Arquivo da categoria: Direito

Encarceramento, facções e consequências

Encarceramento, facções e consequências

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Atualmente, há forte discussão sobre as causas e as consequências da superlotação prisional.

Não há resposta ou solução fáceis, muito menos são verdadeiras as posições maniqueístas e intransigentes.

No entanto, vale ler trecho do voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, proferido no RE 641.320, julgado pelo Plenário do STF, em que se discutia a colocação do preso no regime prisional adequado, vedando-se seu agravamento por falta de vagas. O julgamento do citado recurso foi precedido de audiência pública, com participação diversificada, estando presentes a Defensoria Pública da União e outras Defensorias, membros do Ministério Público, Juízes, representantes da sociedade civil. Às fls. 19/20 do acórdão do mencionado recurso, afirmou o Ministro relator:

“Durante a audiência pública realizada neste processo, fiquei muito impressionado com o depoimento do juiz de execuções penais de Porto Alegre/RS, Sidinei José Brzuzka, a esse respeito. Narrou o magistrado que a declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos e equiparados pelo STF produziu imediato déficit de vagas no regime semiaberto. Ou seja, o reconhecimento de um direito gerou um impacto até então impensado. Para administrar a questão, o magistrado relatou ter mantido, no regime fechado, os presos com direito ao regime semiaberto. O que aconteceu foi trágico – as facções de presos passaram a controlar o sistema de progressão de regime. Quando precisavam que um de seus membros progredisse, ordenavam a presos do regime semiaberto que não eram de facção que deixassem de retornar para serem recolhidos após saídas autorizadas. Com isso, passaram a dispor das vagas, como se de sua propriedade fossem. Ou seja, o Estado perdeu por completo o controle do sistema. 

Além disso, o Estado tornou-se incapaz de garantir minimamente os direitos e a própria segurança dos presos que não faziam parte de facções. Como já afirmado, o preso é pessoa, é um sujeito de direitos. Não pode ser visto perpetuamente como um inimigo. O Estado tem o dever de garantir aos presos em geral a oportunidade de ressocialização. Se não conseguimos garantir a segurança daquele que está em processo de ressocialização – progrediu ao regime semiaberto e está trabalhando –, estamos falhando em cumprir a principal função da execução penal: a ressocialização.”

Portanto, não me parece verdadeiro o argumento de que a superlotação dos presídios não favoreça o crescimento e o poder das chamadas facções. A série de mortes poderia ter ocorrido de qualquer maneira, não se ignora isso, no entanto, o estado calamitoso de muitos dos estabelecimentos contribui decisivamente para o incremento da violência. E, para o preso, muitas vezes, escolher um lado significa ter proteção, sobreviver.

Reitero o afirmado no início do presente. Não há solução nem resposta simplista.

Brasília, 18 de janeiro de 2017

 

 

 

 

A Reclamação 26.111 no STF e a manifestação da AMB

A Reclamação 26.111 no STF e a manifestação da AMB

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A DPU ajuizou reclamação perante o STF alegando o descumprimento de decisões com efeitos erga omnes tomadas pela Suprema Corte, na edição da Súmula Vinculante 56 e também na ADPF 347, esta em caráter liminar.

O ajuizamento da citada ação, tombada sob o número 26.111, deu-se em razão dos massacres ocorridos no interior de presídios do Estado do Amazonas, o que indicaria, entre outras coisas, descumprimento ao determinado pela Excelsa Corte, em sede vinculante, na medida em que presos foram submetidos a situações desumanas, cruéis, sendo mantidos em locais sem as mínimas condições.

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) pleiteou sua admissão no feito como amicus curiae, pugnando pelo indeferimento liminar do pedido. Em sua peça, invocou vários precedentes em que reclamações anteriores foram rejeitadas por diversos Ministros do STF, afirmando ainda que não haveria esgotamento das vias ordinárias, nem decisão judicial a ser reclamada.

Embora a Rcl 26.111 não esteja, atualmente, sob meus cuidados, cumpre tecer duas observações bem rápidas:

a – ainda que existam incontáveis precedentes entendendo não ter ocorrido ofensa às decisões proferidas na ADPF 347 ou na SV 56 em situações anteriores, nada impede que no caso em ora em análise tenha havido ofensa – basta que se invoque o número de mortos em poucos dias para se demonstrar que a situação vivenciada em Manaus em muito refoge ao “caos comum” do sistema penitenciário brasileiro, ou seja, a situação é pior do que a ruim já enfrentada pelas prisões do país;

b – a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, para a qual foram transferidos presos após a morte de mais de 50 internos no COMPAJ (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), já tinha sido fechada pelo CNJ, sim, pelo Conselho Nacional de Justiça, em outubro de 2016, pelo que a alegação de inadequação do local vai além do entendimento da DPU. A transferência dos presos para a Cadeira Pública é por todos conhecida, estando também a administração pública vinculada às decisões do STF mencionadas acima.

Há muito mais a ser dito, mas por ora basta. A questão a ser resolvida na reclamação é a existência, ou não, de descumprimento, por parte de qualquer autoridade pública, do quanto decidido na ADPF 347 e na SV 56. Parece-me difícil afirmar a adequação de local desativado pelo próprio CNJ e também de outro local tão perigoso que faz com que cadeia fechada seja reaberta como alternativa última.

Brasília, 12 de janeiro de 2017

Crime ambiental e princípio da insignificância – decisões do STF

Crime ambiental e princípio da insignificância – decisões do STF

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Foram publicados, recentemente, os acórdãos de um habeas corpus e de um recurso ordinário em habeas corpus patrocinados pela DPU, julgados pela 2ª Turma do STF, em que se discutia a aplicação do princípio da insignificância em suposto crime ambiental, tipificado no artigo 34, caput e parágrafo único, inciso I, da Lei 9.605/98 (pesca em local ou em período proibido). Transcrevo a ementa de um dos processos para depois fazer breves comentários.

“EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Pesca em período proibido. Crime ambiental tipificado no art. 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/98. Proteção criminal decorrente de mandamento constitucional (CF, art. 225, § 3º). Interesse manifesto do estado na repreensão às condutas delituosas que venham a colocar em situação de risco o meio ambiente ou lhe causar danos. Pretendida aplicação da insignificância. Impossibilidade. Conduta revestida de intenso grau de reprovabilidade. Crime de perigo que se consuma com a simples colocação ou exposição do bem jurídico tutelado a perigo de dano. Entendimento doutrinário. Recurso não provido. 1. A proteção, em termos criminais, ao meio ambiente decorre de mandamento constitucional, conforme prescreve o § 3º do art. 225: “[a]s condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 2. Em razão da sua relevância constitucional, é latente, portanto, o interesse do estado na repreensão às condutas delituosas que possam colocar o meio ambiente em situação de perigo ou lhe causar danos, consoante a Lei nº 9.605/98. 3. Essa proteção constitucional, entretanto, não afasta a possibilidade de se reconhecer, em tese, o princípio da insignificância quando há a satisfação concomitante de certos pressupostos, tais como: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (RHC nº 122.464/BA-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 12/8/14). 4. A conduta praticada pode ser considerada como um crime de perigo, que se consuma com a mera possibilidade do dano. 5. O comportamento do recorrente é dotado de intenso grau de reprovabilidade, pois ele agiu com liberalidade ao pescar em pleno defeso utilizando-se de redes de pesca de aproximadamente 70 (setenta) metros, o que é um indicativo da prática para fins econômicos e não artesanais, afastando, assim, já que não demonstrada nos autos, a incidência do inciso I do art. 37 da Lei Ambiental, que torna atípica a conduta quando praticada em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família. 6. Nesse contexto, não há como afastar a tipicidade material da conduta, tendo em vista que a reprovabilidade que recai sobre ela está consubstanciada no fato de o recorrente ter pescado em período proibido utilizando-se de método capaz de colocar em risco a reprodução dos peixes, o que remonta, indiscutivelmente, à preservação e ao equilíbrio do ecossistema aquático. 7. Recurso ordinário ao qual se nega provimento.” (RHC 125566, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 26/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-252 DIVULG 25-11-2016 PUBLIC 28-11-2016)

O outro feito tratando do tema, julgado na mesma data, foi o HC 127926.

Ambos tiveram resultado desfavorável, afastada a aplicação do princípio da insignificância, apesar de não ter sido pescada nenhuma espécie de peixe.

Em razão da circunstância mencionada acima (nenhum peixe apreendido), fiz a seguinte ponderação da tribuna: ora, se o pescador, com o mesmo material de pesca, fosse parado recolhendo seu equipamento e com 2 peixes pescados, seria possível a aplicação da insignificância, se ele alegasse que desejava matar a fome de sua família (artigo 37, I da mencionada Lei). Não é, portanto, contraditório não se reconhecer a insignificância quando ele é flagrado com o equipamento, mas sem retirar qualquer animal da água?

Curioso que o relator, Ministro Dias Toffoli, disse: é um argumento inteligente, mas os equipamentos apreendidos indicam que em ambos os casos a busca dos pacientes em muito ultrapassava a mera necessidade familiar.

Eu me pergunto até onde podem ir os crimes de perigo, afinal, como falei, a interpretação rigorosa do caso praticamente impede a configuração da pesca para o sustento próprio.

Brasília, 18 de dezembro de 2016

 

Decisão incomum

Decisão incomum

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Não vou ingressar no aspecto político da decisão tomada pelo STF ao analisar a liminar proferida pelo Ministro Marco Aurélio na ADPF 402.

Todavia, em razão que ter alguma prática e tempo de atuação perante a Suprema Corte, fico incomodado todas as vezes em que vejo o Tribunal enveredar por um caminho que talvez ele não vá repetir em situação semelhante.

A Corte manteve no cargo de Presidente do Senado Federal pessoa que é ré em ação penal. Todavia, entendeu que ela não poderá ocupar o cargo de Presidente da República, caso seja necessário substituir o mandatário supremo do país.

Quem estabelece a ordem sucessória é a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 80. A norma constitucional pode ser afastada? A prerrogativa é da pessoa que ocupa a presidência do Senado ou do cargo em si? É pessoal? É possível decotar-se prerrogativa do cargo para que a pessoa que não preencha tudo o que se exige possa ser nele mantida ou a ele conduzida? Essas perguntas se impõem.

Mas vou além. O fracionamento (ou superação) dos requisitos para a ocupação de cargos da mais alta relevância, como Presidência do Senado, da Câmara dos Deputados, de Ministro do Supremo Tribunal Federal só ocorreria nessa hipótese concreta da ADPF 402 ou em outras também?

A CF/88 estabelece cargos que só podem ser ocupados por brasileiros natos em seu artigo 12, §3º, dentre eles o de Presidente da Câmara dos Deputados, o de Presidente do Senado Federal e o de Ministro do STF. A razão é simples. Os ocupantes dessas importantes posições podem suceder ao Presidente da República (artigo 80, CF/88) que tem que ser brasileiro nato.

Sendo possível, segundo o entendimento firmado pelo STF, ao julgar a liminar na ADPF 402, a desconsideração dos requisitos e o decote de prerrogativas do cargo, um brasileiro naturalizado poderia ocupar os cargos privativos de brasileiros natos, desde que se comprometesse a não assumir a Presidência da República?

A resposta, para não se cair no casuísmo completo, tem que ser positiva. Caso negativa seja, o STF estará dizendo que uma pessoa que se mudou para o Brasil com 1 (um) ano de idade e aqui morou toda a sua vida não poderia, voluntariamente, abrir mão de uma prerrogativa do cargo (ocupar eventualmente a Presidência do Brasil) para ser Ministro da Suprema Corte, por exemplo, mas, uma que responde a incontáveis ações penais por crime contra a administração pública pode, desde que não se torne Presidente da República.

São essas as contradições que vejo e aponto no meu dia a dia, claro, versando sobre temas diferentes, notadamente nas searas penal e processual penal.

Quem inova deve estar preparado para ser confrontado com sua escolha e se manter firme nela.

Brasília, 9 de dezembro de 2016

 

 

 

Alteração jurisprudencial e segurança jurídica

Alteração jurisprudencial e segurança jurídica

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Mudanças inopinadas em entendimentos jurisprudenciais são situações que têm ocorrido com alguma frequência no Supremo Tribunal Federal, atingindo, em meu sentir, a segurança jurídica.

Claro, a situação fica piorada pelo fato de que todas as alterações recentes são por modelos mais restritivos em termos penais e processuais penais, mas, mesmo em termos do estudo do Direito em si, penso ser a instabilidade bastante temerária.

Indiscutivelmente, os julgadores, os entendimentos, a sociedade, mudam. Todavia, tais alterações têm sido muito rápidas e, por vezes, sem respeitar processos já em andamento que acabam colhidos pela mudança entre a apreciação da liminar e o julgamento definitivo, por exemplo.

O HC 123199 encontra-se exatamente nessa situação. Em julho de 2014, o Ministro Roberto Barroso, relator, deferiu a liminar para suspender a execução da pena imposta ao paciente, condenado por furto simples tentado de canos de PVC, a 6 (seis) meses de detenção. Com a crescente restrição da Corte quanto à aplicação do princípio da insignificância, o Ministro relator, de forma monocrática, denegou a ordem, em novembro de 2016, baseando-se, para tanto, no novo entendimento do STF quanto ao delito de bagatela em caso de contumácia delitiva.

Reitero para simplificar: pena imposta: 6 (seis) meses; interregno entre a liminar concedida e a ordem denegada 1 (um) ano e 5 (cinco) meses.

Como fica a segurança jurídica no caso em exame? O Ministro relator, ao examinar a liminar, concedeu a medida, situação excepcional, por entender que estavam presentes os requisitos exigidos. Tempos depois, com situação completamente consolidada, em crime de bagatela, o paciente volta a ter contra si uma pena executável?

Em minha opinião, em casos como o apresentado acima (comuns, informo), deve prevalecer a segurança jurídica, aplicando-se a jurisprudência dominante quando da concessão da liminar ou do ajuizamento. Invoco outro exemplo corriqueiro. Foram muitos os habeas corpus não conhecidos quando o STF passou a exigir sua impetração em face de decisão colegiada, o que não acontecia até poucos anos. Deveriam ter sido admitidos aqueles ajuizados antes da mudança e imposta a nova restrição apenas aos que sobreviessem após a alteração no entendimento.

Lembro-me que cheguei a sustentar questão atinente à mudança jurisprudencial certa vez, não obtendo êxito, contudo – vide HC 114462, julgado e denegado pela 2ª Turma do STF, em 11/03/2014, cujo trecho de um dos votos vencidos, proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, transcrevo abaixo:

 

“Mas a mim, impressionou-me o segundo argumento trazido da tribuna, que é o argumento da segurança jurídica, que vai levar… Quer dizer, liminar concedida em 2012, agosto de 2012; um crime de furto tentado simples; duas tábuas, parece-me. E, aí, o dado objetivo é inequívoco, como o próprio Relator reconhece.

Eu tenho uma enorme dificuldade de vencer esse argumento. E, não podendo avançar além, não podendo deixar de levar em conta a configuração concreta do caso para conceder a ordem, tendo em vista exatamente a chamada proporcionalidade em sentido concreto de que fala o Procurador, de fato, vamos estar, aqui, permitindo que esse processo prossiga, muito provavelmente, para que não se aplique a pena, sem que haja nenhuma utilidade.”

 

De qualquer modo, ainda que em termos de competência ou de matéria eleitoral, o STF já esposou entendimento que penso ser o mais consentâneo com a segurança jurídica. O raciocínio apresentado nos julgados cujas ementas colaciono abaixo pode ser aplicado em qualquer matéria. Segurança jurídica é essencial. Confere estabilidade, evita surpresas e minimiza as injustiças.

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I. REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO.

(…)

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: (1) resolver o caso concreto no sentido de que a decisão do TSE no RESPE 41.980-06, apesar de ter entendido corretamente que é inelegível para o cargo de Prefeito o cidadão que exerceu por dois mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em Município diverso, não pode incidir sobre o diploma regularmente concedido ao recorrente, vencedor das eleições de 2008 para Prefeito do Município de Valença-RJ; (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.” (RE 637485, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-095 DIVULG 20-05-2013 PUBLIC 21-05-2013) grifo nosso

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa –, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.” (CC 7204, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58) grifo nosso

 Brasília, 6 de dezembro de 2016

Andamento dos principais processos sobre saúde acompanhados pela DPU no STF

Andamento dos principais processos sobre saúde acompanhados pela DPU no STF

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Apresento, no quadro abaixo, o andamento atual dos principais processos tratando do fornecimento de medicamento e tratamento de saúde pelo Estado ao cidadão, acompanhados pela DPU perante o STF, cujas decisões serão capazes de gerar efeitos multiplicadores.

 

  Processo Tema Fase Chegada ao STF
1 RE 566471 Fornecimento de medicamento de alto custo pelo Estado Em julgamento. Vista ao Ministro Teori Zavascki desde 28/09/2016  

08/10/2007

2 RE 657718 Fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA pelo Estado Em julgamento. Vista ao Ministro Teori Zavascki desde 28/09/2016  

19/09/2011

3 RE 855178 Solidariedade dos Entes Estatais no fornecimento de medicamentos Aguardando o retorno dos REs 566471 e 657718  

26/11/2014

4 PSV 4 Solidariedade dos Entes Estatais no fornecimento de medicamentos e bloqueio de verbas do Estado Aguardando o julgamento dos REs  

11/12/2008

5 RE 607582 Bloqueio de verbas do Estado para fornecimento de medicamentos Interposto agravo pelo Estado conta decisão monocrática que negou seguimento ao recurso  

04/01/2010

 

Há outros casos relevantes, como o RE 605533, em que se discute a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública para compelir os Entes Federados a fornecer medicamentos a portadores de certas doenças. Destaquei aqueles em que há forte atuação da Defensoria Pública da União. Aproveito, de todo modo, para destacar que concordo com a legitimidade do MP no caso acima. Há muito a ser feito em favor dos mais carentes e toda ajuda é bem-vinda.

A DPU apresentou pedido de celeridade na apreciação do RE 566471, ainda em 28/07/2015.

Quanto ao RE 657718, formulei, em 28/10/2016, pedido de tutela de urgência ao Ministro Relator, considerando que, no caso em concreto, o medicamento requerido pela recorrente, assistida da Defensoria Pública, já foi registrado na ANVISA e mesmo assim ela continua sem recebê-lo e a conclusão do feito, ao que parece, ainda vai demorar.

O tema solidariedade no fornecimento de medicamentos já estava bastante consolidado no STF, todavia, a Corte quis submetê-lo à sistemática da repercussão geral, o que é positivo, no entanto, tal medida acabou por prejudicar a celeridade desejável (RE 855178 e PSV 4).

No que respeita ao RE 607582, a Ministra Ellen Gracie tinha negado seguimento ao recurso do Estado do Rio Grande do Sul, que interpôs agravo interno. Houve pedidos dos Estados e do Distrito Federal, da União e da DPU no sentido de serem admitidos como amici curiae, ainda não apreciados. Na data de ontem, 25/11/2016, reiterei o pleito.

Brasília, 26 de novembro de 2016

Duas dicas rápidas sobre habeas corpus

Duas dicas rápidas sobre habeas corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Vão aqui duas dicas, aspectos corriqueiros, a respeito da impetração de habeas corpus, principalmente no que respeita ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, que podem ajudar a quem começa a atuar na área.

A primeira delas é avisar que o enunciado da Súmula 691 do STF foi alargado. A citada súmula restringia a impetração de habeas corpus contra decisões que apenas indeferiram liminar na instância anterior, sem julgar o writ definitivamente. Atualmente, mesmo que a decisão monocrática seja definitiva e não mera cautelar, prevalece, de forma bastante pacífica no STJ e no STF, que não cabe HC contra ela, caso não tenha sido tornada colegiada pela via do agravo interno.

Em suma, o habeas corpus foi julgado de forma monocrática? Agrave, ou a chance do mérito do HC impetrado na Corte ad quem não ser apreciado é bem grande.

Há situações em que essa necessidade se torna completamente inadequada e contraproducente para a parte, principalmente, e também para os tribunais. Um exemplo ajuda a compreensão. Um Ministro do STJ denega um HC monocraticamente com base em jurisprudência consolidada da Corte Superior. O agravo interno terá o mesmo destino, certamente. Por outro lado, a linha adotada pelo STF é favorável ao paciente. Qual o sentido em se impor o agravo em casos como esse, bem comuns, aliás? Aumento de trabalho para todos. O recomendável é agravar, todavia.

Há pressa e o tema é bom? Faça o HC para o tribunal superior sem deixar de agravar da decisão singular. Dá mais trabalho, mas é o melhor caminho (ou, ao menos, o mais seguro).

Segunda sugestão. Indique na peça, expressamente, que deseja fazer “sustentação oral”. Alguns gabinetes de Ministros informam, mesmo sem esse pedido, a data do julgamento do writ, mas nem todos.

Certa vez, participei de uma reunião, juntamente com o então Defensor Geral Federal, com um(a) Ministro(a) do STJ que reclamou que havia pedidos de sustentação que depois não eram proferidas pelo impetrante.

Da minha parte é fácil explicar. A Defensoria Pública da União (DPU) impetra dezenas de habeas corpus com o mesmo tema. Não tenho como saber qual será julgado primeiro. Assim, quando um em que desejo falar é colocado em mesa, faço a sustentação e, na maioria das vezes, dou por encerrada a questão. Por outro lado, o ideal é sustentar antes de a matéria discutida ficar consolidada na Corte. Assim, os pedidos devem ser feitos em todos os HCs, em razão da eventualidade.

São dicas simples que podem ajudar a melhorar o aproveitamento e a chance de êxito dos habeas corpus.

Brasília, 18 de novembro de 2016

Seletividade

Seletividade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Estava preparando um texto um pouco mais longo, que talvez divulgue depois. Todavia, após ler uma notícia publicada no jornal Folha de São Paulo, de 14 de novembro de 2016, informando que em 96,5% das ações penais movidas contra congressistas não houve qualquer punição ao acusado[1], faço questão de comentar três habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União perante o STF com que tive contato, apenas nos últimos dias, tratando da aplicação do princípio da insignificância ao delito de furto.

HC 137.838 – o paciente desta impetração foi acusado de furto simples, na forma tentada, de uma peça de picanha no valor de R$ 40,80. Foi condenado a 9 meses de reclusão em regime semiaberto por ser reincidente. O Ministro Teori Zavascki concedeu a liminar para colocá-lo em regime aberto até o julgamento final do writ, ainda pendente.

RHC 137.411 – o recorrente neste caso foi acusado da suposta prática de furto simples tentado de uma bolsa contendo R$ 30,00. Foi condenado à uma pena de 1 ano, 5 meses e 10 dias, no regime inicial semiaberto. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pelo desprovimento do recurso – Dra. Cláudia Sampaio Marques. O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do recorrente.

HC 136.286 – o paciente no caso foi acusado da suposta prática de furto simples, na forma tentada, de dois pares de chinelo no valor de R$ 30,00 de um supermercado, sendo abordado, na saída pelos seguranças do estabelecimento. Foi condenado a 9 meses e 10 dias de reclusão no regime inicial semiaberto, sendo ele reincidente. O parecer da Procuradoria Geral da República foi pela denegação da ordem – Dra. Cláudia Sampaio Marques.  O Ministro Celso de Mello, de forma monocrática, denegou a ordem de habeas corpus em decorrência da condição de reincidente do paciente.

Vejam os 3 casos. Furtos tentados nos valores de R$ 40,80, R$ 30,00 e R$ 30,00. Crimes sem violência ou ameaça, bens restituídos.

Agora, leiam as notícias sobre os detentores de foro privilegiado, também chamado de “por prerrogativa de função”.

Sim, são situações diferentes, mas me parece – talvez seja equívoco meu – que o rigor é maior com o mais pobre, que praticou conduta ínfima.

Ah, mas são reincidentes! Só podem ser reincidentes por terem sido julgados algum dia. Se os processos tramitassem por anos, seriam primários.

Você agravou nos dois casos com decisão definitiva? Não. Eles seriam julgados no Plenário virtual sem que eu, ao menos, pudesse sustentar.

Ah, mas quem pratica vários furtos tem mesmo que ser julgado e condenado. Pena que, ao que me parece, essas pessoas são as que mais são julgadas e condenadas… O caso do bombom – lembram-se? – é bem mais comum do que parece.

Não sou abolicionista, mas precisamos repensar nosso sistema. E meros discursos contra o encarceramento não vão resolver.

Devemos aumentar o rigor? Que tal começarmos com os graúdos? De qualquer modo, excessos não me agradam, preciso dizer para concluir.

Brasília, 15 de novembro de 2016

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1832077-prescricao-atinge-um-terco-de-acoes-contra-politicos-no-supremo.shtml

Que fase!

Que fase!

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Não aguento mais falar dos problemas da Defensoria Pública da União. É um assunto lamentável, principalmente por ser cada vez mais atual e gritante.

Já tratei do tema em texto anterior, mas, infelizmente, a situação da Instituição não só não melhorou, como sofreu piora.

Vimos, nos últimos meses, várias carreiras receberem aumento (recomposição, reajuste, não importa, tratarei simplesmente como aumento, pois o efeito prático é o mesmo) e sermos, mais uma vez, preteridos. Nosso projeto de Lei foi vetado pelo presidente da República no último dia do prazo, de forma extremamente cruel, pois primeiro chegou o aviso de veto parcial e, depois, integral, segundo o noticiado.

A diferença remuneratória bastante grande que existia entre nós e o Ministério Público e a Magistratura alastrou-se para outras carreiras que obtiveram aumento.

O resultado dessa discrepância agora generalizada, somada à decepção pela forma como veio o veto, bem como às dificuldades estruturais da carreira, é um desânimo completo que assombra a todos nós em cada corredor da Instituição.

A questão é que os problemas vêm aumentando e estão se acumulando, pelo que sinto que a DPU parece regredir em alguns aspectos, infelizmente.

Participamos cada vez mais de discussões relevantes nos âmbitos jurídico e, inequivocamente, político nacionais, mas o respaldo que recebemos está completamente distante do mister que assumimos.

Resultado, as forças vão se esvaindo e cada vez mais a porta de saída é vista como solução única pelos colegas. Vivi isso quando da entrada na carreira, há quinze anos atrás. Achava, todavia, que esse tempo tinha sido superado. Ledo engano.

Claro que as pessoas entram e saem de uma carreira por diversos motivos, como vocação, proximidade com sua cidade natal, entre outros, mas a debandada que se anuncia na DPU tem origem específica: a sensação de abandono e a falta de perspectivas em curto e médio prazos.

Aqui, calha fazer uma observação. É intelectualmente desonesto, com o devido respeito, tentar entender a insatisfação dos Defensores Públicos Federais com base nos valores absolutos por nós percebidos. Impende seja feita a devida comparação com as carreiras públicas que exercem funções assemelhadas e que possuem forma de acesso também pelo concurso público com várias fases.

Em tempo, acho completamente pertinente a discussão a respeito da, por vezes, excessiva valorização das carreiras jurídicas em comparação a outras públicas muito relevantes, de qualquer modo, nós, Defensores Federais, estamos longe, muito longe, do topo da pirâmide.

Falando em termos pessoais, o pior nessa situação é que eu não sei o que fazer. São quinze anos de grande dedicação, dez deles com intensa atuação perante o STF e me chateia demais ver a carreira desmoronando.

Mas a verdade é que ninguém consegue se sentir tão desprezado e fingir que nada aconteceu. Em suma, instala-se um círculo vicioso de desvalorização de membros, assistidos e da própria Defensoria.

Para piorar, considero o momento atual o pior em termos de resultados nos processos da DPU em muitos anos. Essa questão merece tratamento em texto próprio, mas ajuda a desanimar. Vejo um rigor crescente na matéria penal e risco também nas questões dos direitos sociais patrocinados pela Defensoria. Sinto que somos um estorvo a dizer o que não se quer ouvir, a fazer comparações inconvenientes, a comparar rigores e branduras.

Se todas as saídas de colegas se confirmarem, não sei o que ocorrerá. Também não consigo imaginar o que será de quem ficar se o salário for mantido o mesmo indefinidamente. É uma encruzilhada.

O trabalho de quem defende os mais pobres não é fácil. Espero que isso um dia mude, mas essa perspectiva parece bem distante.

Brasília, 6 de novembro de 2016

 

 

Sobre temas discutidos no twitter (execução penal e tráfico de drogas)

Sobre temas discutidos no twitter (execução penal e tráfico de drogas)

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Nem sempre é fácil explicar as coisas nos limitados caracteres do twitter, mesmo usando o recurso de mandar vários em seguida.

Hoje, participei de um questionamento e fui perguntando em outro, sobre dois temas envolvendo direito penal.

Respondo aqui brevemente.

 

Execução penal, progressão e o Informativo 832 do STF

O Informativo 832 do STF noticiou o julgamento de dois agravos em 2 execuções penais oriundas da ação penal 470, o famoso “mensalão”.

Alguns cuidados devem ser tomados por quem estuda esses precedentes.

Em primeiro lugar, alguns dos crimes imputados aos acusados na citada ação, ocorreram antes da vigência da Lei 10.763/03 que alterou tanto o artigo 33 do CP, a ele acrescendo o §4º, impondo a reparação do dano nos crimes contra a administração pública para a progressão de regime, quanto o preceito secundário dos crimes de corrupção passiva e ativa. Por outro lado, outras condutas já foram posteriores, aplicando-se a elas a novel redação do Código Penal.

Em seguida, pelo que sei, nem todas as acusações foram por crimes contra a administração pública, de forma a incidir o §4º do artigo 33 do CP àqueles praticados após a Lei 10.763/03. Houve acusações sobre as mais variadas condutas.

E, segundo entendo, a exigência do STF, além da reparação do dano, foi o pagamento da multa, ainda que parcelada, ou a demonstração da impossibilidade de fazê-lo. Multa e reparação do dano não se confundem. A leitura do acórdão do EP 12 Prog Reg-AgR parece deixar isso bem claro, ao dizer que a multa pode ser dispensada em caso de falta de condição, a reparação do dano, não:

“25. A exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. Aqui, diferentemente do que assentei em relação ao crime de peculato no precedente já referido (EP 22-AgR, caso João Paulo Cunha) – em que a restituição do dinheiro desviado se mostrou imperativa para a obtenção do benefício –, é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal (“o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais”). (EP 22 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, Pleno, julgado em 17/12/2014)

Assim, pelo que entendi, a discussão ocorrida na EP 8 Prog Reg-AgR, noticiada no Informativo 832/STF, foi sobre a necessidade do pagamento de multa para a progressão de regime, não versando sobre reparação do dano.

 

Tráfico, quantidade de droga e hediondez

Esse tema acaba sendo resolvido caso a caso, mas algumas balizas podem ser fixadas, segundo o entendimento prevalecente do STF.

O tráfico privilegiado não é hediondo (aquele em que incide a minorante do artigo 33, §4º da Lei 11.343/06). O HC 118.533, julgado pelo Plenário do STF, continua a ser o paradigma quanto a isso.

O processo escolhido (HC 118.533) e levado ao Pleno para a discussão da hediondez quase nos fez perder a tese em decorrência da quantidade de droga transportada pelos pacientes. Todavia, o que verdadeiramente importava no caso é que as instâncias ordinárias já tinham reconhecido a aplicação da causa de redução de pena para o chamado pequeno traficante. Ou seja, a discussão não era mais essa e sim se, reconhecida essa condição, poderia ser afastada a hediondez da conduta.

Na maioria das vezes, a aplicação ou não da minorante deve ser decidida pelas instâncias ordinárias, por demandar, segundo o STF, revolvimento fático-probatório.

Há situações excepcionais, contudo. Por exemplo, o mero afastamento da redutora pela condição de mula do acusado, sem qualquer indício de habitualidade delitiva.

Em resumo, aplicada a redução de pena do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, o tráfico não será hediondo, esse era o cerne do HC 118.533.

A mera quantidade de droga não determina que a redutora será ou não afastada. Todavia, a depender da quantia, ela pode ser um indicativo de habitualidade (nem sempre, por óbvio).

Brasília, 30 de outubro de 2016