Deserção e regime fechado
A Ministra Cármen Lúcia pautou, para a sessão de 11/06/2019, da 2ª Turma do STF, agravo interno por mim interposto contra decisão monocrática que entendeu que a condenação pela deserção, crime militar próprio, deve ser cumprida em regime fechado, mesmo em se tratando de pena branda, em conduta praticada sem violência ou ameaça.
Foi importante a medida tomada pela Ministra para que o tema possa ser apreciado e debatido presencialmente pelos Ministros. Lamento apenas não poder proferir sustentação oral, uma vez que se trata de agravo interno.
Transcrevo abaixo os fatos e os fundamentos jurídicos do agravo no HC 169868 a ser julgado pela 2ª Turma do STF.
Brasília, 10 de junho de 2019
Gustavo de Almeida Ribeiro
BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS
O agravante foi condenado pela suposta prática do delito de deserção tipificado no artigo 187 do Código Penal Militar à pena de oito meses de detenção.
Foi fixado o regime inicial aberto, em caso de o sentenciado deixasse de ostentar a qualidade de militar, bem como concedido o direito de apelar em liberdade. Caso permanecesse como militar, o agravante deveria ser recolhido à prisão.
Adveio então recurso de apelação pela defesa, que teve seu provimento negado pelo Superior Tribunal Militar.
Já em sede de execução da pena, a defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal Militar contra o Juízo da Segunda Auditoria da Terceira CJM em que pugnou pela não recepção dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar, sob clarividente constrangimento ilegal, em razão do regime obrigatoriamente fechado.
Por maioria, o Superior Tribunal Militar denegou a ordem, por entender estarem hígidos os artigos 59 e 61 do CPM, que teriam sido recepcionados pela atual Constituição.
Diante de tal decisão, a defesa impetrou habeas corpus em favor do agravante junto a essa Suprema Corte, que, em decisão monocrática da Eminente Ministra Relatora, a ele negou seguimento.
No entanto, tal decisão não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.
DAS RAZÕES RECURSAIS
O presente agravo volta-se contra r. decisão monocrática que negou seguimento a habeas corpus em que se pede a concessão da ordem a fim de que seja reconhecido o direito de o paciente descontar sua pena em regime aberto e que seja reconhecida a não recepção/inconstitucionalidade dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar.
No caso do agravante, a condenação é inferior a quatro anos, há avaliação favorável quanto às circunstâncias judiciais, configurada pela fixação da pena-base em 6 (seis) meses ao delito, e não há reincidência, quadro que autoriza a fixação do regime inicial aberto.
O cumprimento da pena em regime obrigatoriamente fechado não encontra guarida constitucional, sendo pertinente trazer julgado emanado da Colenda Segunda Turma em que o tema foi amplamente enfrentado:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL EM ESTABELECIMENTO MILITAR. POSSIBILIDADE. PROJEÇÃO DA GARANTIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). LEI CASTRENSE. OMISSÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO PENAL COMUM E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. É dizer: a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Se compete à lei indicar os parâmetros de densificação da garantia constitucional da individualização do castigo, não lhe é permitido se desgarrar do núcleo significativo que exsurge da Constituição: o momento concreto da aplicação da pena privativa da liberdade, seguido do instante igualmente concreto do respectivo cumprimento em recinto penitenciário. Ali, busca da “justa medida” entre a ação criminosa dos sentenciados e reação coativa do estado. Aqui, a mesma procura de uma justa medida, só que no transcurso de uma outra relação de causa e efeito: de uma parte, a resposta crescentemente positiva do encarcerado ao esforço estatal de recuperá-lo para a normalidade do convívio social; de outra banda, a passagem de um regime prisional mais severo para outro menos rigoroso. 2. Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do Magno Texto, a saber: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Nova amostragem está no preceito de que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares” (§ 2º do art. 142). Isso sem contar que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). 3. De se ver que esse tratamento particularizado decorre do fato de que as Forças Armadas são instituições nacionais regulares e permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina, destinadas à Defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (cabeça do art. 142). Regramento singular, esse, que toma em linha de conta as “peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra” (inciso X do art. 142). 4. É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. 5. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a Lei castrense.” (HC 104174, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-093 DIVULG 17-05-2011 PUBLIC 18-05-2011 EMENT VOL-02524-01 PP-00118)
Especificamente sobre a questão, impende transcrever a. r. decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no HC 148.877/AM:
“DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’. PECULATO-FURTO. NEGADO SEGUIMENTO AO ‘WRIT’. DESCABIMENTO DE ‘HABEAS CORPUS’ COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CUMPRIMENTO DA PENA EM QUARTEL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Descabimento de ‘habeas corpus’ como substitutivo de outro recurso. Precedentes do STF, STJ e STM. Negado seguimento monocraticamente, com fundamento no art. 12, inciso V, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar. Julgamento de caso idêntico pelo Plenário do STM, de Réu condenado na mesma Ação Penal Militar. Agravo rejeitado, decisão por maioria.” (Agravo Regimental 41-81.2017.7.00.0000/DF, Rel. Min. JOSÉ BARROSO FILHO – grifei) Busca-se, nesta sede processual, o ingresso do ora paciente em regime de execução de pena menos gravoso (aberto). O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, ao opinar, quanto a esse específico pedido deduzido na presente impetração, pela concessão da ordem de “habeas corpus”, formulou parecer assim fundamentado: “6. Em relação ao regime da execução, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 104.174/RJ, reconheceu a lacuna da lei castrense com referência aos institutos atrelados ao princípio da individualização da pena (progressão de regime, liberdade provisória, conversão de penas) e concluiu pela aplicação subsidiária da legislação comum (LEP), vez que a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado, mesmo em estabelecimento penal militar, é inconstitucional (HC 104.174/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, Dje 18-05-2011). 7. Dessa forma, ausentes circunstâncias judiciais negativas e aplicada a pena no mínimo legal (três anos de reclusão), deve-se estabelecer o regime inicial aberto para o início do cumprimento da pena.” (grifei) Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo assistir razão à douta Procuradoria-Geral da República, eis que os fundamentos nos quais se apoia seu parecer ajustam-se, com integral fidelidade, à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte a propósito da matéria em exame. Cabe destacar, preliminarmente, que Mario Elnilson Rodrigues de Moraes, ora paciente, foi condenado à pena de 03 (três) anos de reclusão, convertida em prisão, pela prática do crime de peculato (CPM, art. 303), sem aplicação da pena acessória de exclusão das Forças Armadas prevista no art. 102 do Código Penal Militar. Com efeito, o Superior Tribunal Militar, ao analisar a controvérsia jurídica em causa, reconheceu que o único regime de cumprimento da pena de prisão imposta a militares da ativa é o regime fechado. Vale transcrever, por oportuno, fragmento do voto condutor do acórdão ora impugnado nesta sede processual: “Como já afirmado na decisão sob o ataque, o único regime inicial que se amolda à pena de prisão, para militares da ativa, é o regime fechado. As características da pena de prisão aparecem, essencialmente, no conciso texto do art. 59 CPM, cujo teor transcrevo abaixo, ‘in verbis’: ………………………………………………………………………………………… Inexiste omissão de fixação de regime, até porque a própria Carta de Guia para cumprimento da pena, expedida em sede de execução provisória, fez constar, explicitamente, que o regime inicial de cumprimento da pena é o ‘fechado’ (…).” (grifei) Observo, por relevante, que a doutrina penal, pronunciando-se a respeito do tema em referência, esclarece que, dada a omissão da legislação penal militar sobre as regras disciplinadoras do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, impõe-se, nos termos do art. 3º do CPPM, a aplicação do Código Penal comum, na parte em que dispõe sobre as modalidades de execução progressiva da pena (MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA e MICHELINE BARBOZA BALDUINO RIBEIRO, “A Progressão de Regime nos Crimes Militares ante as Relações Especiais de Sujeição”, vol. 24/53-73, jul./dez., 2014, Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código Penal Militar Comentado”, p. 119, item n. 245, 2ª ed., 2014, Forense; CÍCERO ROBSON COIMBRA NEVES e MARCELLO STREINFINGER, “Manual de Direito Penal Militar”, p. 492/503, 4ª ed., 2014, Saraiva; ADRIANO ALVES-MARREIROS, GUILHERME ROCHA e RICARDO FREITAS, “Direito Penal Militar”, p. 859/860, 1ª ed., 2015, Método; ENIO LUIZ ROSSETO, “Código Penal Militar Comentado”, p. 331, 2ª ed., 2015, Revista dos Tribunais). Essa mesma orientação reflete-se na jurisprudência adotada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em julgamentos proferidos no contexto da Justiça Militar estadual (HC 86.517/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – HC 332.932/PB, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ – HC 394.469/PB, Rel. Min. JORGE MUSSI – REsp 1.349.689/AM, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, v.g.): “’HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE AGENTES (ART. 303 C/C ART. 53 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO E CULPA NO CRIME. AFERIÇÃO INVIÁVEL NA VIA DO ‘WRIT’. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. REGIME INICIAL SEMI-ABERTO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. ‘TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM’. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA ‘C’, E § 3.º, DO CÓDIGO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO APLICABILIDADE. ………………………………………………………………………………………… 3. Nos termos do art. 61 do Código Penal Militar, a fixação do regime prisional nos crimes militares deve observar os critérios estabelecidos pelo Código Penal. Portanto, fixada a pena-base no mínimo legal porque inexistem circunstâncias judiciais desfavoráveis aos réus – primários e com bons antecedentes –, não é possível infligir regime prisional mais gravoso apenas com base na gravidade genérica do delito. Inteligência do art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. Incidência das Súmulas n.º 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal. (…).” (HC 51.076/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei) “CRIMINAL. ‘HABEAS CORPUS’. CRIME MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA EM ESTABELECIMENTO PENAL MILITAR. PROGRESSÃO DE REGIME. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO CASTRENSE. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL NOS CASOS OMISSOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS EXAMINADOS PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o paciente, cumprindo pena em estabelecimento militar, busca obter a progressão de regime prisional, tendo o Tribunal ‘a quo’ negado o direito com fundamento na ausência de previsão na legislação castrense. II. Em que pese o art. 2º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal indicar a aplicação da lei apenas para militar ‘quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária’, o art. 3º do Código de Processo Penal Militar determina a aplicação da legislação processual penal comum nos casos omissos. III. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ‘habeas corpus’ nº 104.174/RJ, afirmou que a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado em estabelecimento militar contraria não só o texto constitucional, como todos os postulados infraconstitucionais atrelados ao princípio da individualização da pena. IV. Pela observância deste princípio, todos os institutos de direito penal, tais como progressão de regime, liberdade provisória, conversão de penas, devem ostentar o timbre da estrita personalização, quando de sua concreta aplicabilidade. V. Deve ser cassado o acórdão combatido para reconhecer o direito do paciente ao benefício da progressão de regime prisional, restabelecendo-se a decisão do Juízo de 1º grau, que verificou a presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei e fixou as condições para o cumprimento da pena no regime mais brando. VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.” (HC 215.765/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei) Importante referir, ainda, que esse tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que adverte sobre a impossibilidade de executar-se, em regime integralmente fechado, condenação penal imposta pela Justiça Militar, ainda que o seja em estabelecimento castrense: “’HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL EM ESTABELECIMENTO MILITAR. POSSIBILIDADE. PROJEÇÃO DA GARANTIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). LEI CASTRENSE. OMISSÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO PENAL COMUM E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. ………………………………………………………………………………………… 2. Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do Magno Texto, a saber: ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’. Nova amostragem está no preceito de que ‘não caberá ‘habeas corpus’ em relação a punições disciplinares militares’ (§ 2º do art. 142). Isso sem contar que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). ………………………………………………………………………………………… 4. É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. 5. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a Lei castrense.” (HC 104.174/RJ, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei) Esse mesmo entendimento, por sua vez, vem sendo observado por Ministros desta Suprema Corte em sucessivos julgados (HC 120.684- -MC/BA, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 123.191/AM, Rel. Min. ROBERTO BARROSO). Impõe-se destacar, finalmente, ante a inquestionável procedência de suas observações, passagem do voto proferido pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA no julgamento do RHC 92.746/SP, no qual se reconheceu a militar que sofreu condenação imposta pela Justiça castrense a possibilidade jurídica de cumprir pena em regime inicial menos gravoso que o regime fechado, mesmo que em dependência militar: “(…) não se constatam fundamentos suficientes para manter o recorrente preso em estabelecimento militar, sem o benefício do cumprimento inicial da pena no regime aberto, sob a condição de perder o estado de militar para poder cumprir a pena em estabelecimento prisional civil (…). ………………………………………………………………………………………… (…) no caso vertente, não estaria o recorrente cumprindo pena em penitenciária militar, mas sim em estabelecimento militar, mais especificamente na 11ª Brigada de Infantaria Leve de Campinas-SP, local incompatível para o cumprimento de pena privativa de liberdade por militar. 7. Conforme bem ressaltou a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, ‘… ao caso incide a segunda parte do disposto no artigo 61 do C.P.M. – falta de penitenciária militar – e o paciente deve observar o regime prisional fixado no ‘decisum’ (…). 8. Pelo exposto, (…) dou provimento ao presente recurso ordinário em ‘habeas corpus’, para que o recorrente cumpra, na dependência militar, a pena no regime a que tem direito – regime aberto.” (grifei) Em suma: a análise dos fundamentos subjacentes à decisão ora impugnada divergem da diretriz jurisprudencial consagrada por este Supremo Tribunal Federal na matéria ora em exame. Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro o pedido de “habeas corpus”, para fixar, desde logo, o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao ora paciente. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Agravo Regimental nº 41- -81.2017.7.00.0000/DF) e à Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar (Processo nº 0000167-38.2012.7.12.0012). Publique-se. Brasília, 08 de maio de 2018. Ministro CELSO DE MELLO Relator” (HC 148877, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 08/05/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 10/05/2018 PUBLIC 11/05/2018) grifos nossos
Quanto à necessidade de perda da condição de militar para o cumprimento da pena em regime aberto, tal como imposto pela Justiça Castrense, importa afirmar que tal entendimento contrasta com julgado emanado da Colenda Primeira Turma do STF, sob a relatoria da Eminente Ministra Cármen Lúcia:
“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INSURGÊNCIA CONTRA A DECRETAÇÃO DA PERDA DO ESTADO DE MILITAR PARA CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME PRISIONAL ABERTO. RECURSO PROVIDO.” (RHC 92746, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe-083 DIVULG 08-05-2008 PUBLIC 09-05-2008 EMENT VOL-02318-02 PP-00342) grifo nosso
Cumpre salientar que, em caso semelhante, o Ministério Público Federal, instado a se manifestar nos autos, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, declarou-se favorável à concessão da ordem para que fosse fixado o regime inicial aberto para o início de cumprimento da pena, afirmando ser aplicável subsidiariamente o artigo 33 do Código Penal. Transcreve-se a ementa do parecer lançado no HC 150443/STF:
“Processo penal. Habeas corpus. Crime de deserção. Pleito de fixação do regime inicial aberto. 1.A sentença penal condenatória foi omissa quanto ao regime inicial prisional aplicado ao paciente. Dessa forma, considerando a omissão do Código Penal Militar relativamente aos regimes prisionais, haverá aplicação subsidiária do Código Penal. 2. Considerando a condenação à pena de seis meses, valoração favorável ao paciente quanto às circunstâncias judiciais e a primariedade, deverá ser fixado o regime inicial aberto. 3. Pela concessão da ordem, para que seja fixado o regime inicial aberto para o início de cumprimento da pena.” (grifado no original)
Calha invocar, em relevante reforço, julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal em que ficou afastada a obrigatoriedade do regime inicial fechado, mesmo para crimes hediondos, bem mais graves, em regra, que aquele do qual é acusado o agravante, considerando-se que estamos em tempo de paz:
“EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.” (HC 111840, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-249 DIVULG 16-12-2013 PUBLIC 17-12-2013) grifo nosso
O julgado acima é perfeitamente aplicável aos militares, uma vez que a individualização da pena (seja na fixação, seja na execução) é cabível também em sede de Justiça Castrense. Como lançado pelo Ministro Ayres Britto no HC 104174, cuja ementa foi colacionada acima, quando a Constituição quis diferenciar a situação do militar daquela enfrentada pelo civil, foi expressa. Essencial repetir a lição do Ministro, eminente constitucionalista: “Os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988, quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez explicitamente.” (trecho da ementa do HC 104174, integralmente transcrita acima).
Deve, portanto, ser exercido o juízo de reconsideração ou provido o agravo para, ao final, conceder-se a ordem habeas corpus, permitindo-se a fixação do regime aberto de cumprimento de pena, uma vez que sua vedação apriorística está em claro confronto com a garantia constitucional da individualização da pena.
CONCLUSÃO. PEDIDO
Ante o exposto, requer seja exercido o juízo de retratação por Vossa Excelência, com o prosseguimento do feito e a concessão da ordem.
Caso superado o juízo de retratação, seja o agravo levado à Turma, em destaque e em julgamento presencial, para que esta lhe dê provimento, e, ao final, conceda a ordem de habeas corpus.
Requer a manifestação da Corte quanto à recepção/ constitucionalidade dos artigos 59 e 61 do Código Penal Militar pela Constituição da República de 1988.
Pugna, ainda, caso exercida a reconsideração, o que se espera que ocorra, pela intimação pessoal da Defensoria Pública-Geral da União para a sessão de julgamento.