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Mineiro. Defensor Público Federal desde dezembro de 2001. Designado para atuar junto ao STF desde março de 2007. twitter: @gustalmribeiro

Insistência recompensada

Insistência recompensada

O caso que mostrarei a seguir traz alguns aspectos interessantes.

Em primeiro lugar, mostra a importância do habeas corpus como instrumento célere para corrigir ilegalidades.

Mas, além disso, chama a atenção para o cuidado que se deve ter na análise das provas produzidas no processo penal.

O paciente do habeas corpus abaixo (HC 254091/STF) pilotava sua moto com uma pessoa na garupa.

Abordados pela polícia, foi encontrada droga com o garupa que ASSUMIU a propriedade do entorpecente, afirmando que o piloto (paciente do habeas corpus) nada sabia. Transcrevo trecho da decisão do Min. Gilmar Mendes:

Apesar disso, o piloto foi condenado pela Justiça Estadual de São Paulo.

Ele então remeteu carta ao STJ encaminhada à Defensoria Pública da União, que impetrou habeas corpus no Tribunal. o STJ manteve íntegra a condenação.

Em seguida, o paciente impetrou habeas corpus de próprio punho no STF, sendo a ordem concedida de ofício pelo Min. Gilmar Mendes.

Valeu a insistência.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 25 de julho de 2025

A honestidade salva?

A honestidade salva?

Gustavo de Almeida Ribeiro

A história abaixo me foi contada pela minha mãe há muitos anos e ficou em minha memória. Recentemente, relembrei o caso com ela.

Minha mãe estava em seu trabalho, em Belo Horizonte, quando chegou uma colega dela.

Essa colega, a quem chamarei de Lourdes, reuniu umas três amigas para contar o que tinha acabado de acontecer.

“Vocês não imaginam. Acabei de passar por um coitado inocente na rua que estava com um bilhete premiado de loteria e não sabia o que fazer com ele. Ele queria me vender o bilhete…”

Imediatamente, minha mãe e as outras que ouviam interromperam:

“Lourdes, isso é um golpe velho na praça. Todo mundo já conhece isso.”

“De modo algum, era um rapaz simples, do interior, absurdo vocês falarem isso.”

“Lourdes, você deu dinheiro a ele?”

“Deixem-me terminar a história, por favor. Ele me falou: moça, eu não sei como funciona esse negócio de loteria, mas esse bilhete aqui é premiado e o prêmio é de Cr$ 500.000,00 (não faço ideia do valor real). Só que eu moro no interior e nem é na cidade, é na roça mesmo. Até para ir ao centro da cidadezinha é difícil para mim. Preciso pegar o ônibus agora na rodoviária para voltar, não tenho nem pouso aqui. Se a senhora me der uns Cr$ 20.000,00 eu passo o bilhete para a senhora e diminuo meu prejuízo.”

“Não é possível que você deu o dinheiro a ele, Lourdes.”

“Calma. Eu falei com ele que perto de onde estávamos tinha uma agência da Caixa Econômica e que eu o levaria até lá para os funcionários orientarem-no sobre o que fazer.”

“E ele aceitou?”

“Não, falou que estava com pressa, pois iria perder o ônibus e não tinha mais como demorar a ir para a rodoviária.”

“Claro, né, Lourdes, era golpe.”

“Não era. Era um moço tão simples, tão humilde que ele falou: Dona, se a senhora não tem R$ 20.000,00, aceito R$ 10.000,00 pelo bilhete. A senhora ganha um bom dinheiro e ao mesmo tempo levo um pouco também. Falei que não, que o melhor era ir rapidamente ao banco. Nisso, chegou um outro rapaz que estava perto ouvindo a conversa e falou: senhora, ajude o rapaz, ele vai perder o dinheiro todo.

“Lourdes, era o comparsa! Meu Deus!”

“Vocês são muito desconfiadas. Falei com o outro que não me aproveitaria de um rapaz humilde e pouco informado dando a ele valor muito menor que o do bilhete, que se quisesse, ele que agisse assim. Ele respondeu que não ia fazer isso por não ter Cr$ 10.000,00 para passar para o rapaz. Mas que eu deveria pensar na situação dele e ajudar.”

“Aí você deu o dinheiro e ficou com o bilhete?”

“Não. De modo algum. Eu me ofereci de novo para ir com ele ao banco resolver a situação. Ele disse que não queria, falei que então não poderia fazer nada para ajudar. Nunca iria abusar de uma pessoa simples para tomar dinheiro dela na base da esperteza.”

“Lourdes, que bom que você não deu dinheiro a ele, era um golpe tradicional em que eles adulteram um bilhete de loteria.”

“Não era, era um sujeito simplório e desinformado. Só não fiquei com bilhete porque nunca me valeria disso para levar vantagem.”

Lourdes, de certo modo, caiu no golpe. Ela acreditou plenamente, e nunca mudou de ideia, na conversa do golpista. Foi salva por sua honestidade. Embora ingênua, a honestidade de Lourdes falou mais alto e ela escapou do prejuízo.

Brasília, 6 de abril de 2025

Habeas corpus coletivo e remição diferenciada

Habeas corpus coletivo e remição diferenciada

Compartilho em meu blog a decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes, proferida no Habeas Corpus coletivo 204057, do Supremo Tribunal Federal.

A impetração foi ajuizada pelo advogado Lucas Francisco Neto (e outros), sendo assumido o patrocínio pela Defensoria Pública da União.

O pedido era de que fosse considerado em dobro o tempo cumprido por presos em locais insalubres, inadequados.

O Min. Gilmar Mendes negou seguimento à impetração.

A decisão é interessante por conter um apanhado de decisões do STF sobre o tema “prisão em local insalubre e remição/indenização”.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 4 de abril de 2025

Mais um caso

Mais um caso

Desde os primeiros atendimentos que eu e os colegas da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal fizemos das pessoas presas em razão dos atos de 8 de janeiro de 2023, ficou claro que entre os presos havia pessoas de todos os tipos, e, entre elas, muitos muito pobres e outros com nítidos problemas mentais, ou com ambos.

Infelizmente, todas foram colocadas praticamente na mesma situação, sendo oferecidos dois grupos de denúncias inicialmente, um para aqueles que foram à Praça dos Três Poderes, mais grave; um para os que ficaram no acampamento, mais leve.

O que cada um fez, individualmente, foi ignorado, bem como a condição da pessoa e o que a levou até aquele local. Infelizmente é preciso lembrar: estamos falando de direito penal…

O problema é que essa postura da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo STF, colocou pessoas diferentes, com condutas diferentes, em situação igual, o que é sempre causador de injustiça.

Os processos tramitaram e, a esta altura, já há absolvições, acordos de não persecução firmados, condenações definitivas.

Trato hoje de mais um desses casos. Não vou citar o nome, nem colocar o número do processo, quero contar a história da pessoa, para, com meu trabalho de formiguinha, provocar reflexão.

O rapaz do caso veio do interior da Bahia. Era vendedor ambulante na cidade dele, aproveitando a aglomeração do acampamento local para vender seu produto.

No dia da viagem para Brasília, foi convidado para vir passear. Aceitou, foi preso.

Logo no primeiro contato, o colega que o atendeu observou: ele tem problema, nitidamente.

Pedimos a liberdade dele. A mãe nos forneceu vários documentos médicos demonstrando seu longo acompanhamento.

Entrei em contato diversas vezes com o gabinete e, no dia em que saiu a decisão de soltura, descobri que a família tinha acabado de constituir advogado. Outro levaria a fama pelo nosso esforço, mas tudo bem.

Passado algum tempo, ele voltou a ser nosso assistido.

Pedimos a instauração do incidente de insanidade, o que foi deferido pelo Ministro Alexandre de Moraes em abril de 2024. Alguns dias depois foi expedido ofício para a Vara Criminal da comarca da cidade do assistido.

Dias atrás, vi pelo sistema e-push do STF (sistema eletrônico de informação processual) que tinha havido movimentação no caso. Sou curioso, fui conferir.

Era a resposta do juízo que recebeu o ofício para realizar o exame de sanidade. Dela constam algumas informações importantes:

“Vale ressaltar que, além disso, consta no relatório que no momento da escuta, o Sr. XXXXX apresentou falas desorganizadas, demonstrando comprometimento do seu estado de saúde mental.” (funcionário responsável pelo equipamento de monitoração)

A outra parte importante é que, ao responder o ofício, em 11 de fevereiro de 2025, o juízo da Comarca informou que:

“(…) até o momento não foi a perícia realizada.

(…)a fim de que tenha ciência da atual situação do denunciado e não realização do exame indicado para adoção das providências que entender necessárias.”

Em suma, passados mais de 9 meses do deferimento da realização do exame de sanidade do assistido, ele ainda não ocorreu.

O rapaz continua lutando para cumprir as cautelares, que permanecem. Espero que não seja preso.

Esse é mais um caso.

(e é por isso que eu bloqueio em rede social quem não tem empatia e não assistido canal de televisão com uma versão só)

Brasília, 15 de fevereiro de 2025

Gustavo de Almeida Ribeiro

Retroatividade ou não?

Retroatividade ou não?

O caso que contarei abaixo me motivou a novamente postar no blog após longo hiato.

No HC 243980, impetrado perante o STF, a Defensoria Pública da União buscava a autorização para que fosse remetido o processo na origem ao Ministério Público para a análise da possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal (ANPP).

O pedido foi feito com o processo original já em segundo grau (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).

Todavia embora o STF tenha entendido pela retroatividade da possibilidade de oferecimento do ANPP no HC 185913, o Min. Dias Toffoli, relator do mencionado HC 243980, entendeu que o feito, na origem, já tinha transitado em julgado, pelo que seria impossível a aplicação da retroatividade do ANPP (a mencionada decisão foi publicada em 31/07/2024). Transcrevo:

“Com efeito, tal entendimento é perfeitamente aplicável ao caso
concreto, visto que houve o trânsito em julgado da condenação.
Ante o exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao presente habeas
corpus,
ficando, por consequência, prejudicado o pedido liminar.
Publique-se.
Brasília, 25 de julho de 2024.” (destaque nosso)

Ocorre que não tinha ocorrido o trânsito em julgado da condenação, pelo que interpus agravo acompanhado de certidão extraída do site do STJ, indicando justamente isso. O agravo foi interposto em 14/08/2024.

Iniciado o julgamento virtual, o Min. Dias Toffoli manteve seu entendimento, logo acompanhado pelo Min. Edson Fachin.

O Min. André Mendonça pediu vista. Ao devolver o feito para o julgamento, votou pela concessão da ordem, acompanhado pelo Min. Nunes Marques. Por fim, o Min. Gilmar Mendes desempatou pela denegação.

Extraí nova certidão do processo no STJ na data de hoje que confirma o que aleguei ao recorrer: o processo na origem transitou em julgado bem após a interposição do agravo interno: 02/09/2024.

Confesso não ter entendido.

Anexo, abaixo, a decisão monocrática, o agravo, a certidão que acostei ao agravo, o acórdão e a certidão extraída hoje (esta contém a data do trânsito em julgado).

Brasília, 21 de janeiro de 2025

Gustavo de Almeida Ribeiro

Pagamento da multa e extinção da punibilidade

Pagamento da multa e extinção da punibilidade

Está sendo novamente discutida pelo STF, na ADI 7032, a questão da necessidade do pagamento da multa penal para extinção da punibilidade.

O tema já foi enfrentado várias vezes em tempos recentes pelo STJ e pelo STF.

Recentemente, mais precisamente em fevereiro de 2024, o STJ proferiu decisão importante reconhecendo que a imensa maioria dos condenados na esfera penal no Brasil é composta por miseráveis, pelo que a declaração de falta de condição econômica basta para que o inadimplemento da multa não seja óbice à extinção da punibilidade, sendo possível, claro, prova em contrário.

O STF, em julgamento virtual entre os dias 15 e 22 de março de 2024, parece não ir na mesma linha, ao menos pelos 3 votos até agora lançados (Ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Alexandre Zanin).

Apresento, abaixo, memoriais ofertados pela DPU, da lavra da colega Tatiana Bianchini, a respeito do assunto discutido.

Gustavo de Almeida Ribeiro

Brasília, 19 de março de 2024

Reformatio in pejus – maus antecedentes

Reformatio in pejus – maus antecedentes

Um tema que sempre me incomoda em minha vida profissional é a forma como se interpreta o que será considerado reformatio in pejus, quando o tribunal aprecia recurso defensivo.

Muitas vezes, me deparo com uma conclusão tão simplista quanto, em meu sentir, equivocada: se não houve incremento de pena, não há reformatio in pejus.

Ora, não cabe ao tribunal ficar buscando aspectos na decisão recorrida para reduzir menos a pena, ou mesmo não reduzir nada, em caso de recurso da defesa.

Parece-me óbvio que a defesa não devolve o que ganhou. Se o juiz se esqueceu de aplicar uma agravante e não houve recurso do MP, não cabe ao tribunal inserir aquela agravante, ainda que a pena, ao final, seja reduzida em razão de outro aspecto da dosimetria.

O caso que me fez escrever o presente é um desses, em minha opinião. Trata-se do RHC 232954, que teve seu seguimento negado em decisão monocrática do Ministro Nunes Marques.

Conforme se verá nas peças a seguir, o juiz não teceu uma linha sequer sobre os maus antecedentes quanto ao crime de associação para o tráfico, sendo tal circunstância inserida pelo TJSP em sede de apelo defensivo, o que fez a pena ser reduzida aquém do que deveria.

Apresento, abaixo, a decisão monocrática e o recurso interposto.

Brasília, 7 de dezembro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro

Inviolabilidade de domicílio – limites

Inviolabilidade de domicílio – limites

O HC 228426, julgado pelo Min. Gilmar Mendes, do STF, trazia interessante discussão sobre inviolabilidade de domicílio.

No caso, em suma, discutia-se se chácara desabitada, mas fechada ao ingresso de estranhos, poderia ser local de busca e apreensão pela polícia, sem mandado judicial.

Inicialmente, o Min. Gilmar Mendes denegou a ordem, entendendo ser legal a busca policial. Todavia, em recurso por mim manejado em favor do assistido da DPU, ele reconsiderou a decisão e concedeu a ordem.

Foi um recurso bem feito, invocando jurisprudência e doutrina (destaco aqui a participação da estagiária Lilian Tavares), que acabou acolhido pelo Ministro relator.

Coloco, na sequência, a primeira decisão, o agravo e a reconsideração.

Brasília, 29 de outubro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro

Boletim nº 8 da AASTF – 2023

Boletim nº 8 da AASTF – 2023

Segue, em anexo, o Boletim Informativo nº 8, de 2023, da Assessoria de Atuação no STF, contendo os principais julgados do Supremo Tribunal Federal até 2023, de interesse da Defensoria Pública da União.

A maioria dos processos contou com a atuação da DPU como procuradora de alguma das partes ou, ainda, na condição de amicus curiae.

Este número traz ainda comentários/entrevista dos Defensores sobre as defesas das pessoas acusadas pelos atos de 08/01/2023.

A elaboração do Boletim foi coordenada pela colega Tatiana Bianchini.

Brasília, 23 de outubro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro

ADPF 709 – Custos Vulnerabilis

ADPF 709 – Custos Vulnerabilis

Há tempos a Defensoria Pública vem tentando participar de forma que vá além dos poderes conferidos aos amici curiae em ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Os fundamentos para tal situação foram sendo enumerados em diversas ações e também na obra dos colegas Defensores Edilson Santana, Jorge Bheron e Maurílio Casas Maia (Custos Vulnerabilis: A Defensoria Pública e o equilíbrio nas relações político-jurídicas dos vulneráveis)

Na data de ontem, 16 de outubro de 2023, o Min. Roberto Barroso, relator da ADPF 709 no STF, deferiu a participação da DPU na ação na condição de custos vulnerabilis.

O tema versado na mencionada ADPF diz respeito aos direitos indígenas, cada vez mais atendidos pela DPU.

Trata-se de importante passo e conquista para a Defensoria, uma vez que ela ainda não possui legitimidade para ajuizar suas próprias ações de controle concentrado, mas patrocina temas extremamente relevantes na defesa dos vulneráveis, atuando em situações que vão além da defesa individual ou de um caso em concreto.

Coloco, abaixo, a petição de embargos de declaração apresentada pelo colega de DPU, Gustavo Zortéa e a decisão do Min. Roberto Barroso.

(em tempo, para quem estuda para fazer concurso da Defensoria, tema essencial)

Brasília, 17 de outubro de 2023

Gustavo de Almeida Ribeiro