Sobre as idas e vindas da ADI 5296

Sobre as idas e vindas da ADI 5296

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Em 10/04/2015, a Presidente Dilma Rousseff ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5296), impugnando a Emenda Constitucional 74, que conferiu autonomia à Defensoria Pública da União. A ADI foi distribuída à Ministra Rosa Weber.

A ação direta teve como fundamento suposto vício de iniciativa na citada Emenda, deflagrada no Congresso Nacional. Alegou a autora da ação que, por supostamente atingir disposições relativas a regime jurídico de servidores públicos, a proposta de emenda constitucional só poderia ter sido iniciada por proposição emanada da Presidência da República, tendo sido o Poder Executivo indevidamente excluído do processo legislativo.

Foi formulado pedido de medida liminar em razão de auxílio-moradia deferido pelo Conselho Superior da DPU, o que, alegadamente, geraria urgência na apreciação do pleito. Cabe dizer que quando do ajuizamento da ação, o referido auxílio já tinha sido suspenso por decisão judicial desde dezembro de 2014, ou seja, há aproximadamente 4 (quatro) meses, em decorrência de ação proposta pela própria Advocacia-Geral da União. Seria difícil conseguir outra razão para justificar o pedido cautelar, uma vez que a Emenda Constitucional impugnada tinha sido publicada em agosto de 2013, ou seja, mais de 1 (um) ano e meio antes da ADI com pedido de “urgência”.

Foi adotado o rito previsto no artigo 10 da Lei 9868/99. Foram admitidos diversos amici curiae, favoráveis e contrários à procedência da ação, dentre eles a própria Defensoria Pública da União e a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.

O feito foi incluído em mesa para a apreciação da medida cautelar na sessão de 23/09/2015. Entretanto, a ADI 5296 foi retirada de pauta, pois o Ministro Luiz Fux, relator de diversos outros processos de controle concentrado de constitucionalidade tratando do tema “Defensoria Pública”, não estaria presente na citada sessão e havia a intenção de que eles fossem julgados na mesma oportunidade (ADI 5286, ADI 5287 e ADPF 339). Esta informação foi obtida pelo subscritor através de contato firmado com a secretaria do Plenário do STF.

O julgamento foi então marcado para 30/09/2015. Às 11.39 h do dia em que designado o julgamento, em sessão que teria início às 14.00 h, o Advogado-Geral da União peticionou requerendo o adiamento da apreciação do processo, sem, entretanto, apresentar as razões de assim proceder. A tarde do dia 30 de setembro foi mesmo tomada pelo julgamento de outro feito que se arrastou pelo dia todo.

O curioso foi que os processos relatados pelo Ministro Luiz Fux, que tinham justamente provocado o adiamento da apreciação da cautelar na ADI 5296, foram passados para a sessão do dia seguinte, 1º/10/2015, sendo excluído apenas aquele que interessava à DPU. Não houve, entretanto, qualquer despacho, pelo menos até o momento em que redijo o presente, acatando o pedido de adiamento formulado pela AGU (1º/10/2015, 1.51 h).

Certo é que a ADI 5296, que contém pedido de liminar, o que estaria a indicar urgência, foi retirada de pauta aparentemente a pedido da autora, despido de fundamento, que, por sua vez, não foi despachado, mas parece ter surtido efeito. Caso contrário, qual seria a razão de terem sido mantidas as demais ações sobre Defensoria Pública e excluída a da DPU? Há feito na pauta do dia 1º de outubro sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, o que indica que ela estará presente à sessão.

Em tempo, as datas, as inclusões em pauta, o pedido de adiamento podem ser consultados no sítio eletrônico do STF. Quanto à pauta anterior, constando a ADI 5296 para a sessão do dia 30/09/2015, juntamente com as outras ligadas à Defensoria, ela está salva em meus arquivos, já que o Tribunal atualiza suas pautas de acordo com o que acontece (o que foi listado, mas não julgado, é depois retirado).

As surpresas e idas e vindas acabam por gerar insegurança e questionamentos e, como não temos respostas, a especulação voa livre.

Esses são, inacreditavelmente, meus últimos dias em férias!

Brasília, 1º de outubro de 2015

 

 

Momentos de Bariloche

Dois momentos de Bariloche, Argentina. Vista do Lago Nahuel Huapi a partir do Cerro Campanário. Sem dúvidas um dos lugares mais belos em que já estive.

As fotos são amadoras e sem retoques, o que só reforça a beleza do lugar.

Brasília, 29 de setembro de 2015

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Foto tirada no verão de 2011

Foto tirada no verão de 2011.
Foto tirada no verão de 2011.

Foto tirada no final do inverno, começo da primavera de 2015.

Foto tirada no final do inverno, começo da primavera de 2015.
Foto tirada no final do inverno, começo da primavera de 2015.

CNBB vai apoiar debate no STF para União ser acionada em processos de saúde

Segue, abaixo, notícia extraída do sítio eletrônico da DPU, destacando o apoio da CNBB às pautas apresentadas pela Instituição em reunião realizada em 15 de setembro de 2015.

Ajuda fundamental para nossos assistidos.

Brasília, 19 de setembro de 2015

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

CNBB vai apoiar debate no STF para União ser acionada em processos de saúde

CNBBBrasília – A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou pedido de apoio da Defensoria Pública da União (DPU) para quatro ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal sobre temas relacionados à defesa de interesses da população mais pobre do país. Entre essas ações, se destaca o Recurso Extraordinário (RE) 855.178, que pode pacificar entendimento de que a União também pode ser acionada nas questões de prestação de saúde, como a oferta de medicamentos.

A decisão da CNBB foi tomada nesta quarta-feira (16), por meio do seu Conselho Episcopal Pastoral, atendendo pedido apresentado pela da DPU em reunião ocorrida no dia anterior. O pedido foi levado pessoalmente pelo defensor-público geral federal, Haman Tabosa de Moraes e Córdova, acompanhado do defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro, da Assessoria de Atuação perante o STF (AASTF), em encontro com secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, e 18 bispos do Conselho Pastoral.

O interesse da DPU é manter a decisão do Plenário Virtual do STF que reconheceu a legitimidade da União para ser incluída no polo passivo das ações de saúde, normalmente relacionadas a fornecimento de remédio, internação em UTI e garantia de tratamento. No entanto, a Advocacia-Geral da União tenta reverter a decisão por meio de embargos de declaração com efeitos modificativos que tramitam no plenário físico e cujo julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Edson Fachin no dia 5 de agosto passado.

Para a DPU, a defesa dos direitos de saúde exige que ações relacionadas a medicamento ou tratamento possam ser opostas aos três entes que participam do Sistema Único de Saúde (SUS): municípios, estados e União. O defensor público-geral federal Haman Córdova já havia encaminhado ao STF petição para que eventual decisão para nova votação da responsabilidade solidária dos Entes Federativos nas prestações de saúde seja sucedida de amplo debate.

De acordo com informação da CNBB, a organização vai colaborar também nos outros três casos levados ao conhecimento dos bispos pela DPU. Um trata do RE 566.471, interposto pelo estado do Rio Grande do Norte, sobre o fornecimento de tratamento de alto custo pelo poder público. No caso da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57, apresentada pela DPU em 2011, o objetivo é fixar o entendimento de que o condenado não pode permanecer em regime mais severo se faltar vagas em caso de progressão no cumprimento da pena.

O outro pedido apresentado à CNBB diz respeito ao RE 729.884, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e em que a DPU requereu admissão na condição de amicus curiae. O recurso defende que a liquidação da quantia devida por condenação do instituto ao pagamento de benefícios em atraso seja feita pela contadoria do juízo. O encontro serviu também para que os bispos conhecessem melhor o trabalho da DPU e tirassem dúvidas sobre as atribuições da instituição.

 

DSO/FPM
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União

Um dia de luta

O e-mail abaixo transcrito foi enviado aos meus colegas Defensores Públicos Federais. Ele não contém nada de sigiloso ou que envolva a intimidade de qualquer assistido, pelo que pode ser lido sem restrições por qualquer um.

É o resumo de um dia extremamente cansativo, de lutas, reuniões, sustentação oral, presença no STF, mas igualmente satisfatório pela sensação não só de dever cumprido, mas da luta por uma causa de forma intensa e integral.

Ser Defensor não é fácil em uma série de circunstâncias, mas é extremamente gratificante na maioria delas.

A luta pelos mais fracos nunca é fácil, as vitórias fáceis não têm a menor graça.

Brasília, 16 de setembro de 2015

Gustavo de Almeida Ribeiro

Eis o e-mail:

Colegas, temos tido tantas atividades ultimamente que mal tenho conseguido comentar, mas algumas coisas, que nos dão satisfação e sensação de dever cumprido, eu gostaria de compartilhar com os colegas. Não por vaidade pessoal (talvez um pouco, sou humano – risos), mas principalmente por ver a DPU, problemas remuneratórios à parte, se firmar e ser reconhecida na marra, mesmo apesar das dificuldades que enfrentamos.

1.            Hoje, eu e o Dr. Haman estivemos na CNBB. Particularmente, saí muito satisfeito. Senti interesse por parte dos Bispos, que perguntaram, quiseram mais informações, deram sugestões. Pediram a nossa presença nas dioceses pelo país para o compartilhamento de apoio e atuação. Distribuímos material que tínhamos preparado com o apoio da Imprensa e da Keite Camacho, que hoje trabalha com o Antonio Ezequiel, contendo endereços, informações básicas e quatro processos relevantes no STF para eventual apoio da CNBB.

2.            Mais tarde fui para o STF sustentar o HC 128554, impetrado pela Tatiana Lemos (fico devendo os nomes dos demais colegas) em que se discutia a confirmação da presença do THC em pequena porção de maconha (2 gramas) apreendida com soldado que prestava serviço militar obrigatório para a configuração da materialidade do delito.

Estimulado pelas recentes discussões sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, resolvi subir à tribuna para destacar os ainda maiores discrepância e anacronismo caso prevaleça o entendimento que vai se configurando majoritário no RE 635659 em relação ao ultrapassado artigo 290 do CPM.

Sustentação oral tem umas coisas curiosas e sou bem rigoroso comigo. Já teve dias em que ganhei e pensei: “é, foi bem mais ou menos”. Hoje perdi, mas notei que causei um constrangimento grande principalmente para os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. O voto do Ministro Celso de Mello foi tão favorável, que quem perdeu a última frase achou que ele votou pela concessão da ordem (vi duas meninas comentando isso, aliás). Gosto disso. Prefiro ganhar, é claro, mas tirar os Ministros da zona de conforto e fazer um julgamento unânime com apoio em um precedente do Plenário se arrastar por boa parte da sessão sempre me deixa satisfeito. A DPU não aparece para cumprir tabela.

3.            Ultimou-se o julgamento do HC 126315 em que se questionava a consideração de maus antecedentes passado o período depurador de 5 anos, tal como ocorre na reincidência. A Ministra Cármen Lúcia levou voto-vista concedendo a ordem em menor extensão, no que foi acompanhada pelo Ministro Teori Zavascki. O Ministro Celso de Mello acompanhou os votos já proferidos pelos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, sendo a ordem concedida por 3 a 2.

“Decisão: Após o voto do Relator, concedendo a ordem, no que foi acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pela Ministra Cármen Lúcia. Falou, pelo paciente, o Dr. Gustavo de Almeida Ribeiro, Defensor Público Federal. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 17.03.2015.”

“Decisão: A Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido de habeas corpus para restabelecer a decisão proferida pelo TJ/SP nos autos da Apelação n. 0005243-89.2010.8.26.0028, no que diz respeito à quantidade de pena aplicada, e determinou, ainda, ao Tribunal de origem que, afastando o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, proceda a nova fixação do regime inicial de cumprimento de pena, segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º do CP, nos termos do voto do Relator, vencidos, em menor extensão, os Senhores Ministros Cármen Lúcia e Teori Zavascki, que deferiam parcialmente a ordem. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 15.09.2015.”

4.            Está na pauta do Plenário do STF para amanha o julgamento dos embargos de declaração no RE 855178 em que se discute a solidariedade no fornecimento de medicamentos. Nesse processo a luta foi tão grande, que após o resultado ele merece um e-mail próprio. O Antonio Ezequiel terminou agora à noite os memoriais e recebi, no final da tarde, e-mail da professora da USP, Sueli Dallari, contendo parecer assinado por diversos professores de várias áreas manifestando-se em favor da solidariedade. O contato insistente com a professora foi feito pelo Gustavo Zortéa. Assinam o documento, entre outros:

Sueli Gandolfi Dallari – Advogada, Professor Titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; Coordenadora Científica do Núcleo de Pesquisa de Direito Sanitário da USP; Diretora Geral do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA

Fernando Mussa Abujamra Aith – Advogado, Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Vice-Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo / Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA

Dalmo de Abreu Dallari – Advogado, Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo / Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA

Helena Akemi Watanabe – Enfermeira, Professora Doutora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo / Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA

Paulo Roberto do Nascimento – Cientista social, Analista Sociocultural – Secretaria de Estado da Saúde/SP. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo / Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA

Transcrevo a conclusão:

“A competência comum, portanto, enseja a responsabilidade solidária e o dever de todos os entes federativos de cuidar da saúde dos cidadãos de forma universal e integral. Compreender a competência comum e a responsabilidade solidária de maneira diferente seria limitar o direito à saúde em evidente violação às determinações constitucionais. A competência comum para cuidar da saúde, determinada pelo Art. 23, II, da Constituição Federal, configura-se como um cláusula pétrea e fundamental para a proteção do direito social à saúde no Brasil, tal como reconhecido pelos Arts. 6o e 196 da Carta. Nenhuma norma infraconstitucional terá, jamais, o poder de limitar o direito do cidadão ou de coletividades específicas de exigir de qualquer dos entes federativos (inclusive dos três ao mesmo tempo) o cumprimento do dever estatal de garantia do direito à saúde.”

Ainda somos poucos e temos nossas limitações, mas estamos nos tornando adversários mais organizados e experientes.

Abraços,

Gustavo Ribeiro

 

Sincronicidade

Sincronicidade

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A vida tem mesmo algumas coincidências impressionantes. Estava me preparando para fazer duas sustentações orais perante a Segunda Turma do STF e relendo o roteiro que tinha elaborado no dia anterior à sessão.

Fiz uma introdução que serviria para os dois habeas corpus que seriam julgados, falando que em tempos de crise são justamente os mais pobres, os mais frágeis, os primeiros a sofrer todos os tipos de mazelas.

Em um dos casos, pedia-se a aplicação da minorante do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 ao paciente, sem antecedentes, flagrado com menos de 28 gramas de cocaína. No outro, impugnava-se a prisão cautelar de acusado de homicídio qualificado tentado, fundamentada, no entender da Defensoria, de forma bastante genérica. Neste segundo feito, a prisão já se arrasta há mais de um ano e consta dos autos ofício assinado pela Magistrada em que ela afirmou textualmente: “Em virtude da falta de estrutura, é impossível o cumprimento dos prazos processuais, sendo necessária a instalação das três varas previstas na LOJ.” (documento acostado aos autos eletrônicos do HC 128676/STF)

Pouco mais de duas horas antes da sessão se iniciar, vejo um “tuíte” do colega de Defensoria, Caio Paiva, indicando entrevista com a renomada escritora e professora Flávia Piovesan, no site “justificando.com”, cujo título já diz muito: “Flávia Piovesan: uma das consequências da crise brasileira é o recrudescimento penal”.

Comecei as sustentações justamente com a observação que tinha preparado, chamando a atenção para a companhia ilustre e qualificada que tinha acabado de descobrir para a minha linha de argumentação.

Infelizmente, perdi os dois habeas corpus por unanimidade. Afinal, em tempos de crise…

Brasília, 4 de setembro de 2015

 

O que realmente importa na questão da saúde

O que realmente importa na questão da saúde

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A questão nodal discutida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 855178, envolvendo a prestação adequada dos serviços de saúde pelo Estado, através de hospitais em condições dignas e do fornecimento de medicamentos, é bastante simples: para o cidadão importa receber o tratamento adequado, seja ele custeado por qual Ente Público for, em tempo hábil.

A premissa acima resume uma das maiores preocupações que atingem a Defensoria Pública da União, responsável pelo atendimento de milhares de pessoas que buscam a Instituição diuturnamente à procura de assistência para a obtenção de medicamentos ou intervenções hospitalares.

Prevalece no Supremo Tribunal Federal, entendimento reafirmado no julgamento do RE 855178, com repercussão geral reconhecida, que União, Estados e Municípios são responsáveis solidários pela prestação dos serviços de saúde. Feita a afirmação jurídica, cabe traduzi-la para o aspecto prático. A solidariedade significa para o cidadão poder demandar qualquer dos Entes Públicos para receber o tratamento de que precisa. Ajuizando ação contra o Município, o Estado em que mora e a União, qualquer um deles poderá ser compelido a prestar o medicamento. Essa possibilidade traz diversas vantagens para o requerente. Em primeiro lugar, afasta o já conhecido jogo de empurra, tão praticado pela administração pública brasileira. Em seguida, evita a alegação dos Estados e, principalmente, dos Municípios pequenos de falta de verbas. Mais ainda, impede a confusão por parte do Magistrado em saber quem é o responsável por cada tipo de prestação. Há também outros aspectos, como pedidos que poderiam ser divididos, caso não prevalecesse a solidariedade, entre Justiça Federal e Estadual, burocratizando o acesso ao medicamento.

A reiteração parece despiscienda, mas as sucessivas notícias de descaso com a saúde exigem a repetição: saúde pública deve ser a prioridade primeira do Estado e tem urgência presumida na maior parte dos casos. Em incontáveis situações, a simples demora é sinônimo de uma sentença de morte. Embora não seja médico, invoco o exemplo da apendicite, que tratada a tempo e modo não costuma gerar consequências, mas sem atendimento, pode levar a óbito.

As notícias com gastos de menor importância, bem como de verdadeiras fortunas desviadas por servidores públicos corruptos também indicam que o problema não é exatamente falta de verba, mas sim investimento errado ou a prática de crime. Quanto ao primeiro aspecto, cabe lembrar que a discricionariedade do administrador público é sempre limitada, vez que ele nunca está dispensado de buscar precipuamente o atendimento ao interesse público, sendo que nada pode ser mais essencial que o atendimento de qualidade nos serviços de saúde.

Deve ainda ser rechaçada a alegação de que o momento de dificuldade financeira experimentado pelo país justificaria a imposição de limites nos gastos na área. A conclusão deve ser exatamente contrária a essa. Em tempos de escassez, arrocho, aumenta a responsabilidade estatal no fornecimento de bens essenciais, capazes de manter a dignidade humana. Em época de crise, exclui-se o supérfluo, sem se descurar do essencial. Nada é mais inadiável que a saúde.

Portanto, o que busca a DPU, em diversas ações tratando de medicamento, é que a assistência seja integral, gratuita e de qualidade, sendo colocada como prioridade absoluta pelo Estado Brasileiro. A solidariedade, discutida no RE 855178, julgado pelo Plenário Virtual do STF, e agora atacado por embargos de declaração da União, é um desses aspectos que a Instituição reputa essencial para que a qualidade na prestação da saúde não piore ainda mais. Todos os Entes Públicos são solidariamente responsáveis, sem ressalvas. O que verdadeiramente importa é que os medicamentos e os tratamentos adequados cheguem o mais rapidamente possível a seus destinatários. Todo o restante é secundário. Chega de pessoas tomando soro no chão, grávidas em macas espalhadas pelos corredores de hospital e crianças esperando meses para obtenção de fármacos urgentes. A saúde é prioridade. Essa é a bandeira da Defensoria Pública, é a nossa luta.

Brasília, 19 de agosto de 2015

Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Há algum tempo vinha pensando em escrever breves linhas sobre questões atinentes à estruturação e à autonomia da Defensoria Pública da União.

Estimulado pela decisão favorável proferida na Suspensão de Tutela Antecipada 800, pelo Ministro Presidente do STF, em que a DPU pedia a suspensão dos efeitos de determinação judicial para que a Instituição prestasse atendimento em determinada subseção judiciária, tecerei alguns comentários sobre o assunto. Aliás, a matéria em destaque no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, na tarde de 10 de agosto de 2015, tratava justamente do deferimento do pleito defensorial, suspendendo decisão proferida pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul em ação civil pública, o que está a demonstrar seu relevo.

Com quase quatorze anos de carreira, não posso negar que a Instituição experimentou razoável crescimento em diversos aspectos nesse período. Em outros, entretanto, a evolução foi lenta ou, a bem da verdade, quase inexistente.

Começo com um exemplo da última situação descrita acima. Até a presente data, a Defensoria não tem quadro de apoio próprio. Ao contrário do que ocorre no Poder Judiciário Federal ou no Ministério Público da União, contamos com alguns cargos do chamado Plano Geral do Poder Executivo e, principalmente, com servidores cedidos por outros órgãos públicos. Em suma, passada mais de uma década desde que tomei posse, a DPU continua sem quadro próprio, o que faz com que o rendimento do trabalho caia enormemente, apesar de reconhecer a grande ajuda de muitos dos servidores oriundos de outros entes.

Poderia enumerar incontáveis situações bizarras que a falta de quadro de apoio me fez passar, mas duas delas bastam. Após algum tempo de estabilidade no gabinete, contando com servidores cedidos que ficaram por mais de um ano, em um período de seis meses experimentei três ou quatro trocas de pessoas que mal conseguiam aprender o trabalho e pediam para sair, por razões diversas – uma delas, por exemplo, formada em odontologia, tinha dificuldade natural em fazer qualquer atividade relacionada ao Direito. Certo é que entre a chegada e a saída de um desses servidores ficou trabalhando comigo apenas uma estagiária que tinha, na oportunidade, duas semanas de casa. Como costumo brincar, ela mal sabia onde estavam os interruptores e sequer tinha alguém, além de mim, para lhe ensinar qualquer coisa. Em suma, quando eu tinha que sair para realizar atividade externa, o gabinete ficava por conta de uma pessoa não só inexperiente em termos profissionais, mas sem qualquer conhecimento da Instituição.

O crescimento do número de membros, por sua vez, é inegável, mas não na velocidade necessária para o cumprimento da missão constitucional confiada à DPU. Por isso, ações civis públicas para se colocar Defensores em todos os locais em que haja sede da Justiça Federal, mais que inócuas, são contraproducentes, vez que desestruturam o planejamento da Instituição. Aliás, durante algum tempo, ajudei o Defensor Público-Geral Federal a redigir e ajuizar os pedidos de suspensão das decisões proferidas em ACPs, lembrando-me de uma em especial que chegava ao cúmulo de impor multa pessoal ao Defensor-chefe de Manaus, caso não instalada unidade da DPU em Tabatinga/AM. Ora, o Defensor-chefe apenas administra seu núcleo, não tendo qualquer ingerência sobre os locais em que serão instaladas novas sedes, além disso, as distâncias amazônicas impedem qualquer deslocamento periódico.

A estruturação material também experimentou incremento, não se pode negar, mas está longe do ideal, principalmente em localidades menores. Em algumas faltam coisas básicas, simples, cuja aquisição se arrasta por falta de servidores e quadro de apoio adequado. Em suma, as carências se somam e se auto-alimentam.

Por todas as razões acima, as falas contra a autonomia da DPU devem também ser rechaçadas. Em primeiro lugar, porque em alguns aspectos não houve o mínimo interesse por parte do Poder Executivo em estruturar a Instituição, como já narrado.

Em seguida, mesmo no que aparentemente só importaria aos membros, refiro-me especificamente à remuneração, a questão é bem mais complexa do que parece após uma leitura rápida.

A imensa discrepância remuneratória existente entre Juízes e Membros do Ministério Público de um lado e Defensores de outro traz consequências nefastas para a carreira. Lamentavelmente, cria desrespeito por parte de alguns que veem no contracheque o indicativo único da relevância da atividade. Em seguida, faz com que muitas pessoas vocacionadas acabem saindo à procura de vencimentos melhores, esvaziando os quadros da Instituição. Outros permanecem, mas infelizes, insatisfeitos com o tratamento desrespeitoso por parte do Estado e acabam por se dedicar menos, ter menos empenho no exercício de suas funções.

Neste ponto, impende afastar argumentos lamentáveis, para se dizer o mínimo, como: quem está insatisfeito tem é que estudar para outro concurso, se não está bom saia ou na iniciativa privada é ainda pior. Ora, a comparação a ser feita é com outras carreiras jurídicas de Estado que exigem os mesmos requisitos para ingresso e exercício. O abismo remuneratório em nada se justifica. Com relação à iniciativa privada, a comparação é impossível e tal conclusão dispensa maiores digressões. Duvido sinceramente que qualquer autoridade pública, principalmente aquelas que são eleitas pelo voto popular, tivesse coragem de justificar em rede nacional de televisão que acha correto que o membro do Órgão de acusação receba mais do dobro daquele que defende os direitos dos mais frágeis – em matérias penais e extrapenais.

Em suma, não se trata apenas de “diferença” remuneratória, mas sim de um verdadeiro fosso que acaba por desvalorizar o trabalho do Defensor Público. Por fim, o título a que é paga a verba pouco importa na prática (indenizatória, cumulação, auxílio, etc.), pelo que justificativas nesse sentido servem mais para irritar que para explicar.

Por isso, as tentativas de se minorar as discrepâncias remuneratórias, muito além de significarem exclusiva defesa dos interesses dos membros, representam também a valorização da carreira em si. Não sou hipócrita a ponto de dizer que não interessa a cada Defensor ganhar bem, mas importa também a quem é por ele atendido. Valorização, no sistema capitalista, passa inequivocamente pela remuneração. Os Defensores Públicos não obtêm descontos em suas contas pela nobreza da função.

São igualmente irritantes as falas no sentido de se defender os ajustes fiscais, a contenção de gastos, as contas públicas para se justificar o tratamento dado aos Defensores. Os mesmos argumentos foram ignorados, ao que parece, no momento da aprovação e concessão de aumento nos subsídios, adicional por substituição e auxílio-moradia para Magistrados e Membros do Ministério Público. A memória seletiva não me convence.

Por todas as razões acima, a autonomia da Defensoria Pública da União deve ser mantida (sofre impugnação, aliás, através de ADI ajuizada perante o STF pela Presidente da República), consolidada e efetivada em todos os seus aspectos. Isso interessa aos Defensores, é verdade, mas também a todos os que são por eles atendidos. Desculpas e simplificações não resistem a uma análise minimamente detida.

Brasília, 11 de agosto de 2015

 

 

STF pode encerrar debate sobre legitimidade da União em ações de saúde

A notícia abaixo foi extraída do sítio eletrônico da Defensoria Pública da União. Importa reproduzir dada a relevância do tema.

Brasília, 6 de agosto de 2015

Gustavo de Almeida Ribeiro

<http://www.dpu.gov.br/noticias-nacionais/27295-stf-pode-encerrar-debate-sobre-legitimidade-passiva-da-uniao-nas-acoes-de-saude&gt;

STF pode encerrar debate sobre legitimidade da União em ações de saúde

slide remediosBrasília – A Defensoria Pública da União (DPU) apresentou contrarrazões requerendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) encerre discussão sobre a legitimidade passiva da União nas ações de saúde, entre elas a oferta de medicamento. A questão já foi decidida no Plenário Virtual do STF no sentido de reconhecer a solidariedade dos Entes Federativos na questão, mas a União interpôs embargos de declaração que foram apreciados nesta quarta-feira (5). A decisão foi adiada, entretanto, por pedido de vista do ministro Edson Fachin.

Para o defensor público federal Gustavo Zortéa, que assina as contrarrazões da DPU aos embargos de declaração, o recurso da União é meramente protelatório, porque a decisão do Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de ampla jurisprudência dominante da Corte Suprema admitindo a legitimidade passiva da União nas ações de saúde, dada a responsabilidade solidária dos Entes Federativos na questão, o que dispensa a ida desse debate ao plenário.

“A jurisprudência é tão pacificada que, realmente, não é preciso prolongar esse debate. E para o cidadão comum, a decisão é muito importante, porque as garantias de acesso à prestação da saúde ficam muito maiores quando ele pode acionar qualquer um dos Entes em busca do seu direito”, explicou. O STF informa a existência de 75 processos sobrestados a aguardar o trânsito em julgado da controvérsia, que é discutida em sede de repercussão geral no Recurso Extraordinário 855.178/SE.

O Plenário Virtual é um sistema eletrônico criado em 2007 pelo STF que permite aos ministros deliberarem sobre a repercussão geral de um recurso extraordinário e, conforme o Regimento Interno da Casa, também decidir sobre o mérito nos casos em que houver jurisprudência dominante firmada. No caso do RE 855.178/SE, os ministros reafirmaram a jurisprudência quanto à responsabilidade solidária da União, tendo o acórdão sido publicado em 16 de março passado.

Como seis ministros foram favoráveis à reafirmação da jurisprudência dominante e três apenas reconheceram a repercussão geral da matéria (a ministra Cármen Lúcia não votou e o ministro Edson Fachin não havia tomado posse), a União pleiteia que a questão seja levada ao plenário presencial. Além disso, alega que diversas nuances relacionadas ao tema da responsabilidade solidária deixaram de ser debatidas pelo STF.

O defensor Gustavo Zortéa, entretanto, relaciona precedentes de todos os ministros do STF, inclusive dos que votaram apenas pela repercussão geral, no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos Entes Federativos. Para ele, mesmo que o ministro Edson Fachin, por hipótese, seja contrário, “persistiria, ainda assim, ampla maioria em favor da tese, a justificar a manutenção da deliberação tomada pelo Plenário Virtual e a dispensar novo debruçar sobre o tema pelo Plenário presencial”.

Zortéa argumenta também que a matéria vem sendo discutida pelo STF há muitos anos, inclusive em audiência pública, como a convocada em 2009, que dedicou um dia para debater a responsabilidade dos Entes da Federação. “Diante desse quadro, não se pode imaginar que os votos colhidos em Plenário virtual, a propósito da responsabilidade solidária dos Entes Federativos por prestações de saúde, não tenham sido fruto de longa meditação dos integrantes dessa Suprema Corte”.

DSO/SSG
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União

Ainda sobre o princípio da insignificância

Ainda sobre o princípio da insignificância

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Na próxima semana, o Supremo Tribunal Federal retomará o julgamento dos habeas corpus impetrados pela Defensoria Pública da União e pela Defensoria Pública de São Paulo tratando do princípio da insignificância e sua aplicação no crime de furto.

Lamento soar exaustivo quanto ao tema, mas penso serem inevitáveis certas reflexões e questionamentos.

Em primeiro lugar, parece óbvio, mas não custa lembrar, que o mundo jurídico e suas respostas aos problemas e conflitos humanos não são uma realidade à parte, distante do que vivenciamos no dia a dia.

A situação econômica, a falta de educação pública de qualidade, os hospitais superlotados, a impunidade dos delitos chamados de colarinho branco, que durante tanto tempo grassou em nosso país, não justificam a prática de qualquer crime, mas não podem ser ignorados em seu julgamento.

Pior ainda, o desrespeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade é verificável até mesmo por crianças. Se dois filhos de um casal fazem bagunça em casa e o mais novo, tendo feito traquinagem menos grave, recebe castigo mais severo que o primogênito, imediatamente ele questionará a situação, perguntando aos pais por que foi punido mais rigorosamente sendo mais novo e tendo feito coisa mais leve. Ou seja, até crianças têm noção formada sobre os princípios acima. Entretanto, no Brasil, o que se viu historicamente foi a aplicação invertida desses fatores, com o maior rigor e severidade incidindo sobre os menos favorecidos, em todos os níveis, desde a edição da Lei até a execução da pena.

Quanto aos habeas corpus em si, são dois os pontos nodais da controvérsia para a aplicação da bagatela: a questão dos antecedentes do acusado, bem como a possibilidade de sua aplicação aos furtos qualificados.

As impetrações levadas ao Plenário pelo Ministro Roberto Barroso são representativas cristalinas das absurdas condenações que podem prevalecer caso se observe a vida pregressa dos acusados, deixando-se de lado a conduta em si. O HC 123108 trata do furto de chinelos no valor de R$ 16,00. Já o HC 123734 versa sobre o furto qualificado tentado de bombons no valor de R$ 30,00. Há também um terceiro habeas corpus, patrocinado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, de número 123533, em que a paciente foi acusada da suposta prática de furto qualificado de sabonetes íntimos no valor de R$ 48,00.

As notícias tratando do encarceramento em massa, dos presídios cada vez mais superlotados e do crescente aumento da violência apesar disso povoam os jornais veiculados por todos os meios de comunicação. Ou seja, a prisão como resposta estatal única parece não estar sendo eficaz no combate à criminalidade.

Apesar disso, o que tem prevalecido nas Turmas do STF e que, infelizmente, acho que será a tese vencedora no Plenário é que havendo reiteração delitiva ou em se tratando de furto qualificado, resta afastado o princípio da insignificância.

Em primeiro lugar, embora já mencionado à exaustão, cabe dizer que a condição pessoal do acusado não torna o fato materialmente atípico em típico. Aceitar afirmativa em contrário seria perigosa aproximação com o direito penal do autor.

Embora não possa, obviamente, ter certeza do que afirmo, fico com a impressão de que os feitos escolhidos como paradigmas, levados ao Plenário do STF pelo Ministro Roberto Barroso, tiveram como objetivo justamente mostrar que uma conduta ridícula, ínfima, não pode levar à condenação penal pelo simples fato de a pessoa ter contra si fato anterior. A subtração de um chinelo, cujo valor é inferior a R$ 20,00, justifica realmente a imposição de condenação com todos os seus efeitos deletérios? Pior, muitas vezes deve pena a ser cumprida na forma privativa de liberdade, oportunidade em que um furtador de quinquilharias será pós-graduado na escola do crime.

Se a vida pregressa justifica a imposição de pena por si só, a subtração de um lápis deverá culminar na condenação penal, caso a pessoa seja considerada reincidente. O mesmo resultado deverá sobrevir se o acusado subtrair uma bala ou um clipe de papel de um grande estabelecimento, afinal, o que importará será apenas sua vida anterior, sendo ignorados todos os demais fatores. Minha experiência de anos atuando perante a Suprema Corte demonstra que os exemplos que acabo de citar estão longe de inverossímeis ou mesmo raros. Já vi habeas corpus em que foram discutidas subtrações no valor de R$ 4,00 e R$ 6,00, ambos concedidos, mas tão somente após chegarem ao STF.

Em um país que ainda se destaca pela desigualdade social, pela falta dos serviços básicos que devem ser prestados pelo Estado ao cidadão, em que a punição aos poderosos ainda é completamente incipiente, parece inacreditável que um furto de R$ 4,00 leve alguém à prisão, mas é exatamente o que restará consolidado caso o STF denegue os habeas corpus afetados ao Plenário.

Também é preciso afastar a conclusão falsa de que todo furto qualificado é grave, por isso incompatível com a insignificância. Calha lembrar que o simples concurso de duas pessoas qualifica o furto, pelo que mãe e filha que, famintas, subtraiam um pacote de pão de um grande supermercado já terão cometido o crime na forma qualificada. Reitero que a mera qualificadora não é o bastante para se afastar a bagatela, como o exemplo mencionado bem demonstra.

Sei que ainda que sobrevenha a denegação das ordens, essas reflexões inevitavelmente passam pelo pensamento dos Ministros.

Temo pelo resultado, embora sinta que as ponderações acima foram observadas pelo Ministro Roberto Barroso na escolha dos feitos levados ao Plenário do STF. A insignificância não deve ser vedada de plano, sem análise do caso concreto. A proibição apriorística da aplicação do princípio da bagatela acabará por gerar absurdos como os narrados anteriormente, que estão longe de terem surgido apenas da imaginação do Defensor autor deste texto. São casos diários, frutos de fatores variáveis: a falta de educação e de oportunidades, a fome, o descaso estatal para com suas obrigações essenciais, e, por vezes, a malandragem, não se ignora isso. O lamentável é que o Brasil parece insistir em dar apenas uma mesma resposta para todas as hipóteses: cadeia. Se o rigor fosse generalizado, já não concordaria com a solução indistinta, mas nem isso ele é. Pior ainda, estamos vendo que a opção adotada está longe de resolver nossa violência cotidiana e nossas mazelas sociais.

Brasília, 1º de agosto de 2015

 

 

Não é só mais um processo

Não é só mais um processo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como Defensor Público, atuo em dezenas de habeas corpus versando sobre um mesmo tema perante o Supremo Tribunal Federal.

Muitas vezes, a jurisprudência conflitante entre as Turmas ou a relevância do assunto faz com que um processo paradigma seja afetado ao Plenário para a pacificação da controvérsia. Em outras tantas, a Turma interrompe por mais de uma vez o julgamento para decidir questão inusitada, decorrente justamente da maior presença da Defensoria Pública, visto que alguns aspectos do Direito Penal tem ligação quase que exclusiva com os atendidos pela Instituição.

Entretanto, o que ultrapassa meu entendimento, com a devida licença, é a razão pela qual os Ministros, de forma monocrática, continuam julgando processos com temas polêmicos afetados ao Plenário e que apenas começaram a ser julgados, sem qualquer indício de formação de corrente majoritária ou que ainda estão pendentes de apreciação na própria Turma. Pior, inúmeras vezes, mesmo com a interposição do agravo e a demonstração clara de que o tema não está definido, a decisão monocrática é mantida incólume.

Poderia mencionar alguns casos em que vi tal situação ocorrer, mas, em razão de ser um tema que muito me incomoda e que está prestes a ser retomado pelo Pleno do STF, focarei meus comentários na aplicação do princípio da insignificância no crime de furto.

A Corte caminhou, em tempo recente, no sentido da limitação da aplicação do instituto, principalmente a 2ª Turma, bem mais favorável à tese até poucos anos atrás.

Atualmente, passou a limitar a aceitação do crime de bagatela sensivelmente, afastando o princípio quando o paciente do habeas corpus responde a outros processos ou tenha incidido no furto qualquer qualificadora.

Não tecerei linhas e linhas de texto discorrendo sobre a insignificância e a exclusão da tipicidade material, limitando-me a dizer que se determinado fato é atípico, não se torna típico a depender de quem o praticou – o que seria uma perigosa aproximação com o direito penal do autor. Da mesma forma, a subtração de um pacote de biscoitos em um supermercado não passa a ter relevância penal por ter sido praticada por duas pessoas, circunstância qualificadora. Pretendo, quem sabe, retornar a essas ponderações em outra oportunidade.

Antecipadamente, afirmo que não guardo muitas esperanças no julgamento dos 3 habeas corpus sobre a matéria afetados ao Plenário do STF (HC 123108, HC 123734 e HC 123533).

Contudo, enquanto a questão não for definida pelo colegiado maior, parece-me extremamente contraditório, para não dizer capaz de gerar insegurança jurídica, que Ministros apreciem o tema de forma monocrática ou, no máximo, levando processos à Turma pela via do agravo interno.

O julgamento dos habeas corpus pelo Pleno do STF foi iniciado em 10 de dezembro de 2014. Se o tema fosse simples, de fácil decisão, incapaz de gerar maiores reflexões, ele já teria sido encerrado em qualquer metade de sessão. Ao contrário, já foi pautado após seu início e retirado, em clara indicação de que se trata de assunto árduo.

O principal argumento invocado para se negar provimento aos agravos regimentais por mim manejados contra as decisões monocráticas foi a jurisprudência atual da Corte, restritiva, como mencionei acima (vide, como exemplo, os habeas corpus 126618, 126523 e 126273, apreciados em agravo pela 2ª Turma). Reitero a pergunta: por que então afetar a matéria ao Pleno e demorar tanto a julgá-la? Se a linha já está definida, não se explica o atraso, se é controvertida, menos ainda se justificam as decisões monocráticas.

Nem se diga que, após o julgamento do Plenário, novos habeas corpus poderão ser ajuizados em favor dos pacientes a depender do resultado, mesmo que se admita repetição de impetração com o mesmo tema – não pretendo discutir essa possibilidade agora – o fato é que cumprida a pena, o dano está feito, consolidado, principalmente porque, muitas das vezes, ainda que por pouco tempo, tais processos geram, sim, pena de prisão.

Por isso, embora louve a tentativa do STF em reduzir e dar andamento célere aos feitos, entendo que julgar de forma monocrática, e, pior, para denegar a ordem, habeas corpus cujo tema de fundo ainda está a merecer muita discussão por parte do colegiado não parece a melhor solução.

Se o Ministro Relator deseja julgar os habeas corpus a ele distribuídos, evitando um passivo desmedido, que ao menos reconheça quando o mérito estiver longe de ser pacificado e o leve à Turma, possibilitando inclusive a sustentação oral. Meus anos de prática perante a Suprema Corte me ensinaram inequivocamente que o julgamento do writ em si é diferente do mero agravo regimental, além de possibilitar a manifestação oral.

Cada caso, cada processo representa uma vida, uma pessoa, muitas vezes acusada e condenada por furto de coisas de ínfimo valor, mas que ficará estigmatizada e será, quem sabe, encarcerada para que possa graduar-se na escola do crime.

A Defensoria Pública tem essa função precípua, questionar o que ninguém mais faria, em favor de pessoas praticamente invisíveis em nossa sociedade. As vidas importam mais que os números.

Brasília, 23 de julho de 2015

 

 

 

Direito e assuntos diversos.