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Sobre as idas e vindas da ADI 5296

Sobre as idas e vindas da ADI 5296

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Em 10/04/2015, a Presidente Dilma Rousseff ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5296), impugnando a Emenda Constitucional 74, que conferiu autonomia à Defensoria Pública da União. A ADI foi distribuída à Ministra Rosa Weber.

A ação direta teve como fundamento suposto vício de iniciativa na citada Emenda, deflagrada no Congresso Nacional. Alegou a autora da ação que, por supostamente atingir disposições relativas a regime jurídico de servidores públicos, a proposta de emenda constitucional só poderia ter sido iniciada por proposição emanada da Presidência da República, tendo sido o Poder Executivo indevidamente excluído do processo legislativo.

Foi formulado pedido de medida liminar em razão de auxílio-moradia deferido pelo Conselho Superior da DPU, o que, alegadamente, geraria urgência na apreciação do pleito. Cabe dizer que quando do ajuizamento da ação, o referido auxílio já tinha sido suspenso por decisão judicial desde dezembro de 2014, ou seja, há aproximadamente 4 (quatro) meses, em decorrência de ação proposta pela própria Advocacia-Geral da União. Seria difícil conseguir outra razão para justificar o pedido cautelar, uma vez que a Emenda Constitucional impugnada tinha sido publicada em agosto de 2013, ou seja, mais de 1 (um) ano e meio antes da ADI com pedido de “urgência”.

Foi adotado o rito previsto no artigo 10 da Lei 9868/99. Foram admitidos diversos amici curiae, favoráveis e contrários à procedência da ação, dentre eles a própria Defensoria Pública da União e a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais.

O feito foi incluído em mesa para a apreciação da medida cautelar na sessão de 23/09/2015. Entretanto, a ADI 5296 foi retirada de pauta, pois o Ministro Luiz Fux, relator de diversos outros processos de controle concentrado de constitucionalidade tratando do tema “Defensoria Pública”, não estaria presente na citada sessão e havia a intenção de que eles fossem julgados na mesma oportunidade (ADI 5286, ADI 5287 e ADPF 339). Esta informação foi obtida pelo subscritor através de contato firmado com a secretaria do Plenário do STF.

O julgamento foi então marcado para 30/09/2015. Às 11.39 h do dia em que designado o julgamento, em sessão que teria início às 14.00 h, o Advogado-Geral da União peticionou requerendo o adiamento da apreciação do processo, sem, entretanto, apresentar as razões de assim proceder. A tarde do dia 30 de setembro foi mesmo tomada pelo julgamento de outro feito que se arrastou pelo dia todo.

O curioso foi que os processos relatados pelo Ministro Luiz Fux, que tinham justamente provocado o adiamento da apreciação da cautelar na ADI 5296, foram passados para a sessão do dia seguinte, 1º/10/2015, sendo excluído apenas aquele que interessava à DPU. Não houve, entretanto, qualquer despacho, pelo menos até o momento em que redijo o presente, acatando o pedido de adiamento formulado pela AGU (1º/10/2015, 1.51 h).

Certo é que a ADI 5296, que contém pedido de liminar, o que estaria a indicar urgência, foi retirada de pauta aparentemente a pedido da autora, despido de fundamento, que, por sua vez, não foi despachado, mas parece ter surtido efeito. Caso contrário, qual seria a razão de terem sido mantidas as demais ações sobre Defensoria Pública e excluída a da DPU? Há feito na pauta do dia 1º de outubro sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, o que indica que ela estará presente à sessão.

Em tempo, as datas, as inclusões em pauta, o pedido de adiamento podem ser consultados no sítio eletrônico do STF. Quanto à pauta anterior, constando a ADI 5296 para a sessão do dia 30/09/2015, juntamente com as outras ligadas à Defensoria, ela está salva em meus arquivos, já que o Tribunal atualiza suas pautas de acordo com o que acontece (o que foi listado, mas não julgado, é depois retirado).

As surpresas e idas e vindas acabam por gerar insegurança e questionamentos e, como não temos respostas, a especulação voa livre.

Esses são, inacreditavelmente, meus últimos dias em férias!

Brasília, 1º de outubro de 2015

 

 

O que realmente importa na questão da saúde

O que realmente importa na questão da saúde

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A questão nodal discutida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 855178, envolvendo a prestação adequada dos serviços de saúde pelo Estado, através de hospitais em condições dignas e do fornecimento de medicamentos, é bastante simples: para o cidadão importa receber o tratamento adequado, seja ele custeado por qual Ente Público for, em tempo hábil.

A premissa acima resume uma das maiores preocupações que atingem a Defensoria Pública da União, responsável pelo atendimento de milhares de pessoas que buscam a Instituição diuturnamente à procura de assistência para a obtenção de medicamentos ou intervenções hospitalares.

Prevalece no Supremo Tribunal Federal, entendimento reafirmado no julgamento do RE 855178, com repercussão geral reconhecida, que União, Estados e Municípios são responsáveis solidários pela prestação dos serviços de saúde. Feita a afirmação jurídica, cabe traduzi-la para o aspecto prático. A solidariedade significa para o cidadão poder demandar qualquer dos Entes Públicos para receber o tratamento de que precisa. Ajuizando ação contra o Município, o Estado em que mora e a União, qualquer um deles poderá ser compelido a prestar o medicamento. Essa possibilidade traz diversas vantagens para o requerente. Em primeiro lugar, afasta o já conhecido jogo de empurra, tão praticado pela administração pública brasileira. Em seguida, evita a alegação dos Estados e, principalmente, dos Municípios pequenos de falta de verbas. Mais ainda, impede a confusão por parte do Magistrado em saber quem é o responsável por cada tipo de prestação. Há também outros aspectos, como pedidos que poderiam ser divididos, caso não prevalecesse a solidariedade, entre Justiça Federal e Estadual, burocratizando o acesso ao medicamento.

A reiteração parece despiscienda, mas as sucessivas notícias de descaso com a saúde exigem a repetição: saúde pública deve ser a prioridade primeira do Estado e tem urgência presumida na maior parte dos casos. Em incontáveis situações, a simples demora é sinônimo de uma sentença de morte. Embora não seja médico, invoco o exemplo da apendicite, que tratada a tempo e modo não costuma gerar consequências, mas sem atendimento, pode levar a óbito.

As notícias com gastos de menor importância, bem como de verdadeiras fortunas desviadas por servidores públicos corruptos também indicam que o problema não é exatamente falta de verba, mas sim investimento errado ou a prática de crime. Quanto ao primeiro aspecto, cabe lembrar que a discricionariedade do administrador público é sempre limitada, vez que ele nunca está dispensado de buscar precipuamente o atendimento ao interesse público, sendo que nada pode ser mais essencial que o atendimento de qualidade nos serviços de saúde.

Deve ainda ser rechaçada a alegação de que o momento de dificuldade financeira experimentado pelo país justificaria a imposição de limites nos gastos na área. A conclusão deve ser exatamente contrária a essa. Em tempos de escassez, arrocho, aumenta a responsabilidade estatal no fornecimento de bens essenciais, capazes de manter a dignidade humana. Em época de crise, exclui-se o supérfluo, sem se descurar do essencial. Nada é mais inadiável que a saúde.

Portanto, o que busca a DPU, em diversas ações tratando de medicamento, é que a assistência seja integral, gratuita e de qualidade, sendo colocada como prioridade absoluta pelo Estado Brasileiro. A solidariedade, discutida no RE 855178, julgado pelo Plenário Virtual do STF, e agora atacado por embargos de declaração da União, é um desses aspectos que a Instituição reputa essencial para que a qualidade na prestação da saúde não piore ainda mais. Todos os Entes Públicos são solidariamente responsáveis, sem ressalvas. O que verdadeiramente importa é que os medicamentos e os tratamentos adequados cheguem o mais rapidamente possível a seus destinatários. Todo o restante é secundário. Chega de pessoas tomando soro no chão, grávidas em macas espalhadas pelos corredores de hospital e crianças esperando meses para obtenção de fármacos urgentes. A saúde é prioridade. Essa é a bandeira da Defensoria Pública, é a nossa luta.

Brasília, 19 de agosto de 2015

Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

Comentários sobre a estrutura e a autonomia da DPU

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Há algum tempo vinha pensando em escrever breves linhas sobre questões atinentes à estruturação e à autonomia da Defensoria Pública da União.

Estimulado pela decisão favorável proferida na Suspensão de Tutela Antecipada 800, pelo Ministro Presidente do STF, em que a DPU pedia a suspensão dos efeitos de determinação judicial para que a Instituição prestasse atendimento em determinada subseção judiciária, tecerei alguns comentários sobre o assunto. Aliás, a matéria em destaque no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, na tarde de 10 de agosto de 2015, tratava justamente do deferimento do pleito defensorial, suspendendo decisão proferida pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul em ação civil pública, o que está a demonstrar seu relevo.

Com quase quatorze anos de carreira, não posso negar que a Instituição experimentou razoável crescimento em diversos aspectos nesse período. Em outros, entretanto, a evolução foi lenta ou, a bem da verdade, quase inexistente.

Começo com um exemplo da última situação descrita acima. Até a presente data, a Defensoria não tem quadro de apoio próprio. Ao contrário do que ocorre no Poder Judiciário Federal ou no Ministério Público da União, contamos com alguns cargos do chamado Plano Geral do Poder Executivo e, principalmente, com servidores cedidos por outros órgãos públicos. Em suma, passada mais de uma década desde que tomei posse, a DPU continua sem quadro próprio, o que faz com que o rendimento do trabalho caia enormemente, apesar de reconhecer a grande ajuda de muitos dos servidores oriundos de outros entes.

Poderia enumerar incontáveis situações bizarras que a falta de quadro de apoio me fez passar, mas duas delas bastam. Após algum tempo de estabilidade no gabinete, contando com servidores cedidos que ficaram por mais de um ano, em um período de seis meses experimentei três ou quatro trocas de pessoas que mal conseguiam aprender o trabalho e pediam para sair, por razões diversas – uma delas, por exemplo, formada em odontologia, tinha dificuldade natural em fazer qualquer atividade relacionada ao Direito. Certo é que entre a chegada e a saída de um desses servidores ficou trabalhando comigo apenas uma estagiária que tinha, na oportunidade, duas semanas de casa. Como costumo brincar, ela mal sabia onde estavam os interruptores e sequer tinha alguém, além de mim, para lhe ensinar qualquer coisa. Em suma, quando eu tinha que sair para realizar atividade externa, o gabinete ficava por conta de uma pessoa não só inexperiente em termos profissionais, mas sem qualquer conhecimento da Instituição.

O crescimento do número de membros, por sua vez, é inegável, mas não na velocidade necessária para o cumprimento da missão constitucional confiada à DPU. Por isso, ações civis públicas para se colocar Defensores em todos os locais em que haja sede da Justiça Federal, mais que inócuas, são contraproducentes, vez que desestruturam o planejamento da Instituição. Aliás, durante algum tempo, ajudei o Defensor Público-Geral Federal a redigir e ajuizar os pedidos de suspensão das decisões proferidas em ACPs, lembrando-me de uma em especial que chegava ao cúmulo de impor multa pessoal ao Defensor-chefe de Manaus, caso não instalada unidade da DPU em Tabatinga/AM. Ora, o Defensor-chefe apenas administra seu núcleo, não tendo qualquer ingerência sobre os locais em que serão instaladas novas sedes, além disso, as distâncias amazônicas impedem qualquer deslocamento periódico.

A estruturação material também experimentou incremento, não se pode negar, mas está longe do ideal, principalmente em localidades menores. Em algumas faltam coisas básicas, simples, cuja aquisição se arrasta por falta de servidores e quadro de apoio adequado. Em suma, as carências se somam e se auto-alimentam.

Por todas as razões acima, as falas contra a autonomia da DPU devem também ser rechaçadas. Em primeiro lugar, porque em alguns aspectos não houve o mínimo interesse por parte do Poder Executivo em estruturar a Instituição, como já narrado.

Em seguida, mesmo no que aparentemente só importaria aos membros, refiro-me especificamente à remuneração, a questão é bem mais complexa do que parece após uma leitura rápida.

A imensa discrepância remuneratória existente entre Juízes e Membros do Ministério Público de um lado e Defensores de outro traz consequências nefastas para a carreira. Lamentavelmente, cria desrespeito por parte de alguns que veem no contracheque o indicativo único da relevância da atividade. Em seguida, faz com que muitas pessoas vocacionadas acabem saindo à procura de vencimentos melhores, esvaziando os quadros da Instituição. Outros permanecem, mas infelizes, insatisfeitos com o tratamento desrespeitoso por parte do Estado e acabam por se dedicar menos, ter menos empenho no exercício de suas funções.

Neste ponto, impende afastar argumentos lamentáveis, para se dizer o mínimo, como: quem está insatisfeito tem é que estudar para outro concurso, se não está bom saia ou na iniciativa privada é ainda pior. Ora, a comparação a ser feita é com outras carreiras jurídicas de Estado que exigem os mesmos requisitos para ingresso e exercício. O abismo remuneratório em nada se justifica. Com relação à iniciativa privada, a comparação é impossível e tal conclusão dispensa maiores digressões. Duvido sinceramente que qualquer autoridade pública, principalmente aquelas que são eleitas pelo voto popular, tivesse coragem de justificar em rede nacional de televisão que acha correto que o membro do Órgão de acusação receba mais do dobro daquele que defende os direitos dos mais frágeis – em matérias penais e extrapenais.

Em suma, não se trata apenas de “diferença” remuneratória, mas sim de um verdadeiro fosso que acaba por desvalorizar o trabalho do Defensor Público. Por fim, o título a que é paga a verba pouco importa na prática (indenizatória, cumulação, auxílio, etc.), pelo que justificativas nesse sentido servem mais para irritar que para explicar.

Por isso, as tentativas de se minorar as discrepâncias remuneratórias, muito além de significarem exclusiva defesa dos interesses dos membros, representam também a valorização da carreira em si. Não sou hipócrita a ponto de dizer que não interessa a cada Defensor ganhar bem, mas importa também a quem é por ele atendido. Valorização, no sistema capitalista, passa inequivocamente pela remuneração. Os Defensores Públicos não obtêm descontos em suas contas pela nobreza da função.

São igualmente irritantes as falas no sentido de se defender os ajustes fiscais, a contenção de gastos, as contas públicas para se justificar o tratamento dado aos Defensores. Os mesmos argumentos foram ignorados, ao que parece, no momento da aprovação e concessão de aumento nos subsídios, adicional por substituição e auxílio-moradia para Magistrados e Membros do Ministério Público. A memória seletiva não me convence.

Por todas as razões acima, a autonomia da Defensoria Pública da União deve ser mantida (sofre impugnação, aliás, através de ADI ajuizada perante o STF pela Presidente da República), consolidada e efetivada em todos os seus aspectos. Isso interessa aos Defensores, é verdade, mas também a todos os que são por eles atendidos. Desculpas e simplificações não resistem a uma análise minimamente detida.

Brasília, 11 de agosto de 2015

 

 

STF pode encerrar debate sobre legitimidade da União em ações de saúde

A notícia abaixo foi extraída do sítio eletrônico da Defensoria Pública da União. Importa reproduzir dada a relevância do tema.

Brasília, 6 de agosto de 2015

Gustavo de Almeida Ribeiro

<http://www.dpu.gov.br/noticias-nacionais/27295-stf-pode-encerrar-debate-sobre-legitimidade-passiva-da-uniao-nas-acoes-de-saude&gt;

STF pode encerrar debate sobre legitimidade da União em ações de saúde

slide remediosBrasília – A Defensoria Pública da União (DPU) apresentou contrarrazões requerendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) encerre discussão sobre a legitimidade passiva da União nas ações de saúde, entre elas a oferta de medicamento. A questão já foi decidida no Plenário Virtual do STF no sentido de reconhecer a solidariedade dos Entes Federativos na questão, mas a União interpôs embargos de declaração que foram apreciados nesta quarta-feira (5). A decisão foi adiada, entretanto, por pedido de vista do ministro Edson Fachin.

Para o defensor público federal Gustavo Zortéa, que assina as contrarrazões da DPU aos embargos de declaração, o recurso da União é meramente protelatório, porque a decisão do Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de ampla jurisprudência dominante da Corte Suprema admitindo a legitimidade passiva da União nas ações de saúde, dada a responsabilidade solidária dos Entes Federativos na questão, o que dispensa a ida desse debate ao plenário.

“A jurisprudência é tão pacificada que, realmente, não é preciso prolongar esse debate. E para o cidadão comum, a decisão é muito importante, porque as garantias de acesso à prestação da saúde ficam muito maiores quando ele pode acionar qualquer um dos Entes em busca do seu direito”, explicou. O STF informa a existência de 75 processos sobrestados a aguardar o trânsito em julgado da controvérsia, que é discutida em sede de repercussão geral no Recurso Extraordinário 855.178/SE.

O Plenário Virtual é um sistema eletrônico criado em 2007 pelo STF que permite aos ministros deliberarem sobre a repercussão geral de um recurso extraordinário e, conforme o Regimento Interno da Casa, também decidir sobre o mérito nos casos em que houver jurisprudência dominante firmada. No caso do RE 855.178/SE, os ministros reafirmaram a jurisprudência quanto à responsabilidade solidária da União, tendo o acórdão sido publicado em 16 de março passado.

Como seis ministros foram favoráveis à reafirmação da jurisprudência dominante e três apenas reconheceram a repercussão geral da matéria (a ministra Cármen Lúcia não votou e o ministro Edson Fachin não havia tomado posse), a União pleiteia que a questão seja levada ao plenário presencial. Além disso, alega que diversas nuances relacionadas ao tema da responsabilidade solidária deixaram de ser debatidas pelo STF.

O defensor Gustavo Zortéa, entretanto, relaciona precedentes de todos os ministros do STF, inclusive dos que votaram apenas pela repercussão geral, no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos Entes Federativos. Para ele, mesmo que o ministro Edson Fachin, por hipótese, seja contrário, “persistiria, ainda assim, ampla maioria em favor da tese, a justificar a manutenção da deliberação tomada pelo Plenário Virtual e a dispensar novo debruçar sobre o tema pelo Plenário presencial”.

Zortéa argumenta também que a matéria vem sendo discutida pelo STF há muitos anos, inclusive em audiência pública, como a convocada em 2009, que dedicou um dia para debater a responsabilidade dos Entes da Federação. “Diante desse quadro, não se pode imaginar que os votos colhidos em Plenário virtual, a propósito da responsabilidade solidária dos Entes Federativos por prestações de saúde, não tenham sido fruto de longa meditação dos integrantes dessa Suprema Corte”.

DSO/SSG
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União

Não é só mais um processo

Não é só mais um processo

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Como Defensor Público, atuo em dezenas de habeas corpus versando sobre um mesmo tema perante o Supremo Tribunal Federal.

Muitas vezes, a jurisprudência conflitante entre as Turmas ou a relevância do assunto faz com que um processo paradigma seja afetado ao Plenário para a pacificação da controvérsia. Em outras tantas, a Turma interrompe por mais de uma vez o julgamento para decidir questão inusitada, decorrente justamente da maior presença da Defensoria Pública, visto que alguns aspectos do Direito Penal tem ligação quase que exclusiva com os atendidos pela Instituição.

Entretanto, o que ultrapassa meu entendimento, com a devida licença, é a razão pela qual os Ministros, de forma monocrática, continuam julgando processos com temas polêmicos afetados ao Plenário e que apenas começaram a ser julgados, sem qualquer indício de formação de corrente majoritária ou que ainda estão pendentes de apreciação na própria Turma. Pior, inúmeras vezes, mesmo com a interposição do agravo e a demonstração clara de que o tema não está definido, a decisão monocrática é mantida incólume.

Poderia mencionar alguns casos em que vi tal situação ocorrer, mas, em razão de ser um tema que muito me incomoda e que está prestes a ser retomado pelo Pleno do STF, focarei meus comentários na aplicação do princípio da insignificância no crime de furto.

A Corte caminhou, em tempo recente, no sentido da limitação da aplicação do instituto, principalmente a 2ª Turma, bem mais favorável à tese até poucos anos atrás.

Atualmente, passou a limitar a aceitação do crime de bagatela sensivelmente, afastando o princípio quando o paciente do habeas corpus responde a outros processos ou tenha incidido no furto qualquer qualificadora.

Não tecerei linhas e linhas de texto discorrendo sobre a insignificância e a exclusão da tipicidade material, limitando-me a dizer que se determinado fato é atípico, não se torna típico a depender de quem o praticou – o que seria uma perigosa aproximação com o direito penal do autor. Da mesma forma, a subtração de um pacote de biscoitos em um supermercado não passa a ter relevância penal por ter sido praticada por duas pessoas, circunstância qualificadora. Pretendo, quem sabe, retornar a essas ponderações em outra oportunidade.

Antecipadamente, afirmo que não guardo muitas esperanças no julgamento dos 3 habeas corpus sobre a matéria afetados ao Plenário do STF (HC 123108, HC 123734 e HC 123533).

Contudo, enquanto a questão não for definida pelo colegiado maior, parece-me extremamente contraditório, para não dizer capaz de gerar insegurança jurídica, que Ministros apreciem o tema de forma monocrática ou, no máximo, levando processos à Turma pela via do agravo interno.

O julgamento dos habeas corpus pelo Pleno do STF foi iniciado em 10 de dezembro de 2014. Se o tema fosse simples, de fácil decisão, incapaz de gerar maiores reflexões, ele já teria sido encerrado em qualquer metade de sessão. Ao contrário, já foi pautado após seu início e retirado, em clara indicação de que se trata de assunto árduo.

O principal argumento invocado para se negar provimento aos agravos regimentais por mim manejados contra as decisões monocráticas foi a jurisprudência atual da Corte, restritiva, como mencionei acima (vide, como exemplo, os habeas corpus 126618, 126523 e 126273, apreciados em agravo pela 2ª Turma). Reitero a pergunta: por que então afetar a matéria ao Pleno e demorar tanto a julgá-la? Se a linha já está definida, não se explica o atraso, se é controvertida, menos ainda se justificam as decisões monocráticas.

Nem se diga que, após o julgamento do Plenário, novos habeas corpus poderão ser ajuizados em favor dos pacientes a depender do resultado, mesmo que se admita repetição de impetração com o mesmo tema – não pretendo discutir essa possibilidade agora – o fato é que cumprida a pena, o dano está feito, consolidado, principalmente porque, muitas das vezes, ainda que por pouco tempo, tais processos geram, sim, pena de prisão.

Por isso, embora louve a tentativa do STF em reduzir e dar andamento célere aos feitos, entendo que julgar de forma monocrática, e, pior, para denegar a ordem, habeas corpus cujo tema de fundo ainda está a merecer muita discussão por parte do colegiado não parece a melhor solução.

Se o Ministro Relator deseja julgar os habeas corpus a ele distribuídos, evitando um passivo desmedido, que ao menos reconheça quando o mérito estiver longe de ser pacificado e o leve à Turma, possibilitando inclusive a sustentação oral. Meus anos de prática perante a Suprema Corte me ensinaram inequivocamente que o julgamento do writ em si é diferente do mero agravo regimental, além de possibilitar a manifestação oral.

Cada caso, cada processo representa uma vida, uma pessoa, muitas vezes acusada e condenada por furto de coisas de ínfimo valor, mas que ficará estigmatizada e será, quem sabe, encarcerada para que possa graduar-se na escola do crime.

A Defensoria Pública tem essa função precípua, questionar o que ninguém mais faria, em favor de pessoas praticamente invisíveis em nossa sociedade. As vidas importam mais que os números.

Brasília, 23 de julho de 2015

 

 

 

Lista de HCs e RHCs da DPU julgados pelo STF no 1º sem. de 2015

Segue abaixo tabela com a lista de Habeas Corpus e Recursos Ordinários em Habeas Corpus impetrados pela DPU, julgados colegiadamente pela 2ª Turma do STF durante o 1º semestre de 2015.

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Tabela de HCs e RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º semestre de 2015
Número do processo Ministro Relator Resultado Data do Julgamento Tema
HC 124503 Gilmar Mendes Concedido de ofício 03/02/2015 Gravidade em abstrato do crime e dosimetria da pena
HC 125528 Teori Zavascki Negado seguimento 10/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 125112 Gilmar Mendes Provido o RHC 10/02/2015 Abandono de posto e consunção
HC 123211 Gilmar Mendes Denegado 24/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
HC 124035 Gilmar Mendes Denegado 24/02/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 126336 Teori Zavascki Negado provimento ao RHC 24/02/2015 Dosimetria de pena em crime de furto
HC 126592 Cármen Lúcia Concedido 24/02/2015 Rádio comunitária e princípio da insignificância
RHC 123085 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 03/03/2015 Prisão cautelar e fundamentação
RHC 123894 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 03/03/2015 Nulidade e vedação da reformatio in pejus
HC 103310 Teori Zavascki Concedido 03/03/2015 Vedação da reformatio in pejus
HC 124489 Teori Zavascki Concedido 10/03/2015 Substituição de pena privativa de liberdade
HC 125433 Gilmar Mendes Denegado 10/03/2015 Homicídio e qualificadora

 

HC 126385 Gilmar Mendes Concedido de ofício 10/03/2015

 

Regime de pena e fixação adequada
HC 126476 Gilmar Mendes Denegado 10/03/2015

 

Recurso e tempestividade
HC 126315 Gilmar Mendes Em julgamento –  pedido de vista 17/03/2015 Maus antecedentes e período depurador
HC 122268 Dias Toffoli Denegado 24/03/2015

 

Descaminho e constituição do crédito tributário
HC 125781 Dias Toffoli Concedido em parte 24/03/2015 Dosimetria de pena em tráfico e regime inicial
HC 125991 Dias Toffoli Denegado 24/03/2015

 

Dosimetria de pena em tráfico de drogas
HC 126242 Dias Toffoli Não conhecido 24/03/2015

 

Dosimetria de pena em tráfico de drogas
HC 125603 Gilmar Mendes Denegado 24/03/2015

 

Dano e insignificância
RHC 120598 Gilmar Mendes Negado provimento ao RHC 24/03/2015 Nulidade em julgamento de crime de Tribunal do Júri
HC 124022 Teori Zavascki Concedido em parte 24/03/2015 Aplicação de minorante no crime de tráfico de drogas
RHC 126919 Dias Toffoli Negado provimento ao RHC 07/04/2015 Falta grave na execução penal e ampla defesa
HC 126963 Teori Zavascki Denegado 07/04/2015

 

Posse de droga por militar
RHC 126763 Dias Toffoli Em julgamento – pedido de vista 14/04/2015 Vedação da reformatio in pejus
HC 127043 Gilmar Mendes Denegado 14/04/2015

 

Prisão cautelar e fundamentação
HC 126520 Teori Zavascki Denegado 05/05/2015

 

Termo de deserção e instrução provisória
RHC 127382 Teori Zavascki Provido em parte o RHC 05/05/2015 Circunstância agravante e dosimetria da pena
HC 126273 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126523 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126618 Teori Zavascki Negado seguimento 12/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
HC 126055 Dias Toffoli Denegado 12/05/2015

 

Dosimetria de pena no tráfico de drogas
RHC 127254 Dias Toffoli Negado provimento ao Recurso 12/05/2015 Dosimetria de pena no tráfico de drogas
HC 125589 Celso de Mello Denegado 19/05/2015

 

Regime de pena e circunstância judiciais
HC 123698 Cármem Lúcia Em julgamento – pedido de vista 16/09/2014

26/05/2015

Sursis e concessão de indulto
HC 123827 Teori Zavascki Em julgamento –  pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 123828 Teori Zavascki Em julgamento -pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 123973 Teori Zavascki Em julgamento –  pedido de vista 26/05/2015 Sursis e concessão de indulto
HC 127248 Gilmar Mendes Denegado 19/05/2015

 

Prisão cautelar e fundamentação
HC 127795 Dias Toffoli Negado seguimento 26/05/2015 Insignificância no furto e reiteração delitiva
RHC 126507 Dias Toffoli Negado seguimento 26/05/2015 Competência e supressão de instância
HC 126779 Gilmar Mendes Concedido parcialmente 02/06/2015

 

Vedação do bis in idem na dosimetria do tráfico
HC 123857 Celso de Mello Denegado 02/06/2015

 

Prisão cautelar e novo título prisional
HC 127728 Teori Zavascki Negado seguimento 23/06/2015 Dosimetria de pena no tráfico de drogas
HC 127158 Dias Toffoli Denegado 23/06/2015

 

Dosimetria de pena e continuidade delitiva
HC 125270 Teori Zavascki Concedido 23/06/2015

 

Intimação pessoal da DPU e remessa dos autos
HC 112530 Teori Zavascki Concedido 30/06/2015

 

Correição parcial e cabimento
HC 120580 Teori Zavascki Concedido 30/06/2015

 

Dano e insignificância
HC 126202 Teori Zavascki Concedido em parte 30/06/2015 Dosimetria de pena em roubo
RHC 125435 Teori Zavascki Concedido em parte 30/06/2015 Aplicação de minorante no crime de tráfico de drogas
RHC 127657 Cármen Lúcia Negado seguimento 30/06/2015 Prisão cautelar, fundamentação e prazo
HC 125586 Dias Toffoli Concedido 24/03/2015

30/06/2015

Dosimetria, antecedentes e período depurador

 

 Deferidos total, parcialmente ou de ofício: 16

Julgamentos interrompidos por pedido de vista: 6

Indeferidos: 30

Total dos HCs/RHCs da DPU julgados pela 2ª Turma do STF no 1º sem. de 2015: 52

 

 Gustavo de Almeida Ribeiro

Defensor Público Federal

 

Liellen Santana da Cruz Telhado

Estagiária acadêmica

 

Giulyanna Dias de Oliveira

Estagiária acadêmica


Breve resumo

Breve resumo

Gustavo de Almeida Ribeiro

Há aproximadamente um mês e meio fiz um resumo dos principais temas em Direito Penal e Processual Penal levados pela DPU ao STF.

Publico-o agora em meu blog para ajudar quem tem interesse na carreira de Defensor Público.

Brasília, 6 de julho de 2015

 

Matérias mais frequentes no STF decorrentes do trabalho da DPU

 

Insignificância – aspectos gerais

furto – (HC 114723, TZ, 2ªT) – matéria decidida caso a caso, mas cada vez vista de forma mais restritiva

questão da reiteração e do furto qualificado pendentes de apreciação pelo Plenário do STF (HCs 123734 e 123108, RB, julgamento iniciado)

descaminho – diferenciar do contrabando e limite de R$ 20.000,00 no STF (no STJ o limite é R$ 10.000,00) (descaminho HC 126191, DT, 1ªT, favorável – contrabando HC 122029, RL 2ªT, denegado) – a questão da comprovação dos valores subtraídos aos cofres públicos ainda gera controvérsia

uso de droga por militar (HC 103684, AB, Plenário, denegado) – pacificado

contra o meio ambiente (HC 112563, RL>CP, 2ªT, favorável) – RHC 125566, DT, 2ªT, entra e sai da pauta: indício de tema polêmico

contra a administração (HC 107638, CL, 1ªT, favorável) – admitido, mas de forma excepcional – curioso observar que o citado precedente teve como paciente militar

moeda falsa (HC 111266, RL 2ª, denegado) pacificado no sentido no não cabimento da insignificância no crime de moeda falsa

Liberdade provisória

falta de fundamentação (HC 125827, RW, 1ªT; HC 114932, MA, 1ºT; HC 112487, CM, 2ªT – prisão e deserção) – matéria decidida caso a caso – enfrentamos algumas dificuldades decorrentes da condição econômica e/ou da nacionalidade dos nossos assistidos

Tráfico

liberdade provisória (RHC 123871, RW, 1ªT; HC 110844, AB, 2ªT, ambos favoráveis) pacificada a possibilidade, segundo precedente do Plenário do STF, HC 104339, GM

substituição de pena (HC 97256, AB, Plenário, concedido) pacificada a possibilidade

regime inicial mais brando que o fechado em crimes hediondos (HC 111840, DT, Plenário, DPE/ES) pacificada a possibilidade

causas de aumento e diminuição:

  1. transporte público (HC 120624, CL>RL, 2ªT, concedido) pacificado que o mero uso não configura a causa de aumento;
  2. redutora do §4º do artigo 33 (HC 123534, CL, 2ªT, concedido) decidido caso a caso, mas com boa aceitação no STF quando não há fundamentação adequada para afastá-la;
  3. dupla utilização da quantidade de droga em duas fases da dosimetria para aumentar a pena (HC 112776, TZ, Plenário, parcialmente concedido) – tema pacificado no sentido de se vedar a dupla invocação da quantidade de droga, que, entretanto, pode ser utilizada na primeira ou terceira fase da dosagem da pena
  4. internacionalidade e interestadualidade (HC 115893, RL, 2ªT, denegado) matéria bastante pacificada no sentido de se dispensar a ultrapassagem do limite do Estado/País para a configuração da causa de aumento (há um caso pendente de julgamento na 1ªT, HC 122791, vista ao Min. Luiz Fux)
  5. como regra, mula não é integrante de organização criminosa (HC 124107, DT, 1ªT, favorável) – também situação a se verificar caso a caso, mas prevalece o entendimento de que não integra – alguns elementos fáticos, entretanto, podem indicar o contrário (incontáveis carimbos de entrada em diversos países em passaportes de quem se declara pobre, por exemplo).

 Dosimetria de pena e discussão na via do habeas corpus

admitida a discussão, mas em caso de flagrante excesso na fixação da pena (RHC 122469, CM, 2ªT)

Reformatio in pejus – questão atual

enfrentamento da reformatio in pejus (HC 103310, TZ>GM, 2ªT, HC 123251, GM, 2ªT, favoráveis; contrário RHC 123115, GM, 2ªT questão da fundamentação da constrição cautelar não invocada expressamente na sentença, mas supostamente constante da decisão e utilizada pelo Tribunal em recurso exclusivo da defesa)

Estelionato previdenciário

instantâneo para o servidor do INSS, permanente para recebedor do benefício (RHC 107209, DT, 1ªT) tema pacificado

Possibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal com a aplicação de circunstância atenuante

 tema pacificado no STF contrariamente ao entendimento da Defensoria para se vedar a aplicação da atenuante caso a pena-base já esteja fixada no mínimo legal (RE 597270, CP, Plenário) – pessoalmente, não me lembro de sequer um voto favorável em qualquer dos nossos incontáveis feitos sobre o tema

Perda de objeto do habeas corpus pela superveniência de nova decisão penal capaz de gerar novo título prisional

 caso a nova decisão não traga fundamento diverso para justificar a prisão cautelar, o habeas corpus não resta prejudicado (HC 119183, TZ, 2ªT, favorável; HC 104954, MA>RW, 1ªT, desfavorável) – como regra, prevalece o prejuízo do habeas corpus com a superveniência de novo título, entretanto, a 2ª Turma por vezes afasta tal entendimento quando a decisão posterior não invoca nenhum fundamento novo para justificar a constrição cautelar

Penal militar*

a. insignificância (HC 107638, CL, 1ªT – peculato-furto, favorável) cada vez menos aceito em favor do militar em qualquer crime

b. competência

b1.carteira de aquaviário(CIR) – a insistência do STM gerou a SV 36 quanto à competência da Justiça Federal comum para julgar a falsificação de carteira de aquaviário

b2. estelionato/furto entre colegas fora de serviço (RHC 123660, CL, 2ªT) prevalece a incompetência da Justiça Militar

b3. falsificação de documentos atinentes às Forças Armadas para a obtenção de empréstimos junto a instituições bancárias (HC 110038, MA, 1ªT, favorável; HC 110249, TZ, 2ªT, desfavorável – o mais bizarro deste caso: um dos pacientes dos dois habeas corpus é o mesmo) – em meu entender, clara insegurança jurídica

b4. competência para julgar civis quando os militares estão em atividade de policiamento (HC 112936, CM, 2ªT, favorável; HC 113128, RB, 1ªT, contrário) – matéria afetada ao Plenário HC 112848, RL

interrogatório ao final da instrução – essa matéria precisa ser novamente afetada ao Plenário do STF por completa divergência das Turmas (HC 121907, DT, 1ªT, favorável; HC 122673, CL, 2ª Turma, desfavorável) – o Min. Dias Toffoli removeu-se para a 2ª Turma recentemente levando seu entendimento favorável à tese, vide liminar concedida no HC 127900 – atualização: o HC 123228 inicialmente afetado ao Pleno do STF sobre o tema continha uma questão processual prejudicial que impediu a análise do mérito da questão

* certamente é a matéria que mais gera insegurança jurídica

Nulidades

 exigência de prova de prejuízo que praticamente torna impossível o reconhecimento de nulidade (vide, nesse sentido, RHC 106461, GM, 2ªT) – o Ministro Marco Aurélio, isoladamente, tem entendimento mais favorável sobre o tema, reconhecendo configurado o prejuízo quando há falhas no curso do processo e sobrevém condenação (vide voto vencido proferido no HC 98434, CL, 1ªT)

Maus antecedentes e inquéritos e ações penais em andamento

 matéria consolidada no RE 591054, com repercussão geral reconhecida, no sentido de se afastar a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Participação da DPU no julgamento do RE na condição de amicus curiae

Limitação de 5 anos como período depurador para a consideração de maus antecedentes

 a jurisprudência do STF parece caminhar para a consolidação no sentido de que passados 5 anos do cumprimento ou extinção da pena, a condenação anterior não mais pode ser invocada como maus antecedentes (HC 119200, DT, 1ªT) – em julgamento o HC 126315, relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T, com 2 votos favoráveis, dele e do Ministro Dias Toffoli e pedido de vista da Min. Cármen Lúcia – o Min. Celso de Mello proferiu decisão monocrática recentemente acolhendo a tese (HC 123189)

Compensação da atenuante confissão com a agravante reincidência

 embora exista um precedente isolado do Min. Ayres Britto acatando a tese (HC 101909, AB, 2ªT), hoje é completamente pacifico no STF que a reincidência prepondera (HC 105543, RB, 1ªT; HC 112774, RL, 2ªT, ambos desfavoráveis)

situação pouco comum em que o STJ tem entendimento mais favorável que o STF: EREsp 1.154.752 e REsp 1.341.370

Cabimento de habeas corpus 

a. as duas Turmas do STF atualmente restringem a aceitação do habeas corpus voltado contra decisão monocrática de Tribunal Superior (HC 119943, DT, 1ªT; HC 119115, RL, 2ªT) – salvo, claro, situações de flagrante ilegalidade

b. a 1ª Turma do STF exige a interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão em habeas corpus, refutando o HC substitutivo (HC 114512, RW, 1ªT) – a 2ª Turma, como regra, é menos rigorosa quanto a isso

c. para a 1ª Turma, contra acórdão em recurso ordinário em habeas corpus só caberia recurso extraordinário e não HC originário (HC 119927, LF, 1ªT) – aqui também, como regra, a 2ª Turma é menos rigorosa

em nosso favor, contrários à exigência da interposição de recurso ordinário: HC 111074, CM, 2ªT; 110270, GM, 2ªT e contra a exigência do recurso extraordinário: RHC 117138, RL, 2ªT

 

Fio da navalha

Fio da navalha

Gustavo de Almeida Ribeiro

Cada carreira jurídica tem seus desafios e dificuldades e só quem as vivencia pode mensurá-las.

Ontem passei por essa situação no Plenário do Supremo Tribunal Federal.

A Defensoria Pública da União, que tem militância intensa perante a Justiça Militar da União, passou a alegar, valendo-se da alteração ocorrida em 2008 no Código de Processo Penal, que a mudança do interrogatório para o final da instrução processual, implementada pela Lei 11.719/08, deveria ser também aplicada aos feitos em trâmite perante a Justiça Castrense.

Os processos versando sobre o tema que aportaram no Superior Tribunal Militar obtiveram resposta negativa, pelo que a DPU passou a recorrer ao STF para reverter tal entendimento.

Como por vezes acontece, as duas Turmas da Suprema Corte trilharam caminhos diferentes, a Primeira concedendo os pedidos, em regra veiculados em habeas corpus, a Segunda denegando-os.

Após sustentar no RHC 123473, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, na sessão da 2ª Turma de 2 de setembro de 2014, com resultado desfavorável, percebi que apenas 10 dias depois a Ministra Cármen Lúcia tinha concedido liminar no HC 123228, versando exatamente sobre o mesmo tema.

Naquela oportunidade, já conhecia a divergência entre as Turmas, sabendo que a Primeira era favorável à tese esgrimida pela DPU, ao contrário da Segunda.

Em 11 de novembro de 2014, a Ministra Cármen Lúcia levou o HC 123228 para julgamento perante a Segunda Turma. Já tinha acontecido em outro feito sobre a mesma matéria de ela conceder a liminar e depois denegar a ordem, pelo que fiz questão de chamar a atenção para a frontal divergência entre as Turmas.

Assim, sustentei muito mais para destacar os entendimentos divergentes do que preocupado em repetir o que já havia dito – matéria exclusivamente de direito – há pouco mais de dois meses, para evitar deixar os Ministros enfadados.

A Turma resolveu então afetar o processo ao Plenário do STF para pacificar a questão.

O habeas corpus foi pautado para a sessão do Plenário do STF de 10 de dezembro de 2014, juntamente com diversos outros da DPU. Pouco antes de começar a sessão, me dei conta de que o habeas corpus tinha um problema sério: os interrogatórios tinham acontecido em 2007, antes mesmo da mudança ocorrida no Código de Processo Penal. Em suma, como as normas processuais não retroagem, ainda que os pacientes do citado HC 123228 tivessem sido interrogados na Justiça comum, não seria aplicável a regra do novo procedimento.

Pensei: se eles tiverem notado essa situação vou ser execrado em praça pública, embora os documentos estejam acostados aos autos. Torci muito para que o feito não fosse a julgamento naquele dia. E, de fato, não foi.

Por uma questão de lealdade com a Corte e para evitar problemas posteriores, avisei que os interrogatórios tinham sido antes da alteração legislativa logo após a sessão.

Achei que o feito fosse ser desafetado e denegado monocraticamente ou na Turma mesmo.

Nada disso, ele continuou na lista do Plenário.

Passei então a viver uma situação incômoda, por um lado, ter um processo com um tema relevante para a DPU com um caso concreto desfavorável, por outro, saber que a liminar estava deferida, suspendendo o andamento da ação penal militar, ou seja, uma vez avisada a situação, tinha cumprido meu dever ético, mas não poderia desistir do HC em respeito aos assistidos.

Quando o feito voltou à pauta, novamente entrei em contato com o gabinete da Ministra Cármen Lúcia. Ela insistiu em manter o processo afetado, pelo que nada mais me restava a fazer.

Aqui, faço outra ponderação. Não queria deixar a matéria ser julgada sem sustentar pelo medo de, em um tema totalmente antagônico entre as Turmas, os Ministros resolverem entrar no mérito sem que a Defensoria fosse ouvida. Por isso, não havia, em meu sentir, a opção de não sustentar.

Foi uma sensação estranha. Sabia que estava perdido, que nada poderia fazer, vez que a lei processual não retroagiria nem mesmo para o processo penal comum, por outro lado, tinha coisas relevantes a dizer e não poderia simplesmente ignorar que, bom ou não era aquele o precedente afetado e isso não depende de nós.

A ordem restou denegada, mas dei o recado em nome da DPU. Fui leal com a Corte, avisando a situação, vez que não poderia afirmar que os interrogatórios tinham ocorrido em data posterior àquela em que realmente se deram; por outro lado, a liminar foi mantida enquanto possível e as portas continuam abertas quanto ao tema de fundo. Foi cansativo e um pouco frustrante, mas dentro das possibilidades, era o que dava para fazer.

Brasília, 25 de junho de 2015

A importância da Defensoria Pública na construção de teses

A importância da Defensoria Pública na construção de teses

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Existem temas no Direito que são intimamente ligados à Defensoria Pública. Não que não importem à advocacia particular, mas, por não terem apelo econômico ou envolverem pessoas incapazes de arcar com as despesas decorrentes de uma demanda judicial, situação essencial – e natural, frise-se – para a iniciativa privada, acabam por ser tratados, na maioria das vezes, pela defesa pública.

Além disso, há questões que se repetem à exaustão, pelo que a legitimidade da Instituição decorre da pletora de feitos por ela patrocinados e, consequentemente, da experiência adquirida pelos seus membros por todo o país no trato do assunto.

Isso ocorre tanto em matérias de natureza extrapenal, quanto em algumas de natureza penal.

Por isso, nas discussões desses temas, é fundamental seja chamada a Defensoria Pública para que possa dar voz ao lado mais frágil da relação processual.

Essa participação cresce em importância quando o feito a ser julgado tem os contornos típicos da repercussão geral, que acaba por fazer com que seu resultado ultrapasse o mero interesse das partes envolvidas.

Como dito acima, as causas que não proporcionam ganho econômico, ainda que patrocinadas graciosamente por advogados particulares, não permitem, em regra, que eles viajem para, por exemplo, proferir sustentação oral em localidade distante daquela em que exercem sua profissão. Cabendo destacar, ainda, a importância da experiência angariada na atuação maciça dos Defensores.

Por isso, faz-se essencial que em casos como estes, as Cortes Superior e Suprema tenham sensibilidade, permitindo e até mesmo açulando a participação da Defensoria Pública na defesa de teses que lhe sejam caras, frequentes na sua atuação diária por todo o país.

O Superior Tribunal de Justiça vem tomando esta medida, intimando a Defensoria Pública em processos em que entende ser o tema veiculado em sede de recurso repetitivo relevante para a atuação da Instituição. Já o Supremo Tribunal Federal não provoca a atuação da Defensoria, mas, como regra, permite sua participação, salvo uma ou outra exceção. Espero que a Suprema Corte também dê esse passo final fundamental para a formação de uma decisão com amplo acesso de todos os atores, chamando a Instituição a participar.

Como dito, há casos em que não se pode esperar que um advogado, que muitas vezes atuou de forma gratuita, saia de sua cidade e se desloque até Brasília para proferir sustentação oral. A participação da Defensoria permite que se ouça a voz do cidadão, principalmente nas causas mais relacionadas aos carentes, como de as de natureza assistencial, previdenciária, de saúde, ou, ainda, atinentes à execução penal, por exemplo. Quando do outro lado está a Fazenda Pública, em regra, fazem-se presentes Procuradores Federais e Advogados da União, quando é de natureza penal, lá está o Procurador da República à direita do Ministro Presidente. Por isso, a Defensoria deve assegurar o equilíbrio entre as posições sustentadas. São exemplos do afirmado os Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963, versando sobre benefício assistencial e o Recurso Extraordinário 591.054, impugnando a consideração de inquéritos e ações penais em andamento como maus antecedentes. Em todos eles, a palavra em favor da tese mais favorável aos assistidos em geral foi lançada da tribuna pela Defensoria Pública da União.

É preciso dizer ainda que, muitas vezes, o Ministério Público acaba por ter, principalmente em matérias não ligadas ao Direito Penal, entendimento assemelhado ao da Defensoria Pública. Entretanto, está em posição diferente, na condição de custos legis, menos vinculado, portanto, ao interesse daqueles que serão atingidos pela tese a ser consolidada. Em suma, não está limitado à posição do hipossuficiente, tal como ocorre com aquele que ingressa no feito justamente para defender o entendimento mais favorável ao carente.

Em vista do afirmado, entendo que a Justiça Brasileira precisa ser acessível a todos e, em muitos casos, a Defensoria Pública é a única voz audível de milhares de pessoas espalhadas pelos diversos rincões do país, principalmente em processos que ultrapassem os interesses apenas das partes nele envolvidas e signifiquem a esperança final de um entendimento jurisdicional favorável.

Brasília, 19 de junho de 2015

Os limites e a busca por novos caminhos

Os limites e a busca por novos caminhos

Gustavo de Almeida Ribeiro

Um dos meus objetivos ao criar o blog foi poder comentar de maneira mais informal alguns temas de Direito que não caberiam no twitter, mas também exigiriam aprofundamento técnico necessário para divulgação em algum sítio eletrônico ou periódico jurídico.

Como Defensor Público militante perante o Supremo Tribunal Federal há mais de 8 anos, tenho percebido o endurecimento da Corte com relação à admissibilidade dos habeas corpus que, além disso, cada vez mais são julgados monocraticamente – claro, a interposição de agravo regimental torna colegiada a decisão, mas não permite a sustentação oral.

No caso da Corte Suprema, algumas restrições são gerais como a rejeição das impetrações voltadas contra decisões monocráticas definitivas da instância anterior, numa espécie de alargamento do enunciado da Súmula 691 do STF, que limitava o conhecimento do habeas corpus apenas quando voltado contra decisão que indeferia medida liminar. Por outro lado, a exigência de interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus, refutando-se a possibilidade de impetração substitutiva, está limitada à Primeira Turma, não sendo exigida, como regra, pela Segunda Turma.

Mas o Superior Tribunal de Justiça parece ter ido além nas restrições ao cabimento do remédio constitucional. Deparei-me, ao emendar inicial de próprio punho no HC 128.153, em trâmite perante o STF, com o acórdão prolatado pelo STJ no HC 296.899, julgado pela Sexta Turma, sob relatoria da E. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. A citada decisão colegiada, invocando precedente emanado da Primeira Turma do STF, seguiu o voto condutor da E. Relatora, assim consignado:

“É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus , sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.”

Por sua vez, o julgado invocado no voto tem a ementa abaixo transcrita:

“HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las.” (HC 109956, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012) (grifo nosso)

Aqui, é preciso destacar que a impetração ajuizada perante o STJ voltava-se contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em sede de apelação e não contra decisão em habeas corpus originário.

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça, invocando precedente que, com a devida licença, parece não se adequar ao caso em tela, não conheceu da impetração lá ajuizada sob o fundamento de “racionalização do emprego do mandamus”. Assim, só restaria ao acusado a possibilidade de utilização dos apelos excepcionais.

Entretanto, ao contrário do alegado pela Corte Superior, o precedente do STF não obriga a interposição dos apelos extremos, limitando-se a exigir a interposição do recurso ordinário em habeas corpus contra decisão denegatória de habeas corpus. Na verdade, mesmo a Primeira Turma da Corte Suprema, mais restritiva em relação ao remédio heroico, é clara em afirmar que não é exigível a interposição de Recurso Especial, podendo ser utilizado o habeas corpus regularmente para a impugnação de decisões tomadas por Tribunais Estaduais ou Regionais Federais em sede de apelação. Calha transcrever decisão ainda mais recente que o julgado invocado no acórdão da Corte Superior.

“Ementa: Recurso ordinário em habeas corpus. Acórdão do superior tribunal de justiça que, ao inadmitir hc substitutivo de recurso especial, examinou o mérito da impetração. Tráfico de drogas. Pedido de aplicação do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. impossibilidade. Regime inicial de cumprimento de pena fixado com base em dados objetivos. Recurso a que se nega provimento. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não admitir que o Superior Tribunal de Justiça negue seguimento a habeas corpus pela justificativa de cabimento de recurso especial. 2. No caso dos autos, apesar de não conhecer de habeas corpus por considerá-lo substitutivo de recurso especial, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça examinou o mérito da impetração. 3. Não há ilegalidade flagrante no acórdão que assenta a impossibilidade de se discutir, em sede de habeas corpus, o preenchimento dos requisitos para a incidência da causa de diminuição de pena definida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Notadamente se as instâncias precedentes convergiram quanto ao não atendimento dos requisitos legais 4. A existência de circunstâncias objetivas valoradas negativamente pode implicar a fixação de regime prisional mais gravoso do que o autorizado pela quantidade da pena. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (RHC 118623, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 04-12-2013 PUBLIC 05-12-2013) (grifo nosso)

Em suma, ao contrário do afirmado pela Corte Superior, o precedente que se amolda com perfeição ao HC 296.899 é o colacionado acima, que claramente veda a exigência da interposição de Recurso Especial por parte do STJ. Já o julgado invocado no voto condutor pelo Tribunal Superior (109956/STF) fala da exigência da utilização do recurso ordinário contra decisão denegatória de habeas corpus. Reitera-se, o HC 296.899 impugnava acórdão proferido em apelação, pelo que se vedada a utilização do habeas corpus, como deseja o STJ, só restaria o Recurso Especial.

Nem se diga que houve apreciação de ofício da matéria de fundo da impetração, o que, aliás, tem criado verdadeiro paradoxo. Se o writ, sendo ou não conhecido, é analisado no mesmo grau de profundidade, a discussão sobre seu conhecimento é inócua, desnecessária. Na verdade, o que se diz é que o não conhecimento da impetração permite apenas a apreciação de ilegalidades flagrantes, o que já indica a importância de se combater a restrição cada vez mais intensa sofrida pela ação constitucional. Além disso, confesso minha dificuldade em saber o que é ilegalidade patente (termo utilizado no voto) e o que é uma ilegalidade discreta, admissível, em se tratando de direito penal que, como se sabe, atinge sempre a liberdade dos acusados.

Certo é que as restrições ao instituto do habeas corpus se multiplicam e se alargam, pelo que me questiono até onde irão. Quem está preso indevidamente tem pressa, urgência, sendo os recursos excepcionais mais lentos e mais restritos que o remédio heroico. Permitindo-me certo exagero, às vezes parece-me que o novo entendimento sobre o cabimento da ação constitucional culminará quase que na sua extinção prática no direito brasileiro, vez que incabível praticamente em todas as situações e cada vez mais repleto de exigências, de modo a fazer inveja nos recursos excepcionais.

O aumento no número de HCs nos Tribunais Superiores – causador das restrições – tem, em grande parte, a paternidade da Defensoria Pública que faz chegar a Brasília processos que antes seriam encerrados, no máximo, no Tribunal de Segundo Grau, sendo nesse aspecto, positivo ao possibilitar o acesso da população menos favorecida a todas as instâncias judiciais. Por outro lado, infelizmente, conta também com outros fatores não tão alvissareiros, que precisam ser repensados, como a resistência dos Tribunais locais em seguir as orientações jurisprudenciais emanadas do STF, por exemplo. Seja por que razão for, a solução mais democrática não está na limitação exagerada ao cabimento do remédio constitucional.

Como Defensor Público, resta-me reinventar minha atuação de modo que questões meramente processuais não impeçam a apreciação dos temas de fundo veiculados nos diversos habeas corpus da forma mais ampla possível, vez que, em breves palavras, dada a extensão deste texto, parece contraditório que a forma de peticionamento mais democrática do Direito venha sofrendo cada vez mais restrições e condicionamentos.

Brasília, 13 de junho de 2015