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Reformatio in pejus – maus antecedentes

Reformatio in pejus – maus antecedentes

Um tema que sempre me incomoda em minha vida profissional é a forma como se interpreta o que será considerado reformatio in pejus, quando o tribunal aprecia recurso defensivo.

Muitas vezes, me deparo com uma conclusão tão simplista quanto, em meu sentir, equivocada: se não houve incremento de pena, não há reformatio in pejus.

Ora, não cabe ao tribunal ficar buscando aspectos na decisão recorrida para reduzir menos a pena, ou mesmo não reduzir nada, em caso de recurso da defesa.

Parece-me óbvio que a defesa não devolve o que ganhou. Se o juiz se esqueceu de aplicar uma agravante e não houve recurso do MP, não cabe ao tribunal inserir aquela agravante, ainda que a pena, ao final, seja reduzida em razão de outro aspecto da dosimetria.

O caso que me fez escrever o presente é um desses, em minha opinião. Trata-se do RHC 232954, que teve seu seguimento negado em decisão monocrática do Ministro Nunes Marques.

Conforme se verá nas peças a seguir, o juiz não teceu uma linha sequer sobre os maus antecedentes quanto ao crime de associação para o tráfico, sendo tal circunstância inserida pelo TJSP em sede de apelo defensivo, o que fez a pena ser reduzida aquém do que deveria.

Apresento, abaixo, a decisão monocrática e o recurso interposto.

Brasília, 7 de dezembro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro

Alegações finais – AP 1183/STF

Alegações finais – AP 1183/STF

Apresento, abaixo, as alegações finais ofertadas pelo colega de Defensoria Pública da União José Carvalho na ação penal 1183, em trâmite no STF, referente a um dos acusados dos atos de 08/01/2023.

Trata-se de peça extensa e completa, que procurou abordar todos os temas trazidos na ação penal em questão.

O caso já foi julgado, e não corre em segredo de justiça, pelo que a divulgação da peça não causará prejuízo.

Brasília, 18 de setembro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro

Acusado indefeso e nulidade

Acusado indefeso e nulidade

Foram várias as discussões sobre nulidades em processos penais ocorridas recentemente, em razão de casos com grande repercussão analisados pelos Tribunais de Brasília.

Penso que, havendo falha no processo que prejudique, de algum modo, o regular exercício da ampla defesa, a nulidade deve ser reconhecida, não importando o ponto em que se encontra o processo.

Todavia, as falhas devem ser apreciadas e reconhecidas em todos os feitos, consideradas as variações naturais existentes entre um processo cujo acusado é um cidadão pobre e aquele em que figura como réu pessoa abastada ou poderosa.

Apresento abaixo, excluídos os nomes dos envolvidos, agravo interno que interpus em face da decisão monocrática proferida pela Min. Rosa Weber no HC 166975.

Em meu sentir, no caso em questão, o acusado foi processado e julgado sem defesa, conforme se observa da peça.

Penso que a decisão monocrática da Ministra será mantida pela 1ª Turma do STF, restando indeferida a ordem. O julgamento virtual do agravo terá início dia 7 de maio de 2021 e não há chance de sustentação ou de retirada do sistema virtual.

É por isso que casos midiáticos não me impressionam. Vivo em outro mundo, no mundo dos anônimos.

Brasília, 4 de maio de 2021

Gustavo de Almeida Ribeiro

Aos que me seguem

Aos que me seguem

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Aos que me seguem no Twitter, penso ser necessário dar uma explicação além da linguagem telegráfica da mencionada rede social.

Sou Defensor Público Federal, patrocinando as mais diversas causas, nas mais diferentes searas, em favor dos meus assistidos.

Especificamente na área criminal, já peguei casos em que se discutiam crimes graves e outros em que se discutiam crimes menos relevantes, sendo estes, aliás, a maioria.

Claro que quero vencer os processos que patrocino, mas, a diferenciação que farei a seguir é fundamental, como pessoa razoável que penso e pretendo ser: entendo perfeitamente que, em muitos casos, a decisão será contrária ao assistido da Defensoria. Isso é absolutamente normal e minhas reclamações não provêm daí.

Recebo inúmeras intimações a cada semana. Atualmente, na fase em que se encontra o STF, em minha opinião, a mais rigorosa nos meus 11 anos de atuação, boa parte das decisões são monocráticas e denegatórias.

Considerado esse número, quem acompanha minhas postagens no Twitter observa que reclamo de poucas decisões e, além disso, algumas negativas são apenas divulgadas, sem tom crítico.

Todavia, há decisões que me geram grande incômodo.

Já causariam em situação normal, mas ficam ainda pioradas quando vêm de Ministros que bradam no Plenário da Corte estarem preocupados com as prisões cautelares intermináveis, com o excesso de rigor na dosimetria penal, ou em favor da sacralidade do direito de defesa.

Além disso, o princípio da insignificância, que atinge justamente as condutas mais irrelevantes, torna-se cada vez mais restrito e cheio de condicionantes. São incontáveis os processos de descaminho de sacoleiros, os furtos de alimentos, roupas e produtos de higiene em que a bagatela é afastada pela vida pregressa, o que também parece contrariar o discurso libertário.

Acho que posso dizer ter conduta ética e equilibrada. Penso que os membros do Judiciário e do Ministério Público perante os quais trabalhei nesses 16 anos de carreira concordariam com minha afirmação.

Falando especificamente da Corte, por conduta equilibrada refiro-me à postura, à apresentação, às falas na tribuna, ao respeito ao STF e seus membros e também ao não insistir em recursos incabíveis, em temas consolidados, em tomar tempo dos Ministros com o que já foi dito e repetido.

Como mencionei acima, poderia abarrotar o Tribunal de agravos regimentais, o que tomaria meu tempo e o da Corte, sem qualquer chance de êxito. Não ajo assim. Recorro pouco. Brigo pelo que entendo ser razoável. Meus 11 anos de STF com mais de 100 sustentações orais proferidas mostram isso, penso eu.

Creio até ser respeitado, mas quero que meus assistidos tenham o tratamento que merecem. Não me presto a recursos absurdos, a manobras inadequadas.

Por isso fico realmente muito incomodado ao perceber que cada vez menos tenho (embora fale na primeira pessoa do singular, leia-se “DPU e assistidos”) chance de proferir sustentação oral e, ao que tudo indica, até mesmo os julgamentos presenciais, ao que parece, me serão negados.

Se é a mesma coisa, virtual e presencial, por que ao fazer uma rápida pesquisa pelo site eletrônico do STF, percebo que inúmeros HCs e RHCs de políticos e empresários têm sido julgados na forma presencial?

Nem me lembro, para dar um exemplo, qual foi a última vez em que o Ministro Gilmar Mendes colocou um habeas corpus da DPU para ser julgado no colegiado sem ser pela via do agravo regimental. Poderia indicar, no mesmo período, vários outros que foram levados.

Entendo a mudança de postura do STF ao julgar os habeas corpus de forma monocrática dado seu enorme volume. Todavia, há diversos processos da Defensoria que tratam de temas relevantes, ainda não sedimentados e com enorme capacidade de espraiar seus efeitos para muitos outros.

Aliás, também me incomoda a invocação do que ocorre em Cortes Constitucionais pelo mundo para justificar a limitação dos habeas corpus. Ora, se vamos comparar, pergunto: qual Tribunal estrangeiro julga tantas autoridades com prerrogativa de foro? Ah, mas o foro é previsto na Constituição. Concordo, mas o cabimento de habeas corpus o também é – além de sua importância histórica para a Suprema Corte brasileira.

Em suma, minha fala é pelo tratamento igualitário, próximo entre todos os que batem às portas do STF.

De minha parte, continuarei atuando com razoabilidade, respeitando as teses e o tempo do Tribunal, mas me insurgindo sempre que entender ter havido alguma injustiça. O dia em que perder minha capacidade de me indignar estará na hora de mudar de atividade.

Brasília, 27 de abril de 2018

O que não sai no acórdão

O que não sai no acórdão

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Algumas coisas, se não forem contadas por quem delas participou, passarão em branco.

O trabalho na Defensoria Pública é uma soma de fragilidades, da Instituição e daqueles a quem ela representa, na busca da redução das desigualdades.

Como se sabe, o STF, após pautar um recurso extraordinário, não mais permite, como regra, o pedido de intervenção como amicus curiae. Há exceções, como conseguimos, aliás, no RE 841526, mencionado em texto anterior.

Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal não segue qualquer ordem ou lógica para incluir um feito na pauta; pior, muitas vezes insere e fica tempos sem julgá-lo.

O RE 560900, que trata da permissão ou não de candidatos que respondem a processo penal participarem de concurso público, chegou ao Tribunal em agosto de 2007, ou seja, há quase 9 anos. Foi incluído em pauta em fevereiro de 2016 e, até a presente data, não foi julgado.

Dada a profusão de processos e temas de nosso interesse, além dos feitos regulares, só nos demos conta da importância do assunto quando o recurso já estava na lista de processos a serem julgados.

Mais uma vez, teríamos que partir para a tática da manifestação tardia.

No processo anterior já mencionado (RE 841526), o colega que trabalha comigo, Gustavo Zortéa, conseguiu contato telefônico facilmente com o advogado da parte, que logo peticionou informando que não iria proferir sustentação oral. Desta vez, os advogados cadastrados não estavam tão acessíveis.

Após descobrir que um deles tinha falecido, o colega Gustavo foi até a chácara, situada na região de Brasília, em que atualmente reside a outra advogada do recorrido para saber se ela pretendia sustentar o feito oralmente. Ela informou a ele que já não está atuando e que sequer tem acesso aos processos eletrônicos do STF. Foi pedido a ela que escrevesse um e-mail com essa informação e nos enviasse.

Minha parte foi redigir a petição de ingresso. Entre prazos e sustentações orais, a petição foi elaborada durante a semana e concluída na noite de sábado, 23 de abril, dada a urgência.

Na segunda, o Gustavo Zortéa, ao chegar à DPU, fez contato com o gabinete do Ministro Roberto Barroso, Relator. Ao conseguir conversar mais tarde no gabinete, ele foi informado de que o Ministro provavelmente só decidiria na hora da sessão a respeito de nossa participação.

Sem recebermos o e-mail da advogada, mais uma vez fizemos contato, momento em que ela informou estar com dificuldades em acessar a internet.

Redigimos e claro, lemos para ela, um texto, no qual a advogada informava que não pretendia fazer a sustentação oral e novamente o Gustavo Zortéa partiu em direção à chácara na região de Brasília para pegar a assinatura dela.

Os documentos pertinentes já foram acostados.

Nosso principal objetivo, impende dizer, é evitar que sejam ouvidas apenas vozes contrárias à participação daquele que responde a processo penal em concurso público, fazendo o essencial contraponto e proporcionando a paridade de armas.

Não fomos ainda admitidos como amicus curiae e nem sei se o seremos. A discussão é importante, podendo atingir muita gente que presta os mais diversos tipos de concurso. Além do Distrito Federal, a União e o Estado do Rio de Janeiro falarão contra a tese esposada pela DPU.

Fizemos também um rápido brainstorming para pensar em teses e alternativas para, caso sejam impostas restrições aos candidatos que respondem a processo penal, elas sejam as mais razoáveis possíveis, evitando-se a vedação absoluta e/ou que sejam aplicadas em casos em que o processo penal não tenha qualquer relação com a atividade a ser desenvolvida pelo candidato.

Agora nos resta aguardar. Nossa parte foi feita, apesar de todos os tipos de limitações.

Espero que prevaleça o bom senso do Tribunal, seja para nossa admissão, seja na apreciação da tese.

E tem gente que fala que só ricos têm uma defesa articulada…

Brasília, 28 de abril de 2016, às 1.57 h.

Direito de intervir

Direito de intervir

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

Comentário rápido que costumo fazer com amigos a respeito das sustentações orais: trocaria parte do meu tempo de tribuna, 15 minutos, na maioria das situações, pelo direito de tecer comentários em breves segundos após os votos dos Ministros ou a manifestação do Procurador da República.

Claro, após a sustentação, é possível rápida intervenção para esclarecimento de matéria fática, mas não é disso que se trata.

Já ouvi, após proferir sustentação oral perante o STF, algumas considerações invocando questões jurídicas – legislação ou jurisprudência – equivocadas, situação que acho normal, vez que ser humano algum sabe todo o ordenamento jurídico de seu país de cor. No entanto, seria consentâneo com a ampla defesa que certos comentários que não encontram esteio na jurisprudência tal como invocada ou na legislação pudessem ser indicados da tribuna.

Poderia citar alguns exemplos de que me lembro bem, mas ficarei com o último que ouvi. Certo Ministro falou sobre a aplicação de sursis em crime grave. Ora, não cabe sursis em crime grave, pelo que, como o antecedente não existe, menos ainda a consequência a que ele queria chegar como conclusão.

Nenhum dos demais Ministros falou nada a esse respeito e eu fiquei com a língua coçando, mas sabia que intervenção minha naquele momento, além de ser mal vista por todos, não mudaria o voto desfavorável.

Em outra vez, quando um Relator invocou jurisprudência já alterada, não resisti e apontei tal situação. Embora tenha sido informado de que só poderia falar dos fatos, usei a única frase que tinha antes de ser interrompido para simplesmente dizer que a jurisprudência tinha mudado. Deu certo. Um dos outros Ministros ouviu, pediu vista, juntei memoriais com a jurisprudência mais recente e o habeas corpus foi concedido. Confesso, entretanto, que dei sorte, pois se tal Ministro não estivesse prestando atenção, minha única frase antes de ouvir “Doutor, questão de direito, não pode” teria caído no vazio.

Por isso, trocaria, de bom grado, 5 minutos dos meus 15 de sustentação oral por 1 minuto para breves considerações sobre questões trazidas nos votos que, por vezes, destoam da legislação e da jurisprudência.

Quem sabe um dia seja assim!

Brasília, 10 de julho de 2015

Reformatio in pejus e consequências indiretas

Reformatio in pejus e consequências indiretas

 

Gustavo de Almeida Ribeiro

 

O tema reformatio in pejus pode parecer, à primeira vista, simples e isento de maiores reflexões. Entretanto, um olhar um pouco mais aprofundado demonstra que ele ultrapassa a mera questão do quantitativo de pena em si, trazendo outras nuances a serem apreciadas conforme o caso.

Um exemplo é a invocação, pelo Tribunal de apelação, de aspectos negativos contra o acusado recorrente que, em razão do acolhimento também de teses favoráveis, não torna a pena maior que a da primeira instância, mas a deixa maior do que a que seria devida.

Outro indicativo da complexidade do tema ocorre no recurso defensivo em que não há qualquer alteração ou redução na quantidade de pena fixada, mas com a imposição de circunstâncias que alteram, de alguma forma, a pena, seja pela mudança do enquadramento no tipo penal, seja pela invocação de circunstâncias judiciais antes neutras ou favoráveis.

Um caso concreto, extraído do HC 123251, julgado pela 2ª Turma do STF, demonstra de forma cristalina o que ora se afirma:

“Habeas Corpus. 2. Emendatio libelli (art. 383, CPP) em segunda instância mediante recurso exclusivo da defesa. Possibilidade, contanto que não gere reformatio in pejus, nos termos do art. 617, CPP. A pena fixada não é o único efeito que baliza a condenação, devendo ser consideradas outras circunstâncias para verificação de existência reformatio in pejus. 3. A desclassificação do art. 155, § 4º, II, para o art. 312, § 1º , ambos do Código Penal, gera reformatio in pejus, visto que, nos crimes contra a Administração Pública, a progressão de regime é condicionada à reparação do dano causado, ou à devolução do produto do ilícito (art. 33, § 4º, CP). 4. Writ denegado nos termos em que requerido, mas, de ofício, concedido habeas corpus.” (HC 123251, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 10-02-2015 PUBLIC 11-02-2015)

Em suma, a acusada havia sido condenada por furto. Em recurso exclusivo seu, o Tribunal entendeu por alterar o tipo penal de furto para peculato-furto, sem qualquer mudança na pena. Aparentemente, seria uma emendatio libelli sem maiores consequências, vez que mantida a pena imposta em primeiro grau. Ocorre que o peculato é crime praticado contra a administração pública, pelo que a ele é aplicado o disposto no artigo 33, §4º do Código Penal que impõe a reparação de dano para a progressão de regime, exigência inexistente no crime de furto. Ou seja, ainda que sem o agravamento do quantitativo de pena, a situação da acusada tornou-se mais gravosa, pois, precisando progredir de regime terá que cumprir determinação legal não imposta na condenação primeva e não questionada pelo Órgão de acusação.

Mais uma vez, repisa-se: não cabe ao Tribunal ad quem, inconformado, assumir o papel de Ministério Público, em recurso do acusado.

O mesmo se dá com a consideração de circunstância judicial como negativa contra o recorrente em recurso exclusivo seu, mesmo sem a majoração de pena. Como se sabe, as circunstâncias judiciais são sempre consideradas para a obtenção de benefícios, tais como a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Assim, os dois exemplos acima demonstram que a vedação da reformatio in pejus ultrapassa, em muito, a mera quantificação final da pena, surgindo até mesmo da tipificação legal imposta ao acusado recorrente. Os princípios acusatório e da ampla defesa impedem que o Tribunal de apelação altere, sem a provocação ministerial (ou do querelante ou do assistente de acusação, conforme o caso), aspectos da pena que resultem em qualquer espécie de agravamento na situação do acusado.

Não se impõe a quem recorre preocupar-se com circunstâncias que eventualmente podem ser invocadas pela Corte local, antecipando-se e temendo, ao apelar, um provimento de ofício contrário ao seu pedido.

Em apelação exclusiva da defesa, cabe ao Tribunal prover o recurso ou a ele negar provimento, mas não invocar circunstância que de qualquer modo prejudique o apelante sem qualquer provocação. Como já afirmado, o prejuízo não se limita ao total final da pena, sendo esta sua forma mais visível, mas de modo algum a única. Mudanças que impeçam ou dificultem a substituição da reprimenda, a progressão de regime, ainda que não causem um dia sequer a mais de pena, agravam a situação do recorrente pelo que dependem de irresignação ministerial para serem aplicadas.

Brasília, 16 de junho de 2015