roberto Barroso e julgado pela Primeira Turma da Corte está em confronto com o entendimento adotado pela Colenda Segunda Turma, pelo que, no mínimo, há nítida discrepância entre os entendimentos manifestados pelas duas Turmas do Tribunal, o que justificaria, ao menos, a ida do feito ao colegiado:

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – IMPUTAÇÃO, AO PACIENTE, QUE É CIVIL, DE CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO – SUPOSTO DELITO DE DESACATO A MILITAR (CPM, ART. 299) – OCORRÊNCIA DESSE FATO EM AMBIENTE ESTRANHO AO DA ADMINISTRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS – MILITAR DO EXÉRCITO, SUPOSTAMENTE DESACATADO, QUE REALIZAVA ATIVIDADE DE POLICIAMENTO OSTENSIVO NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO E PACIFICAÇÃO DAS COMUNIDADES DO COMPLEXO DO ALEMÃO E DA PENHA, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO QUE TRADUZ TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – REGULAÇÃO DESSE TEMA NO PLANO DO DIREITO COMPARADO – OFENSA AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) PELO FATO DE A VÍTIMA, MILITAR DO EXÉRCITO, QUALIFICAR-SE COMO AGENTE PÚBLICO DA UNIÃO – PEDIDO DEFERIDO. FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO EXERCIDA POR MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS – ENCARGO QUE SE QUALIFICA, CONCEITUALMENTE, COMO TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA. – Refoge à competência penal da Justiça Militar da União processar e julgar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente praticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de ocupação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cariocas, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de segurança pública. Precedentes. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. – Tendência que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. – Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005): determinação para que a República do Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (…)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). – O caso “Ex Parte Milligan” (1866): importante “landmark ruling” da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. – Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural, sob pena de invalidação do processo em que consumada a ofensa ao postulado da naturalidade do juízo. A Constituição do Brasil, ao proclamar o regime das liberdades públicas – que representa expressiva limitação aos poderes do Estado –, consagrou, de modo explícito, o dogma fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.” (HC 112936, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 16-05-2013 PUBLIC 17-05-2013 RTJ VOL-00224-01 PP-00533) grifo nosso

O tema foi afetado ao Plenário do STF, através do HC 126545, ainda não apreciado, justamente por entender a Colenda Segunda Turma que a matéria precisaria ser analisada pelo colegiado maior até para que fosse pacificada. Calha transcrever trecho do Informativo 819:

“A Segunda Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de “habeas corpus” em que se discute a competência para processar e julgar o delito do art. 299 do CPM, quando praticado por civil contra militar das Forças Armadas no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública. HC 126545/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 29.3.2016. (HC-126545) 

Como se vê, a matéria está longe de estar pacificada, e, em verdade, em se tratando da Segunda Turma, a decisão colegiada sobre o tema vai de encontro à decisão agravada. Aliás, antes do HC 126545, outros tratando do mesmo assunto foram afetados ao Plenário, não tendo sido apreciados em seu mérito, contudo (HC 118846 e HC 112848).

Ainda que superada essa questão, precisa ser apreciada a possibilidade de aplicação, mesmo na Justiça Castrense, dos dispositivos despenalizadores da Lei 9099/95. Embora o tema tenha sido realmente discutido no julgamento do HC 99743, relator Ministro Luiz Fux, invocado na decisão singular, o precedente apreciado pelo Pleno do STF dizia respeito a militar. A vedação da aplicação da Lei dos Juizados deu-se com relação exclusivamente ao militar, havendo, quando do julgamento, longo debate a respeito do tema. Na pior das hipóteses, chega-se à conclusão de que o assunto não foi definido em se tratando de acusado civil. Calha transcrever a ementa em questão:

“Ementa: Penal Militar. Habeas corpus. Deserção – CPM, art. 187. Crime militar próprio. Suspensão condicional do processo – art. 90-A, da Lei n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Inaplicabilidade, no âmbito da Justiça Militar. Constitucionalidade, face ao art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma em relação a civil processado por crime militar. O art. 90-A, da n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais -, com a redação dada pela Lei n. 9.839/99, não afronta o art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República no que veda a suspensão condicional do processo ao militar processado por crime militar. In casu, o pedido e a causa de pedir referem-se apenas a militar responsabilizado por crime de deserção, definido como delito militar próprio, não alcançando civil processado por crime militar. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma que veda a aplicação da Lei n. 9.099 ao civil processado por crime militar. Ordem denegada.” (HC 99743, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 20-08-2012 PUBLIC 21-08-2012) grifo nosso

Ora, o obter dictum, grifado acima, indica justamente a inconstitucionalidade da Lei 9839/99 que alterou a Lei 9099/95, no que concerne aos civis processados na Justiça Militar. Como o precedente tratava de militar, o assunto não foi decidido. Todavia, o complemento lançado ao final da ementa mostra a tendência do Tribunal ao apreciar situação envolvendo civil. Se a Lei alteradora da Lei dos Juizados Especiais fosse constitucional em qualquer situação, envolvendo militares e civis, o complemento seria totalmente desnecessário, bastando que se dissesse a Lei 9839/99 é constitucional e aplica-se a todos os que forem julgados pela Justiça Castrense.

A grande questão subjacente à presente discussão é a ofensa ao princípio da igualdade que pode advir do entendimento de que civis devem ser submetidos à Justiça Militar em caso de atividade de policiamento, restando também afastada a aplicação da Lei 9099/95. Impende trazer um exemplo de situação corriqueira:

                        a – Um jovem morador de bairro nobre do Rio de Janeiro que pratique desacato (e não se ingressará, por ora, na discussão da inconvencionalidade do crime em tela) contra um policial militar será julgado pela Justiça comum, não militar, podendo valer-se dos institutos da Lei 9099/95.

                        b – Por outro lado, um jovem morador de favela ocupada pelas forças armadas que pratique exatamente a mesma conduta contra militar do Exército será julgado na Justiça Militar da União, afastada a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores dos Juizados Especiais.

                        Cabe destacar: não valem aqui os argumentos sempre invocados de maior rigor da Justiça Militar em razão da hierarquia e disciplina essenciais à vida na caserna. Também não se trata de situação em que civil tenta fraudar pensão oriunda de militar, sabendo das consequências. Não! Aqui a competência militar e o rigor advêm exclusivamente do local de moradia do acusado. Nada mais. Parece, com o devido respeito, uma espécie de isonomia às avessas: ao jovem de classe média ou alta que teve todas as oportunidades, a transação penal; ao jovem pobre da favela, condenação penal na Justiça Militar.

Portanto, deve ser provido o agravo bem como deferida a ordem de habeas corpus quanto à incompetência da Justiça Castrense e, subsidiariamente, quanto à possibilidade de aplicação da Lei 9099/95.

 

AFETAÇÃO AO PLENÁRIO E LIMINAR

Caso se entenda pela remessa do presente processo ao Plenário, uma vez que o tema é relevante e pode se repetir exaustivamente em tempos de intervenção federal, pugna a defesa pela concessão da liminar para que seja suspensa a execução da pena imposta pela Justiça especializada, evitando-se, assim, a perda do objeto.

 

DO PEDIDO

            Ante o exposto, requer seja exercido o juízo de retratação por Vossa Excelência, com o prosseguimento do feito e a concessão da ordem para:

a – que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar o paciente, remetendo-se o feito à Justiça comum;

b – subsidiariamente, se mantida a competência, que seja permitida a aplicação da Lei 9099/95 ao caso em tela, uma vez que o acusado/agravante não é militar.

Caso superado o juízo de retratação, seja o agravo levado à Turma, em destaque e em julgamento presencial, para que esta lhe dê provimento, e, ao final, conceda a ordem, nos termos pedidos acima.

Caso se entenda seja pertinente afetar o feito ao Plenário, que seja deferida a liminar, suspendendo-se a execução da pena para que não haja perda de objeto.

Pugna, ainda, caso exercida a reconsideração, o que se espera que ocorra, pela intimação pessoal da Defensoria Pública-Geral da União para a sessão de julgamento.

 

Importação de sementes de maconha e atipicidade – apontamentos

Importação de sementes de maconha e atipicidade – apontamentos

 

Colocarei abaixo o texto que elaborei como preparação para a sustentação oral em 2 habeas corpus julgados e concedidos, em 11/09/2018, pela 2ª Turma do STF (HC 144161 e HC 142987), tratando da questão atinente à importação de sementes de maconha.

Não se trata de uma petição, mas de um roteiro de sustentação oral, pelo que os aspectos de oratória fazem com que a estruturação seja um pouco distinta.

Achei que os Ministros que votaram pela concessão da ordem adotaram fundamentos diferentes cada um, por isso que em uma sustentação devemos tentar expor o máximo de fundamentos possíveis. Não há segunda chance.

Brasília, 15 de setembro de 2018

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

SUSTENTAÇÃO ORAL – IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA

 

– 2 HCS em pauta sobre o tema: HC 144161 e HC 142987

– Há ainda 2 nas listas de agravo do Min. Dias Toffoli: HC 144762 e HC 143557

 

Tema: IMPORTAÇÃO DE POUCAS SEMENTES DE MACONHA E ATIPICIDADE

 

Matéria que encontra divergência no STJ entre suas 2 Turmas criminais, 5ª e 6ª, sendo esta favorável às teses defensivas.

No STF, a 1ª Turma foi contrária, não havendo julgado colegiado da 2ª Turma sobre o tema.

A sustentação oral tratará mais do HC 144161, mas abordará também aspectos do HC 142987, dada a enorme semelhança dos casos.

O HC 144161 discute a importação, pelo paciente, de 26 sementes de maconha, com o objetivo de uso próprio.

 

Pontos:

 

1) A denúncia narrou contrabando, todavia, foi recebida pelo TRF3 como tráfico internacional, apesar de tais fatos não serem imputados na inicial acusatória. Ao contrário, o MPF deixou claro não ver na conduta do paciente qualquer intenção de traficar drogas.

Em suma, houve ofensa ao princípio acusatório, pois a inicial descreve uma conduta e a denúncia foi recebida por outra (contrabando / tráfico internacional). Os fatos narrados no recebimento da denúncia estão divorciados desta, sendo até mesmo contrários ao quanto afirmado pela Procuradoria da República na exordial e no recurso em sentido estrito destinado ao TRF.

Ainda que a questão estivesse adstrita à capitulação jurídica, melhor sorte não restaria à decisão que recebeu a exordial. A capitulação jurídica não pode ser alterada na fase de recebimento de denúncia, conforme pacificamente assentado na jurisprudência do STF:

LER TRECHOS DO INQUÉRITO 3997 E CITAR QUE O INQUÉRITO 4146 segue a mesma linha.

“(…) Convém lembrar que: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 18.5.2007). (…)” (Inq 3997, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 23-09-2016 PUBLIC 26-09-2016)

 

No mérito:

 

2) A quantidade de sementes importadas indica que seu objetivo era o consumo próprio e não a venda.  Isso foi levado em conta pelo Min. Gilmar Mendes quando da concessão de liminar.

O STF está analisando o RE 635.659 que discute a descriminalização de posse de pequena quantidade de droga para uso próprio, com 3 votos favoráveis à tese esgrimida pela Defensoria Pública paulista.

Como invocado pelo Min. Roberto Barroso ao proferir voto no mencionado recurso, bem como ao deferir liminares em habeas corpus versando sobre o tema em análise sob sua relatoria, o uso de pequena quantidade de droga diz respeito à vida privada, à individualidade, sendo desproporcional sua punição na seara penal.

 

3) Há ainda outro aspecto que precisa ser considerado. Como a importação deu-se para consumo próprio, o artigo aplicável ao caso é o 28 da Lei 11.343/06, que não prevê entre as condutas típicas a importação de drogas. Por isso, a 6ª T do STJ tem entendido pela atipicidade de conduta.

“2. Todavia, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato.” (AgRg no REsp 1658928/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)

 

4) Além disso, semente de maconha não apresenta a substância proscrita THC. É a planta produzida a partir da semente que pode ser utilizada para a preparação da droga. No caso, seria punir a preparação da preparação, conforme observado em diversos pareceres ofertados pela PGR em habeas corpus versando sobre o tema, como, por exemplo, no outro que será apreciado hoje, o HC 142987:

“22. Nesse sentido afirmou o Laudo Pericial elaborado pelo Setor TécnicoCientífico do Departamento de Polícia Federal, juntado às fls. 22 dos autos: “Segundo publicação da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) “Recommended Methods for the identification and analysis of cannabis and cannabis products” os frutos aquênios (popularmente conhecidos como “sementes”) da planta Cannabis sativa não apresentam tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, em sua composição, portanto, não são capazes de produzir efeitos entorpecentes e/ou psicotrópicos, nem causam dependência física ou psíquica” (fls. 25, grifos do original).”

A semente não é capaz de entorpecer, de causar dependência.

 

5) Por fim, cabe destacar a enorme desproporcionalidade em se condenar por tráfico internacional, crime que prevê penas elevadas, pessoa que importou algumas sementes de maconha para uso próprio.

Em momento algum se cogitou de objetivo de mercancia, de enriquecimento, de lucro, mas tão somente de uso pessoal.

Tratar quem importou sementes de maconha para si como traficante internacional significa, no mínimo, a imposição de mácula profunda, ainda que, eventualmente, a pena imposta venha a ser substituída por restritiva de direito. As pesquisas pela internet prestam-se a expor a vida de todos que buscam emprego, estudo.

Também não deve prevalecer a possibilidade de processo pelo contrabando em razão da internalização de duas dúzias de sementes, sendo a conduta incapaz de ofender o bem jurídico protegido.

 

Assim, pede-se a concessão da ordem, reconhecendo-se a atipicidade da conduta praticada.

 

Furto e insignificância – possibilidades

Furto e insignificância – possibilidades

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Teço, no presente, algumas observações quanto à aplicação do princípio da insignificância ao furto por parte do STF.

Penso que de todas as situações em que a DPU requer a aplicação da insignificância em favor dos assistidos, os casos envolvendo furto são os que admitem maior variação.

Atualmente, está praticamente vedada, por exemplo, a aplicação da insignificância em favor daquele que reitera no descaminho, mesmo que existam contra si apenas anotações administrativas, a não ser que haja uma circunstância excepcional.

Por outro lado, em se tratando do furto, ainda que a pessoa seja reincidente, condutas ínfimas, praticamente famélicas, têm permitido, ao menos quando o processo cai na Segunda Turma do STF, a aplicação da insignificância.

Alguns pontos acabam pesando em favor do reconhecimento da atipicidade material: a subtração recair sobre produtos de primeira necessidade, os bens terem sido recuperados, não haver no caso situação que indique maior periculosidade (como invasão de domicílio), condição da pessoa (morador de rua, mãe com filhos pequenos), além, é claro, do valor das coisas subtraídas.

Mesmo a Primeira Turma, mais refratária à bagatela, tem, pelo menos, abrandado a pena, o que já significa vantagem para os assistidos da Defensoria Pública.

Aliás, nesse aspecto, a melhoria do regime de cumprimento de pena e/ou sua  substituição por restritiva de direitos já pode significar que uma pessoa que tenha praticado conduta de pequena gravidade não será recolhida ao cárcere. Alguns pareceres ofertados pela PGR têm sido no sentido de se reduzir a pena imposta, em razão do pequeno valor da coisa subtraída.

Colocarei, abaixo, alguns julgados bastante recentes da Segunda Turma do Supremo, colegiados ou singulares, que podem servir de paradigma para estudo e prática jurídica.

Brasília, 31 de agosto de 2018

 

“Habeas corpus. 2. Furto simples de blusa de frio, marca Adidas, no valor de R$ 99,00. Sentença absolutória reformada pelo Tribunal. 3. Réu, à época da condenação, primário. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau que aplicava o princípio da insignificância.” (HC 139738 AgR, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 31-07-2018 PUBLIC 01-08-2018)

 

“Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto pela Defensoria Pública da União em favor de Roberto Rolim de Mello de Andrade contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ proferido nos autos do HC 366.669-AgR/SC, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, assim ementado: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. AGENTE REINCIDENTE ESPECÍFICO NA PRÁTICA DE DELITO PATRIMONIAL. REPROVABILIDADE ACENTUADA DA CONDUTA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. O furto praticado por réu reincidente específico, ainda que seja pequeno o valor da coisa furtada – um par de chinelos, quatro cartelas de pilhas duracel AA e 4 barras de chocolate, perfazendo o total de R$73,90, o que representa 10,20% do salário mínimo vigente à época dos fatos –, não enseja a aplicação do princípio da insignificância, porquanto não se pode considerar como reduzidíssimo o grau de reprovabilidade da conduta. 3. Agravo regimental improvido.” (pág. 55 do documento eletrônico

(…)

4). É o relatório. Decido. Bem examinados os autos, verifico que o recurso merece prosperar. Isso porque a jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF é no sentido de que “a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto” (HC 123.108/MG, Rel. Min. Roberto Barroso) , verbis: “PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (‘conglobante’), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente” (HC 123.108/MG, Rel. Min. Roberto Barroso; grifei). No mesmo sentido, destaco os HCs 123.734/MG e 123.533/SP, também relatados pelo Ministro Roberto Barroso e julgados pelo Plenário do STF. Na espécie, observo que o recorrente foi condenado à pena de 1 ano, 7 meses e 1 dia de reclusão, em regime semiaberto, após ter sido denunciado por furtar de um supermercado 1 par de sandálias, 4 cartelas de pilhas Duracell AA e 4 barras de chocolate, totalizando R$ 73,90 (setenta e três reais e noventa centavos) (pág. 103 do documento eletrônico 1). O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – TJSC manteve a sentença condenatória, afastando a aplicação do princípio da insignificância em virtude da “habitualidade da conduta criminosa que afasta o reconhecimento da benesse” (pág. 154 do documento eletrônico 1). Pois bem, como já ressaltado, esta Suprema Corte entende que a reiteração delituosa não impede a aplicação do princípio da insignificância. Ademais, o reconhecimento da conduta praticada como insignificante tem o condão de “afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material” (HC 92.463/RS, Rel. Min. Celso de Mello). Vejamos: “PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA – “RES FURTIVA” NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (HC 92.463/RS, Rel. Min. Celso de Mello; grifos do original). Diante de tais argumentos, verifico, in casu, a presença dos vetores que autorizam a aplicação do princípio da insignificância, tais como a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social do agente e a inexpressividade da lesão jurídica. Isso posto, dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para anular a sentença condenatória, aplicando o princípio da insignificância (art. 192 do RISTF). Expeça-se o alvará de soltura clausulado. Comunique-se ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – TJSC. Publique-se. Brasília, 29 de junho de 2018. Ministro Ricardo Lewandowski Relator” (RHC 145205, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 29/06/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 31/07/2018 PUBLIC 01/08/2018)

 

“EMENTA: TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, “CAPUT”, C/C O ART. 14, II). DUAS PEÇAS DE QUEIJO MINAS. OBJETOS SUBTRAÍDOS QUE FORAM DEVOLVIDOS À VÍTIMA, QUE É UMA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. SITUAÇÃO DE REINCIDÊNCIA QUE NÃO DESCARACTERIZA, POR SI SÓ, O FATO INSIGNIFICANTE. PRECEDENTES, NESSE SENTIDO, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, QUE SE QUALIFICA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SUA DIMENSÃO MATERIAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. HIPÓTESE, NO CASO, DE ABSOLVIÇÃO PENAL DA PACIENTE (CPP, ART. 386, III). “HABEAS CORPUS” DEFERIDO.” (HC 155920, Relator Min. CELSO DE MELLO, DJe 03/05/2018)

 

No mesmo sentido está o HC 141440, cujo acórdão ainda não foi publicado:

 

“Furtar um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha garnisé e três quilos de feijão — que juntos somam pouco mais de R$ 100 — é ato que se enquadra no princípio da insignificância, mesmo se o réu for reincidente. Assim entendeu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal ao conceder Habeas Corpus e absolver um homem acusado de furto qualificado.” (https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/furto-galinhas-feijao-insignificante-mesmo-reincidente?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook)

 

Pedido de reconsideração da suspensão do indulto – ADI 5874

Pedido de reconsideração da suspensão do indulto – ADI 5874

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Segue, abaixo,  link do pedido apresentado pela DPU para que seja reconsiderada a decisão proferida na ADI 5874 pelo Ministro Roberto Barroso que suspendeu o decreto de indulto de 2017 quanto às penas restritivas de direito.

Brasília, 22 de agosto de 2018

Pedido de Reconsideração – ADI 5874 – Indulto

Agravo interno e usurpação de competência

Agravo interno e usurpação de competência

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O Ministro Edson Fachin, do STF, proferiu decisão bem interessante na reclamação 31072, ajuizada pela Defensoria Pública da União.

Resumo a questão que, segundo colegas, tem ocorrido em diferentes Turmas Recursais pelo país.

A DPU interpôs recurso extraordinário em face de acórdão da Turma Recursal.

Ele não foi admitido na origem.

Em seguida, foi apresentado agravo para destrancar o recurso extremo.

Este agravo, ao invés de ser remetido ao STF, foi convertido em agravo interno ao qual foi negado provimento. Aqui surgiu a controvérsia atacada pela reclamação.

A discussão de fundo no recurso era sucessão de leis no tempo com relação à concessão de benefício assistencial e não possibilidade de devolução de verbas pagas em sede de tutela antecipada, como invocado pela Turma Recursal Mineira para não remeter os autos à Suprema Corte.

O Ministro Edson Fachin concordou com a DPU, julgando procedente a reclamação, nos termos transcritos abaixo (trecho da decisão, DJe 16/08/2018).

Brasília, 16 de agosto de 2018

 

“No entanto, como já ressaltado, o tema da possibilidade de devolução de verbas correlaciona-se unicamente com um dos efeitos do processo, enquanto a reclamante vem se insurgindo (e prequestionou a matéria antes do recurso extraordinário), na matéria de fundo, com base em dispositivos constitucionais (em especial o devido processo legal, em seus desdobramentos de ampla defesa e contraditório), que teriam sido desrespeitados no decorrer do processo, precisamente pela consideração de fatos ocorridos sob a égide de uma lei, sob a nova legislação aplicável, unicamente à vista de documentos juntados pela autarquia (INSS) já em sede recursal.

Em face disso, e com correto apontamento da base legal (art. 1042, CPC) a reclamante aviou agravo (eDoc. 7, p. 44), em relação ao qual foi proferida a seguinte decisão:

“em se tratando de decisão fundamentada em representativo da controvérsia/sumula da TNU, súmula do STJ, súmula do STF ou nas demais hipóteses contempladas nos incisos I e III do art. 1030 do CPC, o agravo contra ela interposto é interno e deve ser julgado pela própria Turma Recursal, conforma determinam o §2º do art. 15, do RITNU e o §2º do art. 1.030 do CPC” (eDoc. 7p. 50).

Deste quadro fático-normativo, a conversão do agravo do art. 1042 do CPC, que é dirigido a esta Corte, em agravo interno ultrapassou os limites de competência daquele juízo.

Com efeito, ressalvada a hipótese de decisão que aplica a sistemática da repercussão geral (o que ocorreu, mas com base em outro capítulo da decisão), a competência para o julgamento do agravo destinado a destrancar recurso extraordinário inadmitido na origem é do Supremo Tribunal Federal.

Assim, não cabe ao juízo a quo obstar o processamento do agravo nos próprios autos ou exercer qualquer juízo de admissibilidade do agravo, como já consagrado na súmula nº 727 desta Corte, in verbis:

Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais.

Dessa forma, como a decisão de negativa de seguimento do recurso extraordinário – quanto ao ponto suscitado pela reclamante – não se fundamentou na sistemática da repercussão geral, incabível a conversão do agravo nos próprios autos em interno.” (grifos meus)