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O caso da bicicleta de ouro – HC 151880/STF

O caso da bicicleta de ouro – HC 151880/STF

 

Espero ter tempo para comentar o caso com calma depois, mas como ele gerou interesse, divulgo abaixo as duas decisões monocráticas do Ministro Edson Fachin no HC 151880, bem como o agravo interno por mim elaborado.

O paciente foi condenado a 6 anos de reclusão por um FURTO QUALIFICADO TENTADO DE UMA BICICLETA.

Como se verifica da decisão, o paciente foi preso em 13/02/2017.

Brasília, 23 de abril de 2019

Gustavo de Almeida Ribeiro

Primeira decisão – HC 151880

Agravo Interno – HC 151880

Decisão no agravo – HC 151880

*atualização (25/04/2019)

Muitas pessoas me perguntaram da sentença que chegou à pena de 6 anos para um furto qualificado tentado de uma bicicleta. Assim, resolvi inseri-la no post.

Sentença – HC 151880

Reavaliação de provas em Habeas Corpus

Reavaliação de provas em Habeas Corpus

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

A Segunda Turma do STF iniciou hoje a apreciação do agravo interno no HC 152001. A ordem de habeas corpus havia sido denegada, em decisão monocrática, pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

A discussão de mérito de habeas corpus é a possibilidade de aplicação da redutora prevista no §4º, do artigo 33, da Lei 11343/06.

A primeira e a segunda instância, como se verá no corpo do agravo abaixo colacionado, entenderam que o paciente do habeas corpus não integrava organização criminosa, fazendo jus à causa de diminuição de pena.

Por discordar de tal entendimento, o STJ proveu apelo especial ministerial, decotando a redutora.

Hoje, ao iniciar o julgamento do agravo, houve discussão sobre reavaliação de provas em sede de habeas corpus. Mas em sede de recurso especial tal reavaliação é permitida? Pior, permite-se mera ilação de que o acusado integrava organização criminosa contra manifestação expressa das instâncias ordinárias?

O Ministro Ricardo Lewandowski manteve seu voto pela denegação. Em seguida, os Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin votaram pela concessão da ordem (ainda que de ofício). O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia.

Aguardemos.

O agravo segue abaixo.

Brasília, 19 de fevereiro de 2019

 

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O Douto Julgador de primeiro grau condenou o agravante à pena privativa de 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e ao pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, por incursão no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos.

Em face da sentença, houve a interposição de recurso de apelação pela acusação. O TRF da 1.ª Região negou provimento a esse recurso, mediante acórdão assim ementado:

“PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33 C/C O ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. DOSIMETRIA MANTIDA.

  1. Na fixação da pena-base para o crime de tráfico de drogas o juiz deve considerar, preponderantemente, sobre as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, além da personalidade e da conduta social do agente. No presente caso, considerando que somente a natureza – cocaína – e a quantidade – 4.055 g – da substância entorpecente apreendida em poder do réu foram consideradas desfavoráveis ao réu, correto o quantum fixado na sentença.
  2. A atenuante da confissão espontânea, por seu caráter objetivo, deve ser aplicada sempre que o réu, de maneira voluntária e sem ressalvas, confessa a prática delitiva, não importando as circunstâncias em que efetivada. Também deve incidir, como na hipótese, em que o interrogatório constituiu fundamento para a condenação.
  3. O acusado que preenche os requisitos do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 – ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa – tem direito subjetivo à redução de pena prevista nesse dispositivo. O quantum da redução deve ser fixado pelo Juiz, observando-se as circunstâncias do crime e as condições pessoais do acusado que, na hipótese, justificam a redução pelo patamar máximo.
  4. As penas restritivas de direitos podem ser definidas pelo Juízo da Execução, a teor do que estabelecem os artigos 66, V a, e 180, ambos da Lei nº 7.210/84. Cabe ao Juízo da Execução, por sua maior proximidade com o réu, avaliar a real situação para o cumprimento da pena.
  5. Apelação não provida.” (grifo nosso)

Diante dessa decisão proferida em segundo grau, a acusação interpôs recurso especial, o qual não foi admitido na origem, seguido da interposição de agravo para alçar o feito à superior instância. No STJ, o Ministro Relator, por decisão monocrática, conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial. Houve, então, a interposição de agravo regimental defensivo, o qual teve provimento negado pela Sexta Turma daquele Tribunal Superior, mediante acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  1. As circunstâncias em que perpetrado o delito de tráfico transnacional de drogas – mais de 4 kg de cocaína trazidos da Bolívia, ocultados em um compartimento costurado dentro da bagagem do agente e transportados por meio de um táxi boliviano – não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas, no seio dos objetivos de uma organização criminosa, de maneira que não há como aplicar a causa especial de diminuição de pena descrita no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006.
  2. Especificamente no caso dos autos, a conclusão pela impossibilidade de incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento, de fato, vedado em recurso especial. O caso em análise, diversamente, demanda apenas a revaloração de fatos incontroversos que já estão delineados nos autos e das provas que já foram devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória, bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada ao art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006. Não há falar, portanto, em incidência da Súmula n. 7 do STJ.
  3. Agravo regimental não provido.” (grifo nosso)

Impetrado habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal em face do acórdão prolatado pela Corte Superior, o Eminente Ministro Relator, em decisão monocrática, denegou a ordem.

No entanto, a decisão singular não merece prosperar, como será demonstrado a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

No entender do agravante, a decisão proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é ilegal porque reexaminou fatos e provas para afastar as premissas assentadas pelas instâncias ordinárias para chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegaram o primeiro e o segundo graus de jurisdição.

No caso dos autos, faz-se essencial o cotejo do quanto firmado pelas instâncias iniciais com a conclusão a que chegou o Egrégio STJ, para que reste inequívoca a realização de revolvimento fático em sede de apelo especial.

Não se trata aqui, calha frisar, de entendimento jurídico diferente em relação ao adotado na origem, mas verdadeiro reexame de fatos e provas. A diferenciação pode parecer tênue, mas nem por isso, deixa de ser constatável.

Com efeito, acerca da incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4.º, da Lei 11.343/2006, a sentença registrou as seguintes premissas:

[…] Considerando que o réu é primário, portador de bons antecedentes e não havendo provas de que ele se dedique à prática de atividades criminosas e de que faça parte de organização criminosa, e que ainda auxiliou na identificação de outra pessoa relacionada ao fato, reduzo a pena em 2/3 (dois terços), nos termos do § 4º, art. 33, da Lei 11.343/2006, alcançando-se a pena de 2 (dois) anos e 200 (duzentos) dias-multa. […] grifo nosso

Bem assim, o TRF da 1.ª Região fez constar na ementa do acórdão que o réu não se dedica às atividades criminosas. Além disso, consta do voto proferido pela Relatora do recurso de apelação a seguinte fundamentação:

[…] Também inexiste fundamento jurídico para excluir do cálculo da pena, a causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. O réu preenche os requisitos legais, pois é primário, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas, além de não haver prova nos autos de que seja integrante de organização criminosa.

O quantum de redução fixado – 2/3 (dois terços) – deve ser mantido, tendo em vista a plausibilidade do fundamento apresentado pelo Julgador a quo, no sentido de que, além da presença dos requisitos legais, o réu “ainda auxiliou na identificação de outra pessoa relacionada ao fato” (fl. 107v) […] grifo nosso

As conclusões do órgão julgador de segundo grau, portanto, são claras: o réu preenche todos os requisitos necessários para a aplicação da minorante prevista no § 4.º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo. E mais do que isso, colaborou com as autoridades para a identificação de outra pessoa relacionada ao fato.

Paradoxalmente, porém, o Ministro Relator do AREsp 1.062.014/MT, bem como os demais Ministros integrantes da Sexta Turma do STJ que participaram do julgamento do agravo regimental, desprezaram as premissas assentadas pelo Juiz Federal sentenciante e pelo TRF da 1ª Região.

A soberania dos órgãos julgadores de primeiro e segundo graus para a análise dos fatos e das provas foi afastada porque, ao sentir do Ministro Relator do AREsp 1.062.014/MT, no presente caso, as circunstâncias em que perpetrado o delito “não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas, no seio dos objetivos de uma organização criminosa”.

Nesse contexto, bem mais do que mera “revaloração de fatos incontroversos”, houve claríssimo revolvimento do material fático-probatório para alcançar conclusões diferentes daquelas assentadas pelas instâncias ordinárias. Houve, em verdade, ilação, no sentido de que, presentes certas circunstâncias, estará sempre configurada a organização criminosa.

Ademais, além de constituir violação à Súmula 7 do STJ, o argumento de que as circunstâncias do crime não se compatibilizam com a posição de quem não se dedica a atividades delituosas no seio de uma organização criminosa não constitui mais do que uma suposição, uma mera possibilidade, que não enseja o juízo de certeza que é necessário para amparar o afastamento da minorante aplicada pelas instâncias ordinárias.

O acórdão ora impugnado, portanto, parece uma reafirmação, por via transversa e dissimulada, do velho entendimento segundo o qual a pessoa que exerce a função vulgarmente chamada de “mula” necessariamente integra organização criminosa e por isso não faz jus à minorante prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.

Com efeito, o acórdão ora impugnado faz referência a uma hipotética dedicação a atividades criminosas e a uma imaginária organização criminosa, sem vinculação a nenhum elemento concreto de convicção. Em verdade, a negativa da causa de diminuição de pena em questão se funda tão somente em ilações e conjecturas, de modo a incorrer em vício de fundamentação aferível de plano.

Inicialmente, impende destacar que a mera condição de mula não implica, obrigatoriamente, em participação em organização criminosa ou em dedicação habitual ao crime, conforme entendimento assentado nas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06). Pena-base. Majoração. Valoração negativa da natureza e da quantidade da droga (2.596 g de cocaína). Admissibilidade. Vetores a serem considerados necessariamente na dosimetria (art. 59, CP e art. 42 da Lei nº 11.343/06). “Mula”. Aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Admissibilidade. Inexistência de prova de que o paciente integre organização criminosa. Impossibilidade de negar a incidência da causa de diminuição de pena com base em ilações ou conjecturas. Precedentes. Percentual de redução de pena: 1/6 (um sexto). Admissibilidade. Fixação em atenção ao grau de auxílio prestado pelo paciente ao tráfico internacional. Ordem de habeas corpus concedida, para o fim de cassar o acórdão recorrido e restabelecer o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Federal. 1. É pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a natureza e a quantidade da droga constituem motivação idônea para a exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes. 2. Descabe afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 com base em mera conjectura ou ilação de que o réu integre organização criminosa. Precedentes. 3. O exercício da função de “mula”, embora indispensável para o tráfico internacional, não traduz, por si só, adesão, em caráter estável e permanente, à estrutura de organização criminosa, até porque esse recrutamento pode ter por finalidade um único transporte de droga. Precedentes. 4. O paciente, procedente da Venezuela, foi flagrado na posse de 2.596 g de cocaína no aeroporto de Guarulhos, no momento em que se preparava para embarcar em voo para a África do Sul, com destino final em Lagos, na Nigéria. 5. Correta, portanto, a valoração negativa do grau de auxílio por ele prestado ao tráfico internacional, na terceira fase da dosimetria, com a fixação do percentual de redução em 1/6 (um sexto). 6. Ordem de habeas corpus concedida, para o fim de se cassar o acórdão recorrido e de se restabelecer o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Federal, que redimensionou a pena imposta ao paciente para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa.” (HC 134597, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 28/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 08-08-2016 PUBLIC 09-08-2016) grifo nosso 

“Ementa: HABEAS CORPUS EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE COCAÍNA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O RÉU INTEGRE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 1. A causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não pode ser indeferida com apoio em ilações ou em conjecturas de que o réu se dedique a atividades ilícitas ou integre organização criminosa. 2. Sentença de primeiro grau que reconheceu, com apoio na prova judicialmente colhida, o preenchimento de todos os requisitos indispensáveis ao reconhecimento da minorante em causa. 3. Habeas Corpus extinto sem resolução de mérito por inadequação da via processual. 3. Ordem concedida de ofício para restabelecer a sentença de primeiro grau, no ponto específico.” (HC 111309, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 08-04-2014 PUBLIC 09-04-2014) grifo nosso

Razão assiste à Suprema Corte: não é correto o afastamento da causa de diminuição de pena em questão com base em mera conjectura ou ilação de que o réu se dedica a atividades criminosas ou de que tenha colaborado com suposta organização criminosa.

Em julgado recente, a Colenda Segunda Turma da Corte, ao apreciar habeas corpus de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, que também conduz o presente writ, assim entendeu: 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA. AFASTAMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATIVIDADE DE ‘MULA’. INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NÃO COMPROVAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. I – No crime de tráfico de drogas, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes e não se dedique a atividades ilícitas nem integre organização criminosa. II – A exclusão da causa de diminuição, prevista no § 4° do art. 33 da Lei 11.343/2006, somente se justifica quando indicados expressamente os fatos concretos comprovando que a denominada “mula” integre a organização criminosa. Precedentes. III – O Código Penal determina que o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto. Sendo o réu primário e com bons antecedentes, requisitos aferidos na sentença condenatória, não há motivos que impeçam a fixação do regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena. IV – Não é lícito ao Superior Tribunal de Justiça revolver fatos e provas para desconsiderar a classificação de tráfico privilegiado estabelecidas nas instâncias inferiores. V – Sendo o réu primário e com bons antecedentes, requisitos aferidos na sentença condenatória, não há motivos que impeçam a fixação do regime mais brando para o cumprimento inicial da pena. VI – Ordem concedida em parte.” (HC 139327, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-07-2017 PUBLIC 01-08-2017) grifo nossoA Corte Superior fez exatamente o que foi rechaçado pelo STF no julgado acima, ou seja, a partir da reconsideração de fatos, afastou a minorante concedida ao agravante.

Aliás, com a devida vênia, a própria decisão agravada demonstra claramente a necessidade de revolvimento fático-probatório para o afastamento da causa de diminuição da pena no caso em análise. Transcreve-se:

“Como se vê, a conclusão da dedicação do paciente ao tráfico ilícito de drogas, com participação em organização criminosa, não foi apoiada em meras ilações ou suposições, como se alega. No ponto, a Corte Superior de Justiça destacou as especiais circunstâncias em que o delito foi praticado, demonstrando a forma despretensiosa e ousada com que o paciente carregava 4kg de cocaína trazidos da Bolívia, os quais eram ocultados em um compartimento previamente ajustado dentro de sua bagagem de mão, e transportado por meio de um táxi boliviano. Esses aspectos, a meu sentir, destoam daqueles que normalmente são verificados quando a traficância é praticada pela primeira vez, sem maiores planejamentos. É dizer, esses elementos, de fato, demonstram a dedicação do paciente ao tráfico de drogas e a integração dele em organização criminosa.”

Ora, o procedimento narrado acima é o que usualmente acontece quando há transporte de droga, principalmente em âmbito internacional. A conduta do agravante não desbordou do que normalmente ocorre: acondicionamento, uso de mala, de meio de locomoção.

O tráfico internacional tem punição mais gravosa justamente por sua maior complexidade; por isso, considerar o acondicionamento, ou forma de transporte como participação grupo criminoso, além de demandar reexame de fato, vai de encontro à jurisprudência da Corte.

É de se ver, ademais, que o acórdão impugnado valorou a circunstância composta pelo binômio quantidade e natureza da droga tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria da pena, em desacordo com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Reflexões sobre a pena de multa após as execuções penais da AP 470 e o julgamento da ADI 3150

Reflexões sobre a pena de multa após as execuções penais da AP 470 e o julgamento da ADI 3150

 

Segue, abaixo, trecho da petição de agravo interno que apresentei pela DPU ao STF no HC 165.726, em que se discute a possibilidade da concessão de indulto da pena de multa e qual o Juízo competente.

O tema é interessante em razão dos julgados recentes do STF em execuções penais oriundas da AP 470 (mensalão) e da ADI 3150.

Em meu sentir, entendimentos antigos ficaram superados, devendo o Supremo Tribunal adequar todos os julgados às consequências das teses por ele adotadas.

Aguardemos o que dirá a Segunda Turma do STF.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 4 de fevereiro de 2019

 

BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O presente habeas corpus centra-se no constrangimento ilegal suportado pelo paciente, em decorrência de ter o Douto Juízo da Execução Penal deferido-lhe o indulto da pena corporal, com base no art. 1º, inciso XVI, do Decreto nº 8.615/2015, não o estendendo, todavia, à pena de multa, apesar do disposto no artigo 7º do mencionado Decreto. O fundamento invocado pelo Magistrado foi o entendimento segundo o qual seria incompetente para tanto, uma vez que a multa é executada perante o Juízo da Execução Fiscal.

Irresignada, a defesa interpôs agravo em execução, tendo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina negado provimento ao recurso.

A defesa interpôs, então, recurso especial, ao qual foi negado provimento, pois o Superior Tribunal de Justiça entendeu competir ao Juízo da Vara de Execuções Fiscais a análise do pedido de indulto da pena de multa.

Inconformada, a Defensoria Pública da União impetrou habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal com pedido de extensão do indulto à pena de multa e, por sua natureza penal, que fosse o pedido analisado pelo Juízo das Execuções Penais. Foi negado seguimento à impetração, sob a fundamento de impropriedade da via utilizada.

Data vênia, tal entendimento não deve prosperar, conforme será exposto a seguir.

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

A Defensoria Pública da União ajuizou ação de habeas corpus perante o STF, por entender que o julgado emanado do Superior Tribunal de Justiça, com a devida vênia, incorreu em constrangimento ilegal em desfavor do paciente. O acórdão prolatado pela Corte Superior afirmou que a pena de multa tem caráter extrapenal, que se trata de dívida de valor e que a competência para sua cobrança não é do Juízo das Execuções Penais, que, portanto, não poderia indultar pena de multa. Transcreve-se, abaixo, a ementa da decisão impugnada:

“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 66, II, DA LEI N. 7.210/1984. INDULTO. PENA PECUNIÁRIA. CARÁTER EXTRAPENAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES FISCAIS. 1. A Terceira Seção desta Corte assentou orientação de que a pena pecuniária é considerada dívida de valor e, assim, possui caráter extrapenal, de modo que sua execução é de atribuição exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.

  1. Desse modo, não há falar em competência do Juízo das Execuções Penais para decidir a respeito do pedido do indulto à pena de multa convertida em dívida de valor, uma vez que, independentemente da origem penal da sanção, foi convolada em obrigação de natureza fiscal.
  2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1694270/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 05/11/2018) grifo nosso

Ao negar seguimento ao writ, o Eminente Ministro Relator entendeu que a decisão combatida não seria contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cumpre, todavia, seja reanalisada essa assertiva.

Da superação da Súmula 693 do STF 

O habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União teve seu seguimento negado sob o fundamento de que a pena de multa imposta ao agravante não interferiria em sua liberdade de locomoção. Entretanto, tal tese não merece prosperar, segundo o atual entendimento esposado pela Suprema Corte.

O Plenário do STF firmou entendimento na linha de ser o inadimplemento da multa fator impeditivo para a progressão de regime. Calha, para ilustrar o afirmado, colacionar duas ementas de julgados no sentido mencionado:

“EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PAGAMENTO PARCELADO DA PENA DE MULTA. REGRESSÃO DE REGIME EM CASO DE INADIMPLEMENTO INJUSTIFICADO DAS PARCELAS. POSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que o inadimplemento deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. Precedente: EP 12-AgR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. 2. Hipótese em que a decisão agravada, com apoio na orientação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, condicionou a manutenção da sentenciada no regime semiaberto ao adimplemento das parcelas da pena de multa. 3. Eventual inadimplemento injustificado das parcelas da pena de multa autoriza a regressão de regime. Tal condição somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica em pagar as parcelas do ajuste. 4. Agravo regimental desprovido.” (EP 8 ProgReg-AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 19-09-2017 PUBLIC 20-09-2017) grifo nosso 

“ementa: Execução Penal. Agravo Regimental. Inadimplemento deliberado da pena de multa. Progressão de regime. Impossibilidade. 1. O inadimplemento deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. 2. Tal regra somente é excepcionada pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica do apenado em pagar a multa, ainda que parceladamente. 3. Agravo regimental desprovido.” (EP 12 ProgReg-AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 10-06-2015 PUBLIC 11-06-2015) grifo nosso

Portanto, parece irrefutável que a pena de multa interfere de forma sensível no direito de ir e vir do cidadão, na medida em que impede um condenado de progredir de regime. Logo, a existência de multa pendente pode refletir na liberdade de locomoção, sendo tutelável, consequentemente, por meio do habeas corpus.

Da natureza penal da pena de multa 

Outro aspecto trazido pela r. decisão agravada foi que o descumprimento da pena de multa deságua em dívida ativa da Fazenda Pública, invocando-se, para tanto, a ementa do HC 85546, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado pela 1ª Turma do STF.

Também esse fundamento sofreu alteração recente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Ficou assentado, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150, que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias, sendo a atribuição da Fazenda Pública apenas subsidiária, em caso de inércia do MP.

Ademais, nessa mesma oportunidade, salientou-se que a multa pecuniária é sanção penal prevista na Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, inciso XLVI, alínea “c”), restando evidenciada a competência do Juízo da Execução Penal. Em razão de ser tal julgamento recente, o v. acórdão ainda não foi publicado. Cabe, todavia, extrair trecho do Informativo 927, publicado no sítio eletrônico do STF, na parte em que discorreu sobre o feito:

“O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 51 do Código Penal (CP) (1) e, em conclusão de julgamento e por maioria, resolveu questão de ordem em ação penal no sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público (MP) para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública (Informativo 848).

O colegiado assentou que a Lei 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal que lhe é inerente, por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal (CF) (2) (grifo nosso)

Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do MP, perante a vara de execuções penais. Entretanto, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. (grifo nosso)

O Plenário registrou que o art. 51 do CP, na redação que lhe havia sido dada pela Lei 7.209/1984, previa a possibilidade de conversão da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 deu nova redação ao dispositivo, referindo-se à multa como dívida de valor. Assim, a nova redação do referido dispositivo implicou duas consequências: i) não mais permite a conversão da pena de multa em detenção; e ii) a multa passou a ser considerada dívida de valor.

Contudo, dizer que a multa penal se trata de dívida de valor não significa dizer que tenha perdido o caráter de sanção criminal. A natureza de sanção penal dessa espécie de multa é prevista na própria CF, razão pela qual o legislador ordinário não poderia retirar-lhe essa qualidade. (grifo nosso)

Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF (3), segundo o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular da ação penal.

Ademais, o art. 164 da Lei de Execução Penal (LEP) (4) é expresso ao reconhecer essa competência do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei 9.268/1996.

Vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que reconheceram a legitimidade exclusiva da Fazenda Pública para promover a execução da multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado referida no art. 51 do CP.

O ministro Marco Aurélio afirmou que, ante a transformação legal em dívida de valor, consoante o dispositivo impugnado, a multa em questão deixou de ter conotação penal. Já o ministro Edson Fachin, apesar de assentar o caráter de sanção criminal da pena de multa em referência, reconheceu a atribuição da advocacia pública para iniciar sua cobrança perante o juízo de execução fiscal.

(1) CP: “Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”

(2) CF: “Art. 5º (…) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: (…) c) multa;”

(3) CF: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”

(4) LEP: “Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.””

ADI 3150/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12 e 13.12.2018. (ADI-3150)

AP 470/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 12 e 13.12.2018. (AP-470)

Portanto, os julgados recentes da Corte Suprema, mencionados acima, demonstram estar superado o entendimento que culminou na edição da Súmula 693 pelo STF, em razão das consequências do inadimplemento da multa na execução da pena corporal. Também restaram consolidadas sua natureza penal e a competência para sua execução. Assim, deve ser enfrentado o mérito e concedida a ordem de habeas corpus em favor do agravante.

Breve comentário sobre o julgamento da ADI 5874 (indulto) até aqui

Breve comentário sobre o julgamento da ADI 5874 (indulto) até aqui

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Os debates ocorridos no julgamento da ADI 5874, em que se discute a constitucionalidade do Decreto de Indulto 9246/17 poderiam ser resumidos, de forma extremamente simplista, em:

a – cabe ao STF apenas verificar se o decreto ofendeu o disposto no artigo 5º, XLIII, da CF, que estabelece as restrições para a concessão de indulto, e, ainda, se houve desvio de finalidade por parte do Presidente da República;

ou

b – pode o STF verificar outros aspectos, avaliando percentuais de cumprimento de pena para a concessão do indulto, crimes abrangidos, entre outros.

Como se sabe, até agora, 8 Ministros votaram, 6 deles entendendo que não cabe ao STF se imiscuir no decreto de indulto, ressalvados os limites impostos pela CF/88, enquanto 2 decotavam dispositivos do texto presidencial.

Em seguida, a sessão foi interrompida por pedido de vista do Ministro Luiz Fux.

Sobreveio então outra discussão: se seria mantida a liminar concedida, por decisão monocrática, pelo Ministro Roberto Barroso, relator.

Ela então foi mantida por 5 a 4, com pedido de vista do Ministro Dias Toffoli quanto à questão de ordem.

Narrado, brevemente, o que aconteceu, nas sessões de 28 e 29 de novembro do Plenário do STF, farei algumas considerações.

 

A questão sobre os limites do poder de indultar, se contidos apenas no mencionado inciso XLIII, do artigo 5º, da CF/88, ou se também passíveis de extração de outros dispositivos da própria Constituição Federal, é bastante interessante e mereceria reflexão e análise mais elaboradas do que as que pretendo tecer.

Todavia, ainda que se chegue à conclusão de que existem outros limites, cabe avaliar se no caso em tela ocorreu essa extrapolação, se estão presentes esses excessos visíveis e ostensivos, ou se, ao contrário, houve invasão, por parte de quem concedeu e manteve a liminar, da prerrogativa presidencial.

Em meu sentir, penso que os inúmeros votos que entenderam pela constitucionalidade do Decreto de Indulto de 2017 mostraram de forma clara que ele não desbordou, de forma excessiva, daqueles editados em anos anteriores.

Mais ainda, penso que as decisões cautelares da Ministra Presidente e do Relator entenderam excessivos dispositivos que vinham sendo repetidos em sucessivos indultos natalinos. O melhor exemplo disso diz respeito às penas restritivas de direito.

Há anos esse tipo de reprimenda, destinada a crimes sem violência ou grave ameaça, com penas não superiores a 4 anos em crimes dolosos, vem sendo objeto de indulto.

Se o indulto para penas restritivas de direito fosse mesmo inconstitucional, por que não foi atacado ano após ano? E, não sendo flagrantemente inconstitucional, por que o deferimento e a manutenção da liminar suspensiva por quase 1 ano? Aliás, existem várias decisões do STF reconhecendo ser possível o indulto de penas restritivas de direito, uma delas proferida pelo Ministro Relator da ADI 5874.

Penso que sob o fundamento de se questionar a concessão de indulto aos chamados criminosos de colarinho branco, a inicial da ADI e as decisões monocráticas prolatadas se excederam, com o devido respeito.

Assim, ainda que esteja disposto a refletir se medidas presidenciais excessivamente generosas poderiam ser sindicadas pelo STF, além das vedações constitucionais expressas, penso que não foi esse o caso do Decreto de Indulto de 2017, notadamente em relação a certos aspectos impugnados. Repito, houve farta comparação do texto de 2017 com edições anteriores, sem que fosse indicada grande inovação.

Todavia, o mais curioso, em minha opinião, foi a manutenção da liminar quando declarada, pela maioria da Corte, a constitucionalidade do Decreto. O STF, até o presente momento, entendeu ser constitucional o indulto, por maioria, todavia, o entendimento de apenas um Ministro impede sua aplicação? Sim, o julgamento não acabou e a linha atual pode ser modificada, é fato. Mas uma cautelar monocrática, em sede de controle concentrado, é ainda mais precária e nunca deveria prevalecer diante de divergência formada do colegiado, principalmente se considerado o disposto no artigo 10 da Lei 9868/99[1]. O que ocorreu foi a submissão da maioria a um único Ministro. Pior ainda, a constitucionalidade do texto normativo se presume. Cautelares são dadas em sede concentrada para se afastar tal presunção. No caso, além da presunção, já há manifestação majoritária pela constitucionalidade. Há fumaça do bom direito quando a maioria já negou o direito?

Certo é que ficou tudo muito estranho em termos jurídicos.

Espero que esse julgamento se encerre logo. A mencionada liminar já perdura há quase um ano, não havendo mais qualquer motivo para sua prorrogação.

Como comentei em meu twitter, independentemente do resultado, essas questões relevantes, que interessam a milhares de pessoas, precisam ser logo apreciadas. A segurança jurídica agradece.

Brasília, 1º de dezembro de 2018

 

 

 

 

[1] Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.

Pedido de reconsideração da suspensão do indulto – ADI 5874

Pedido de reconsideração da suspensão do indulto – ADI 5874

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Segue, abaixo,  link do pedido apresentado pela DPU para que seja reconsiderada a decisão proferida na ADI 5874 pelo Ministro Roberto Barroso que suspendeu o decreto de indulto de 2017 quanto às penas restritivas de direito.

Brasília, 22 de agosto de 2018

Pedido de Reconsideração – ADI 5874 – Indulto

O STF se arrependeu?

O STF se arrependeu?

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O Plenário do STF proferiu, em anos recentes, várias decisões importantes no que concerne ao tráfico de drogas. Cito algumas pertinentes ao que exporei no texto:

HC 97256 – permitiu a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico de drogas;

HC 111840 – permitiu que o cumprimento de pena se inicie em regime mais brando que o fechado no tráfico;

HC 104339 – considerou inconstitucional a vedação à liberdade provisória no tráfico.

Todavia, em casos em que tenho atuado recentemente, a maioria deles emanados de Ministros da 2ª Turma do STF, que, desde que comecei a atuar na Corte, tinham visão mais favorável aos assistidos da Defensoria, o rigor tem crescido sensivelmente, sendo invocadas circunstâncias absolutamente normais ao tráfico de drogas para se repristinar as vedações absolutas afastadas nos julgados acima mencionados.

Quantidades pequenas de droga, seu acondicionamento, o fato de a pessoa ter corrido na hora da prisão, de ser cocaína, quase tudo tem impedido a substituição da pena, a concessão de liberdade ao acusado, a fixação do regime inicial aberto.

Poderia ficar aqui enumerando vários habeas corpus denegados monocraticamente tratando do tema em questão, mas vou me limitar àquele em que trabalho agora, o HC 146570, de relatoria do Ministro Celso de Mello, em que foi negada a substituição de pena no tráfico privilegiado para pessoa flagrada com 32,28g de cocaína. Bem, se acusado que preenche os requisitos cumulativos do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 (tráfico privilegiado) não tem direito à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, devo concluir que ela não existe mais, pois, simplesmente alegar que a pena substituída não é suficiente não é fundamento, com o devido respeito.

Pior, tais decisões são tomadas de forma monocrática (o último HC ou RHC da DPU julgado de forma colegiada pela 2ª Turma do STF sem a necessidade de agravo foi apreciado em agosto de 2017), o que impede a sustentação oral.

Na verdade, o que sinto é a volta da gravidade em abstrato, o que, na prática, iguala os desiguais, situação que foi sempre muito criticada antes das decisões do STF que abrem o texto. Estamos voltando ao que era antes, infelizmente.

Brasília, 15 de novembro de 2017

 

Não é bem assim

Não é bem assim

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Li hoje no jornal Folha de São Paulo, em sua versão on line, uma notícia em que se compara as penas de pessoas acusadas de crimes leves (furto, receptação) com aquelas impostas aos delatores da chamada Operação Lava-jato[1].

Concordo com parte do afirmado pelos pesquisadores ouvidos, de outra parte, discordo frontalmente.

Antes de apresentar minhas observações, vou relatar duas situações que presenciei no Supremo Tribunal Federal que me ajudaram a formar opinião sobre o assunto.

 

Em certa oportunidade, esperava com um colega sua vez de proferir sustentação oral em habeas corpus da Defensoria Pública da União. Antes dele, assomou à tribuna um advogado famoso de São Paulo, em favor de pessoa com alto poder econômico.

Ao final da sustentação, ele mencionou o fato de que a neta do cliente dele era coleguinha de escola da neta (ou do neto) de um Ministro do STF.

Esse causídico em questão está longe de ser um novato desavisado, muito pelo contrário. Escolhe e usa as palavras com precisão.

Seria leviano afirmar que a ordem foi concedida em razão disso. Até porque não acho que tenha sido o caso, mas, por outro lado, não acredito que advogado tão renomado e experimente estivesse gastando seu tempo de sustentação com algo que não pudesse, ao menos, angariar simpatia.

 

Em outra oportunidade, eu aguardava minha vez de proferir sustentação oral em habeas corpus da DPU, quando a advogada que me antecedeu pediu que o STF tivesse compreensão com o cliente dela. Segundo ela, seu cliente, de classe média alta de São Paulo, tinha se viciado em drogas e, já sem dinheiro para manter o vício, passara a traficar. Ela afirmou que o rapaz já tinha saído da faculdade em que conhecera as más companhias e já estava na segunda internação para desintoxicação, esta com bastante possibilidade de êxito. Pedia uma segunda chance a ele.

A ordem foi concedida. Enquanto ouvia, pensava: se com esse rapaz que teve todas as chances, a Corte deve ser compreensiva, o que se dirá com os miseráveis, furtadores de ninharias, sacoleiros de ônibus caquéticos, mulas de tráfico oriundas de países pobres que venho defender? Pensei em falar isso da tribuna, mas como minha tese era boa, deixei para lá e mantive o que tinha preparado. A ordem foi também deferida.

 

Por isso, ao ler o texto publicado na Folha de São Paulo, sou obrigado a concordar com parte dele, ao tempo em que rejeito outro trecho.

Infelizmente, as pessoas mais pobres, muitas vezes, não têm acesso à Defensoria Pública, Federal ou Estadual, instituições com quadros bem menores que o ideal. Não seria capaz de negar isso.

Todavia, nem sempre é correto dizer que a visão diferente decorre da qualidade da defesa. Há trabalhos melhores e piores, como ocorre, aliás, na iniciativa privada, mas vejo coisas de grande qualidade elaboradas pela Defensoria Pública que não encontram guarida nos Tribunais muito mais pelo entendimento do que por sua qualidade. Invoco um exemplo: por que o descaminho e a sonegação fiscal são tratados de formas tão distintas? Já levamos tal discussão incontáveis vezes ao STJ e ao STF.

Também discordo do aspecto de que o rigor do Código Penal nos crimes contra o patrimônio, em contraste com as chamadas leis esparsas, seja uma causa relevante da diferença. É bom lembrar que o peculato, a corrupção (ativa e passiva), a apropriação indébita previdenciária, são previstos no Código Penal, alguns com penas elevadas, e vejo mais rigor na resposta ao furto.

Por outro lado, concordo com aspectos do texto como a proximidade do acusado com a classe social de quem o julga, a possibilidade de delação premiada e a desatualização de parte da legislação (refiro-me à possibilidade de extinção da pena do furto com a devolução da coisa subtraída, que deveria ser implementada).

Quanto aos antecedentes, cumpre dizer que quem nunca é julgado, nunca se torna reincidente.

De qualquer modo, meu objetivo ao redigir este é observar que mais do que justificativas, deve haver atualização legislativa e, sobretudo, mudança no entendimento dos julgadores quanto às condutas praticadas, notadamente aquelas sem violência ou ameaça que causem pequeno ou nenhum dano (furtos de bagatela, descaminho de sacoleiros).

Em minha opinião, o rigor é maior com os mais frágeis e, pelo que vejo diuturnamente, isso vai demorar a mudar.

Brasília, 28 de fevereiro de 2017

 

 

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1862406-delator-da-odebrecht-e-manicure-que-furtou-fralda-tem-penas-semelhantes.shtml

ADCs 43 e 44 e Defensoria Pública: considerações

ADCs 43 e 44 e Defensoria Pública: considerações

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Conforme muitos certamente acompanharam, o Plenário do STF, em sessão realizada no dia 5 de outubro de 2016, indeferiu a medida cautelar nas ADCs 43 e 44, que pediam a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP. Em suma, continuou autorizada a execução da pena após a condenação imposta em segundo grau, mantendo-se o decidido no HC 126.292.

Embora tenhamos perdido, uma vez que militávamos, como não poderia deixar de ser, pela concessão das cautelares, cumpre tecer algumas considerações sobre a atuação da DPU.

Em primeiro lugar, marcamos nossa posição. Participamos ativamente de importante discussão jurídica que despertou debates, não só por parte do meio específico, mas da sociedade em geral.

Entendo perfeitamente as preocupações quanto à situação do Brasil e o posicionamento da maioria da população quanto ao tema, mas acho que nossa participação nos engrandeceu. Ouvimos coisas positivas dos Ministros, como a manifestação de que somos responsáveis em nossos recursos.

É preciso mostrar o outro lado, ponderar, tentar fazer refletir, o que, reconheço, não é fácil, mas alternativa não há.

Voltando ao tema, foi feito um trabalho concatenado, organizado, com a apresentação de peças e números, em atuação que contou com a participação de vários colegas na troca de ideias e sugestões.

Foi impressionante a ampla adesão à nossa nota em tão pouco tempo, merecendo destaque também os contatos firmados, no período, com entidades diversas.

Na verdade, conforme comentei algumas vezes, em regra, os assistidos da Defensoria respondem presos cautelarmente, a não ser que a acusação seja leve o suficiente para que, ao final, a pena imposta seja convertida em restritiva de direitos. Ou seja, trate-se de execução provisória ou de prisão cautelar, muitas vezes eles estão presos, lamentavelmente. De toda sorte, precisávamos marcar nosso entendimento de forma qualificada e fundamentada.

Por fim, quanto ao resultado, penso que podemos extrair da decisão as consequências favoráveis possíveis em benefício da Defensoria e de seus assistidos:

a – falou-se muito no abuso recursal e na alternativa do habeas corpus, assim, essa manifestação só terá sentido se as restrições cada vez maiores ao remédio heroico forem repensadas;

b – alguns votos chegaram a dizer que o temor da impunidade decorrente das diversas instâncias recursais acaba fazendo com que os juízes imponham prisões cautelares em demasia; ora, o novo entendimento do STF deve ser invocado para se combater as prisões processuais excessivas em quantidade e em duração.

Não sou ingênuo de achar que essas consequências serão simples e matemáticas. Cabe a nós, contudo, cobrá-las.

Apesar de lermos e ouvirmos repetidamente a frase de que rico chega aos Tribunais Superiores, vale lembrar que boa parte das decisões relevantes em matéria penal e processual penal proferidas pelo STF, em tempo recente, decorreu da atuação das Defensorias. Os jornalistas não vão enxergar isso da noite para o dia, cedo ou tarde, contudo, tal será inevitável.

Cumprimos nosso papel com responsabilidade, respeito às divergências e denodo. Em suma, pensamos nos milhares a quem representamos no exercício de nosso mister.

Brasília, 7 de outubro de 2016

 

Contravenção penal e substituição da pena

Contravenção penal e substituição da pena

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Compartilho, para quem estuda o tema, meu roteiro de sustentação oral no HC 132342, julgado e concedido pela 2ª Turma do STF na sessão de 30/08/2016.

Sequer cheguei a sustentar a impetração, pois, tão logo assomei à tribuna, o Ministro Dias Toffoli, relator, avisou que estava concedendo a ordem, pelo que abri mão da minha manifestação oral.

Após concedido o habeas corpus, o tema parece simples e indiscutível, mas, em minha opinião, não era bem assim.

 

HC 132342

O paciente foi condenado pela suposta prática de contravenção – vias de fato – a 20 dias prisão simples, por episódio ocorrido no âmbito de relação familiar.

A pena privativa de liberdade no regime aberto foi substituída pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pela restritiva de direitos.

O STJ proveu recurso ministerial para restabelecer a pena corporal.

Inicialmente, importa lembrar que o artigo 44 do Código Penal veda a substituição da pena para crimes praticados com violência ou grave ameaça. As contravenções não estão inseridas na vedação, sendo a extensão indevida na seara do Direito Penal, em obediência ao princípio da legalidade estrita.

Não se desconhece, todavia, o precedente firmado pelo Plenário do STF, no HC 106.212, em que a vedação da aplicação dos dispositivos da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi estendida também às contravenções penais, por unanimidade.

Por sua vez, a ADI 4424 entendeu que a ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica é pública incondicionada.

Ambos os precedentes, HC 106.212 e ADI 4.424, indicam preocupação em se proteger a mulher, seja dispensando a representação, seja afastando os institutos despenalizadores da Lei 9099/95.

Já no caso do HC 132.342 a situação é distinta, já tendo sido imposta condenação em desfavor do paciente, recaindo a discussão tão somente sobre a forma de execução dos 20 dias de pena fixados.

Além da legalidade estrita, considerando-se que a vedação refere-se somente aos crimes e não às infrações penais em geral, a impossibilidade de substituição ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, principalmente em um país com graves problemas em seu sistema prisional, reconhecidos em recentes julgados da Suprema Corte.

O voto condutor do Ministro Gilmar Mendes no RE 641.320 observou que 17 Estados da Federação não possuem regime aberto para o cumprimento de pena.

Por sua vez, a súmula vinculante 56, recentemente editada, vedou a colocação do preso em regime mais gravoso que o da condenação.

No exame da cautelar na ADPF 347, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros em decorrência da violação massiva dos direitos fundamentais.

Em suma, não há sentido em se colocar uma pessoa condenada a 20 dias a prisão simples nessa condição.

Pior ainda, parte da doutrina defende que tal conduta sequer deveria ser tipificada pelo Direito Penal, a ser invocado apenas em ofensas mais relevantes.

No habeas corpus em questão já há imposição de pena, não questionada na impetração. A discussão trazida diz respeito apenas à forma de execução da pena fixada, em NADA enfraquecendo a proteção à mulher, sem deixar, contudo, de se observar a legalidade e a razoabilidade em favor do paciente.

Brasília, 2 de setembro de 2016

 

A compatibilidade entre o sursis e o indulto

A compatibilidade entre o sursis e o indulto

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal está discutindo se o tempo em que o apenado cumpriu período de prova do sursis pode ser considerado para a obtenção de indulto, nos termos do disposto no inciso XIII do artigo 1º do Decreto 8.172/2013. São quatro habeas corpus em julgamento sobre o tema, três com pacientes militares e um com paciente civil. Segue, abaixo, memorial por mim apresentado antes do início do julgamento de um desses feitos, com breves considerações sobre o sursis, a competência da Justiça Militar e a desatualização da legislação penal e processual penal militar em relação à legislação penal comum.

 

  1. BREVE NARRAÇÃO DOS FATOS

O paciente foi denunciado pela suposta prática do delito tipificado no artigo 299 do Código Penal Militar, desacato, à pena de 6 (seis) meses de detenção, sendo a ele concedido regime inicial aberto e o benefício do sursis pelo prazo de 2 (dois) anos.

O apenado XXXX vem cumprindo regularmente todas as condições impostas.

Em 19 de fevereiro de 2014, em decorrência do Decreto presidencial de indulto de dezembro de 2013, o Juiz Auditor da 3ª Auditoria da 1ª CJM proferiu decisão reconhecendo que o paciente atendeu os requisitos subjetivos e objetivos para a concessão do indulto especificados no inciso XIII do artigo 1º do Decreto 8.172/2013, vez que cumpriu ¼ (um quarto) do período de prova do sursis dentro do prazo especificado no decreto presidencial.

Contra esta decisão, o Parquet interpôs recurso em sentido estrito, argumentando que o período de prova do sursis não pode ser contabilizado como tempo de cumprimento de pena.

No dia 25 de junho de 2014, foi a Plenário o julgamento do recurso, interposto pelo Ministério Público Militar, oportunidade em que, por unanimidade, o Superior Tribunal Militar deu-lhe provimento e reformou a decisão de primeiro grau.

Entretanto, conforme será demonstrado a seguir, tal entendimento não deve prosperar.

2. DOS FUNDAMENTOS PARA A CONCESSÃO DA ORDEM

A presente impetração traz a oportunidade de a Suprema Corte apreciar diversos temas que afetam a Justiça Militar, principalmente quando são a ela submetidos civis.

Em primeiro lugar, calha rememorar que no caso dos autos, o paciente foi acusado de desacato, crime de duvidosa constitucionalidade.

Em seguida, cabe dizer que o paciente, civil, teria praticado tal conduta contra militares em atividade de policiamento, matéria que foi considerada, no julgamento até agora concluído pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, de competência da Justiça comum (HC 112936, 2ª Turma, Rel. Ministro Celso de Mello, acórdão publicado em 17/05/2013), havendo ainda feito afetado ao Plenário da Corte.

Piora mais ainda a situação o anacronismo da legislação penal e processual penal castrense que se torna mais flagrante a cada dia, vez que não tem sido atualizada e adequada ao disposto na Constituição Federal de 1988, bem como nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é signatário. Assim, persistem entendimentos superados nas leis penais comuns, como o tratamento do tráfico e do uso de drogas no mesmo dispositivo legal, bem como a manutenção do interrogatório do acusado no início da instrução, quando o próprio STF já reconheceu, apreciando Ação Penal originária, que a autodefesa é mais bem exercida quando o réu sabe o que foi dito contra si pelas testemunhas no curso da instrução processual (AP 528 AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, acórdão publicado em 08/06/2011).

Essa desatualização é ainda mais maléfica ao atingir o civil, pois este, ao contrário daquele que adotou para sua vida a carreira militar, não optou por seguir o estilo de vida castrense, com todas as suas demandas de hierarquia e disciplina, sempre invocadas nos julgamentos envolvendo militares. Por isso, a Suprema Corte deve caminhar no sentido de declarar a impossibilidade de a Justiça Militar processar e julgar civis.

A presente impetração, de certo modo, é consequência desse anacronismo. Como se sabe, a Justiça Militar, como regra, não procede à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo que o acusado preencha todos os requisitos necessários – nesse sentido, vide julgados do STF: HC 91709, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, acórdão publicado em 13/03/2009 e HC 94083, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, acórdão publicado em 12/03/2010. Concede, entretanto, o sursis, suspendendo a pena nos termos do disposto no Código Penal Militar.

Mas até mesmo o instituto da suspensão condicional da pena encontra-se defasado no Código Castrense em relação à Lei Penal comum. Esta, a partir da reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984, impôs condições para o recebedor da suspensão muito próximas das penas restritivas de direito. Aliás, o Código Penal estabelece que o sursis será aplicado quando não for possível a substituição da pena pela restritiva de direitos, o que está a indicar ser ele medida mais gravosa, tanto que subsidiária.

Mas é preciso ir além. Desde 1908, muito antes das últimas alterações levadas a efeito pelo reformador de 1984, José Mendes já advertia, em dissertação apresentada em concurso prestado na Faculdade de Direito de São Paulo, conforme menciona René Ariel Dotti em seu artigo “O “sursis” e o livramento condicional nos projetos de reforma do sistema”, pronunciado em conferência ocorrida em 8 de abril de 1983 no I Ciclo de Estudos de Direito e Processo Penal patrocinado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, que o sursis tem nítido caráter penal: “A própria condemnação condicional é uma pena consistente na ameaça feita ao delinquente; é um substitutivo penal, que não perde a natureza de pena. É pena no verdadeiro sentido, o scientífico, É pena adequada ao nosso tempo.” (artigo publicado na Revista Justitia, do Ministério Público de São Paulo, 46(124): 175-194, jan/mar 1984)

O introito acima contextualiza a situação dos beneficiários da suspensão condicional da pena perante a Justiça Militar em cotejo com o disposto no Decreto de Indulto 8.172 de 24 de dezembro de 2013, mais precisamente em seu artigo 1º, XIII.

Inicialmente, questiona-se, se sursis não fosse pena, não fosse gravame, não seria aplicável quando incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e sim preferencialmente. Ou seja, é considerado subsidiário em relação à pena restritiva, pelo que é, logicamente, mais severo, caso contrário, seria aplicado primeiramente a quem fizesse jus aos dois institutos. Em outras palavras, seria ilógico se constatar que alguém não merece a substituição de pena, mas merece o sursis e ao mesmo tempo concluir que este não é pena e a substituição o é. Tal conclusão levaria a uma situação paradoxal de imposição de pena a quem tem condição menos grave e não imposição a quem tem condição mais severa.

A suspensão impõe ao seu recebedor uma ameaça constante de execução da pena em caso de descumprimento das condições impostas. Aliás, mais uma vez, repete o que ocorre com a substituição da pena pela restritiva de direitos, que, não cumprida, é convolada em privativa de liberdade.

Reforça ainda o caráter penal do sursis a necessidade de individualização na sua aplicação que deverá apreciar questões como antecedentes, personalidade, circunstâncias do crime, nitidamente ligadas à dosimetria penal; bem como a exigência de condições específicas a que fica subordinada a suspensão.

Cumpre ainda dizer que a interpretação de que o prazo da suspensão não deve ser considerado para a concessão do indulto parece ser mais rigorosa com quem foi apenado em infração menos grave em relação a quem sofreu punição maior. Aqui, reitera-se o já afirmado acima no sentido de que a Justiça Militar não aplica penas restritivas, situação que culmina na concessão de sursis. Repisa-se, o anacronismo é absurdo contra o militar, inadmissível contra o civil.

As diferenças existentes entre a Lei Penal comum e a Militar agravam-se diuturnamente, na medida em que esta não acompanha as alterações realizadas naquela, em temas que não guardam qualquer relação com a especificidade da vida na caserna. Por isso, é preciso que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os feitos oriundos da Justiça Castrense, atente-se para a desatualização da legislação lá aplicada, principalmente, mas não apenas, quando o acusado é civil, que, aliás, sequer deveria ser submetido a julgamento perante as instâncias militares.

Assim, deve ser o tempo de suspensão condicional da pena considerado para a obtenção do indulto, evitando-se a discrepância entre o condenado pela Justiça Militar e a Justiça comum e o tratamento mais gravoso a quem tenha praticado crime de pouca relevância penal.

Aliás, o instituto da suspensão condicional da pena parece ter sido extirpado do projeto de Novo Código Penal, o que está a demonstrar sua defasagem em relação ao sistema penal atual.

3. DO PEDIDO

Portanto, o sursis deve ser considerado, ao menos, como execução parcial da pena, pelo que se justifica que o período de seu cumprimento seja considerado para a obtenção do indulto, com a consequente concessão da ordem.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, 25 de maio de 2015. 

Gustavo de Almeida Ribeiro